sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Justiça histórica contra o golpismo, editorial Estadão (definitivo)

 

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A condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro a 27 anos e 3 meses de prisão por tentativa de golpe de Estado, entre outros crimes correlatos, engrandece o Brasil. Sob risco de se perder a real dimensão do feito realizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), não se pode analisar o fim do julgamento da Ação Penal (AP) 2.668 somente à luz da punição de criminosos que, desde os mais elevados postos da República, conspiraram contra a Constituição. É preciso reconhecer que, malgrado os problemas jurídicos, de resto compreensíveis ante o ineditismo do processo, e em meio a uma brutal pressão sofrida pelo STF, a democracia brasileira passou com poucos arranhões por seu maior teste desde o fim da ditadura militar e soube lidar com uma ameaça real à sua existência.

Pela primeira vez, um ex-presidente da República é condenado à prisão por insuflar e liderar uma conspiração que pretendia impedir a posse de um presidente legitimamente eleito. Ao lado de Bolsonaro na desonra de ingressar no rol dos culpados, três generais de quatro estrelas e um almirante de esquadra foram igualmente condenados, rompendo-se, assim, a nefasta tradição de leniência com militares sediciosos que conspurca a história republicana. Desde 1889, o País conviveu com reiteradas intervenções de fardados na vida política nacional, sempre sob o signo da impunidade. Nesse sentido, a decisão do STF de não condenar apenas o líder civil da trama golpista resgata uma condição indispensável para o desenvolvimento do Brasil: na democracia, não há lugar para tutela militar sobre os destinos do País. Tampouco há espaço para indulgência com traidores da Pátria, sejam paisanos ou fardados.

A condenação de Bolsonaro, pode-se afirmar, é o corolário de uma vida pública dedicada à insurreição, à violência, à mentira, ao desrespeito às instituições e a tudo o mais que possa ser hostil à convivência em uma sociedade livre. Como bem sublinhou o ministro relator da AP 2.668, Alexandre de Moraes, Bolsonaro foi praticamente um “réu confesso”. Recorde-se que, em agosto de 2021, o então presidente afirmara que só via “três alternativas” para seu futuro: “estar preso, estar morto ou a vitória (na eleição de 2022)”, deixando claro que “a primeira alternativa não existe”. Ou seja, Bolsonaro jamais cogitou de uma transferência pacífica de poder.

A condenação, porém, transcende a biografia do indigitado, um sujeito que nunca ofereceu algo de bom ao Brasil e a seus concidadãos como militar, como deputado e como presidente da República. A decisão do STF é uma vitória da sociedade brasileira, que, a duras penas, reconquistou as liberdades democráticas em 1985 e tem lutado para aprimorá-las desde então. Portanto, a prisão de Bolsonaro por liderar uma tentativa de restauração do arbítrio no País é o triunfo, do ponto de vista coletivo, do ideal de Justiça.

É preciso registrar, ademais, a gravidade das pressões para deslegitimar o julgamento de Bolsonaro e seus asseclas. O presidente dos EUA, Donald Trump, sob influência de Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, impôs sanções ao Brasil e a ministros do Supremo. Há poucos dias, chegou a ameaçar o Brasil até com a possibilidade de intervenção militar para livrar Bolsonaro da cadeia. Em paralelo, o grupo político do sr. Bolsonaro empenhou-se sistematicamente em criar um clima de hostilidade em relação ao Supremo, na expectativa de mudar o destino do ex-presidente, agora um golpista condenado, a depender da mudança de ventos políticos. Infelizmente, não há razão para crer que essa malta recuará, o que prenuncia tempos ainda mais tumultuados.

Seja como for, o Supremo provou-se disposto a cumprir seu papel, mesmo diante das mais severas adversidades. Agora, cabe à sociedade e ao Congresso reafirmar esse pacto democrático. Não se tratou de vingança, mas de justiça. Não se tratou de perseguição, mas de resguardo da Constituição. O Brasil mostrou que é capaz de punir, com o rigor da lei, aqueles que atentam contra a democracia. E que ninguém, nem mesmo um ex-presidente da República ou militares de alta patente, está acima da lei.

Cármen Lúcia cita Victor Hugo durante voto, CB


A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta quinta-feira (11/9) ojulgamento da Ação Penal 2668 — que trata sobre a trama golpista com o voto da ministraCármen Lúcia. Na manifestação, a magistrada recorreu à literatura para reforçar a posição,citando uma passagem de Victor Hugo.

“O mal feito para o bem continua sendo mal”, afirmou a ministra, relembrando trecho do livro

História de um Crime, no qual o escritor francês critica o golpe de Estado de Napoleão III.


Segundo Cármen Lúcia, Victor Hugo foi um “ferrenho oposicionista ao golpe de Estado de Napoleão III” e registrou no livro um diálogo em que um personagem rejeita a proposta de derrubar o governo em nome de um suposto bem maior. Questionado se um golpe continuaria sendo mal mesmo com êxito, o interlocutor responde: “Principalmente quando ele tem sucesso. Porque então ele se torna um exemplo e vai se repetir”.

    Para a ministra, a lembrança histórica tem paralelo com o julgamento em curso. “Esse é um processo, como há outros, que temos a responsabilidade constitucional de julgar. Processos que despertam maior ou menor interesse da sociedade, o que não é também nada de novo, seja uma cidade pequena, seja para todo o país”, declarou.

        Ela destacou ainda a gravidade da ação analisada pelo Supremo: “Toda ação penal, especialmente a ação penal, impõe um julgamento justo e aqui não é diferente. O que há de inédito talvez nessa ação penal é que nela pulsa o Brasil que me dói. A presente ação penal é quase um encontro do Brasil com seu passado, com seu presente e com seu futuro, na área especificamente das políticas públicas dos órgãos de Estado”, afirmou.

        A ministra Cármen Lúcia

        • Citação de Victor Hugo: A ministra recorreu ao livro "História de um Crime" de Victor Hugo para sublinhar a ideia de que um ato ilegal, como um golpe de Estado, não pode ser justificado por um suposto "bem maior". Ela citou a frase: “O mal feito para o bem continua sendo mal”.

        • Paralelo com o julgamento: Cármen Lúcia traçou um paralelo entre a obra de Victor Hugo, que criticou o golpe de Napoleão III, e a situação atual no Brasil. Ela enfatizou que um golpe bem-sucedido pode servir de precedente perigoso, levando a repetições futuras.

        • Gravidade do caso: A ministra classificou o processo como inédito, por tratar de uma "ação penal que pulsa o Brasil que me dói". Segundo ela, o julgamento é um "encontro do Brasil com seu passado, com seu presente e com seu futuro", ressaltando a importância de garantir a justiça e o devido processo legal.

        • Responsabilidade constitucional: Cármen Lúcia reforçou que o STF tem a responsabilidade constitucional de julgar casos como esse, independentemente do interesse público que despertem.



        quinta-feira, 11 de setembro de 2025

        Zanin faz 4 a 1 pela condenação de Bolsonaro por golpe de Estado, FSP

         Notícia de presente

        Zanin acompanha maioria e condena Bolsonaro e outros sete réus na trama golpista

        Capa do video - Zanin acompanha maioria e condena Bolsonaro e outros sete réus na trama golpista

        Ministro concordou integralmente com todas as acusações da PGR. Crédito: TV Justiça

        O ministro Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), deu nesta quinta-feira, 11, o quarto e último voto para condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus do núcleo crucial da trama golpista por todos os cinco crimes imputados a eles na denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR). O placar julgamento está em 4 a 1.

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        Completaram a maioria os ministros Alexandre de MoraesFlávio Dino e Cármen Lúcia. O ministro Luiz Fux foi o único que divergiu e ficou vencido. As penas ainda serão definidas.

        Além do ex-presidente, foram condenados no processo Walter Braga Netto (ex-ministro da Defesa e Casa Civil), Augusto Heleno (ex-ministro do GSI), Alexandre Ramagem (deputado federal e ex-diretor da Abin), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha) e Mauro Cid (ex-ajudante de ordens de Bolsonaro).

        Em seu voto, Zanin defendeu que Bolsonaro era o líder de uma organização criminosa, tinha “posição de comando” e seria o maior beneficiário do golpe.

        Para o ministro, os discursos do ex-presidente contra as urnas e o Poder Judiciário têm “evidente conexão causal” com o fomento a ações violentas. Ou seja, publicamente Bolsonaro incitava a militância para minar a confiança nas instituições enquanto nos bastidores, com aval dele, aliados estavam articulando as medidas operacionais do golpe.

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        Com o argumento, o ministro neutraliza a defesa de Bolsonaro, que tentou isolar o ex-presidente da faceta mais obscura do plano de golpe, como os planos Plano Punhal Verde e Amarelo e Operação Copa 2022.

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        “Muitos dos fatos que envolvem a participação do ex-presidente foram materializados de forma pública em manifestações nas quais o esgarçamento das relações institucionais se apresentava como estratégia política populista, mas cujos contornos mais ilegítimos foram revelados por um universo robusto de provas documentais e testemunhais”, relacionou Zanin.

        Além dos discursos, o ministro destacou atos efetivos do ex-presidente, como a apresentação aos comandantes das Forças Armadas da “minuta de golpe”. Em seu interrogatório, o ex-presidente admitiu ter considerado decretar estado de defesa ou de sítio, mas alegou que desistiu da ideia depois de concluir que as medidas não teriam viabilidade.

        O ministro conectou uma cadeia de acontecimentos que, na avaliação dele, culminaram no 8 de Janeiro. A estratégia foi a mesma usada na denúncia da PGR e no voto de Alexandre de Moraes, relator do processo.

        “Não houve mera expressão de opiniões controversas, mas um concerto de ações voltadas à permanência no poder. Primeiro, por meio da tentativa frustrada de coatar a livre atuação do Poder Judiciário e de interferir nas eleições. Depois, por meio de atos de força que viabilizassem como estopim a deflagração de uma resposta institucional armada com apoio das Forças Armadas e manutenção do grupo no poder”, defendeu Zanin.

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        O ministrou resumiu em oito pontos o plano de golpe:

        1. Uso de estruturas de Estado para o monitoramento de servidores e agentes públicos e político, a “Abin paralela”;
        2. Difusão de falsas narrativas para construir um ambiente de instabilidade política;
        3. Estímulo à negativa do cumprimento de decisões judiciais, em referência ao discurso de Bolsonaro no 7 de Setembro de 2021;
        4. Uso indevido da estrutura da Polícia Rodoviária Federal no segundo turno das eleições de 2022;
        5. Facilitação e estímulo a manifestações públicas “convulsionantes” para justificar medidas de força;
        6. Tentativa de cooptação dos comandantes das Forças Armadas;
        7. Uso de militares das Forças Especiais para monitorar e eliminar autoridades públicas;
        8. Elaboração de decretos e discursos para a legitimação de um regime de exceção, as “minutas do golpe”.

        O julgamento é histórico. É a primeira vez que um ex-presidente e oficiais do alto escalão das Forças Armadas respondem na Justiça por atentar contra a democracia no Brasil. Os crimes estão previstos na Lei nº 14.197, sancionada pelo próprio Bolsonaro, que substituiu a Lei de Segurança Nacional.