A minissérie “Todas as Mulheres do Mundo” não poderia ter sido lançada em hora mais apropriada.
Mais que uma homenagem ao filme lendário com o mesmo título, busca irradiar uma filosofia de vida que o dramaturgo e cineasta Domingos Oliveira (1936-2019) propagou em sua obra.
“Já vivi muito, já amei muito, e até hoje eu não sei se o amor é o bem do mundo ou o amor é o mal do mundo, mas eu tenho absoluta certeza que ele é o senhor do mundo.”
Os mais céticos e os mais cansados com o estado atual das coisas não vão levar em consideração as palavras de Domingos Oliveira, e não tenho como contestá-los.
Posso só falar da minha experiência após assistir aos 12 episódios da obra criada para a Globoplay por Jorge Furtado e Janaína Fischer, a partir de uma ideia do próprio Domingos e de Maria Ribeiro. Saí da maratona mais leve.
Com direção artística de Patricia Pedrosa, a releitura toma várias liberdades em relação ao filme, mas mostra como o libertário Paulo ainda ilumina como um farol nos dias atuais. Vivido por Paulo José em 1966 e reencarnado por Emilio Dantas em 2020, é um homem movido pela paixão.
“A paixão é o sentimento maior que Deus inventou. A paixão é o Himalaia de Deus”, diz Paulo ao se ver apaixonado pela amante do seu sogro no episódio intitulado “Elisa”.
Mais que a transbordante jovialidade, há traços quase infantis no comportamento do protagonista.
Dantas sublinha essa característica de forma um pouco mais evidente que Paulo José, mas a sua interpretação é nitidamente uma homenagem, também, ao ator que viveu o personagem originalmente.
Além dele, outros três atores se saem muito bem acompanhando a saga de Paulo por todos os episódios —Martha Nowill como a amiga Laura, Matheus Nachtergaele como Cabral e Sophie Charlotte no papel de Maria Alice, a musa do protagonista, interpretada por Leila Diniz no filme.
O texto faz justiça ao humor de Domingos Oliveira, muitas vezes comparado a Woody Allen. Rápido, elegante, surpreendente. “Sou casada”, diz uma mulher desejada pelo protagonista. “Nem parece”, ele responde.
No que parece ser um aceno ao cineasta americano, um personagem diz: “Existem três tipos de angústia. A que resiste ao primeiro uísque, a que resiste ao segundo uísque e a que resiste ao terceiro uísque, que é a minha”.
Outro destaque é a trilha sonora elegante. Cada episódio traz uma cantora diferente (Alcione, Rita Lee, Elis, Cassia Eller, Marisa Monte, Céu, Ana Canãs, Nara, Elza Soares e Bethânia) interpretando músicas relacionadas aos temas em cena.
Furtado conta que acalentou por mais de dez anos a ideia de filmar histórias de Domingos. O dramaturgo deu sinal verde ao projeto de adaptação de “Todas as Mulheres do Mundo”, mas morreu antes da conclusão do trabalho.
“O universo, a sabedoria e o humor dele estão muito bem representados na série”, assegura Furtado, acrescentando o ponto que acho essencial: “a série vai fazer muito bem ao Brasil”.
Não é a primeira vez que o diretor de “O Homem que Copiava”, “Meu Tio Matou um Cara” e “Saneamento Básico”, entre outros filmes, acerta a mão em programas de televisão.
Só nesta década, Furtado esteve envolvido diretamente na criação, para a Globo, de “Mister Brau”, de 2015, a primeira série da emissora com dois protagonistas negros, vividos por Lázaro Ramos e Taís Araújo, e “Sob Pressão”, de 2017, o melhor drama médico já feito no Brasil, com Julio Andrade e Marjorie Estiano.
Furtado é alguém que entende muito bem a natureza da televisão, mas não faz qualquer negócio pela audiência.