quinta-feira, 6 de junho de 2024

Era uma vez... Antonio Carlos Augusto Gama (in APMP)

 

Assim começam os contos de fadas ou histórias para crianças (serão mesmo apenas para crianças?) de antigamente.

 

Nessa expressão tão singela quanto engenhosa se encerra toda a força mágica da fantasia e da imaginação, que nos transportam de imediato para qualquer tempo ou local em que se passa a narrativa.

 

No fim, outra frase tradicional — E viveram felizes para sempre… — projeta que a vida dos personagens continua para além do que foi contado. Na verdade, suas vidas começam onde acaba o que foi contado.

 

Lembra-me, a propósito, o episódio do sujeito que se atrasou e chegou esbaforido na igreja, onde deu com o padre se preparando para sair.

 

— Puxa vida! O casamento do Fulano já acabou?

 

 — Não, apenas começou, respondeu-lhe o sábio pároco.

 

Sempre tento imaginar o que terá acontecido ou estará acontecendo com certos personagens inolvidáveis, que me parecem apenas ter partido para um lugar distante, incerto e não sabido, como alguns amigos que nos somem na poeira ou na curva da estrada, tal qual o vagabundo de Chaplin. Quando menos se espera, podem reaparecer.

 

Robert Walser, escritor suíço de língua alemã, lido e admirado por contemporâneos notáveis como Robert Musil, Thomas Mann, Hermann Hesse e, sobretudo, Franz Kafka, que se dizia decisivamente influenciado por ele, é uma figura inquietante, cuja vida e obra se equilibram na tênue linha da lucidez e do delírio. Sofria surtos depressivos e foi diagnosticado como esquizofrênico, como a mãe e o irmão. Dizia a respeito dos seus personagens, que se confundem com ele: “E, se não morreram, então hoje ainda vivem.”

 

Brás Cubas ─ que repentinamente se tornou best seller graças ao TikTok ─ é um defunto autor, que escreve suas memórias póstumas e as dedica “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver”.

 

Mas não teria ainda o que contar sobre a existência além-túmulo, que tanto nos intriga nesta vida de aquém-túmulo? Ou será mesmo que o resto é silêncio?

 

O velho Casmurro, que deixou de lado a jurisprudência, filosofia, política e também a “História dos Subúrbios” para tomar da pena e contar dos tempos idos e das inquietas sombras de uns olhos de ressaca, revela secamente quase no final do livro, de passagem, ao falar sobre o breve encontro com o filho dele e de Capitu (?): “A mãe — creio que ainda não disse que estava morta e enterrada. Estava; lá repousa na velha Suíça.” Pouco adiante, sabe-se pelo rapaz que a mãe “Morreu bonita.”

 

Mas como e o quê teria Capitu vivido depois da separação e até que morresse?

 

A narrativa se fecha com o homem amargo em que se transformou o maravilhado menino Bentinho lançando-se na empreitada da “História dos Subúrbios”. Se ele não morreu, então hoje ainda vive (como ainda vivem em nós os que morreram).

 

Paul Auster, falecido recentemente, reflete agudamente sobre os limites e sortilégios da ficção literária no seu romance “Viagens no scriptorium”, contando sobre um velho desmemoriado, preso num pequeno quarto, onde é vigiado o tempo todo por meio de inúmeras câmeras e microfones. Ele apenas sabe vagamente que teve um papel decisivo na vida de muitas pessoas.

 

Descortina-se enfim que o velho ─ sugestivamente chamado Blank ─ é ou foi um escritor, e se acha encarcerado por obra de seus personagens:

 

“Quando é que vai acabar este absurdo?

Não vai acabar nunca. Porque Blank é um de nós agora, e, por mais que se debata, tentando entender sua sorte, estará sempre no escuro. Creio que falo por todos os seus pupilos quando digo que ele está tendo o que merece ─ nem mais nem menos. Não como forma de punição, e sim como um ato de suprema justiça e compaixão. Sem ele, não somos nada, mas o paradoxo é que nós, fantasias de outra mente, sobreviveremos à mente que nos fez, porque, uma vez atirados no mundo, continuamos a existir para sempre, e nossas histórias prosseguem sendo contados, mesmo depois que morremos.”

 

 

Antonio Carlos Augusto Gama

Promotor de Justiça, aposentado

Pablo Marçal diz que foi à Câmara colocar 'pressão' sobre caso Janones; veja vídeo, FSP

 

BRASÍLIA

O coach Pablo Marçal (PRTB) afirmou que foi à Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (5) "colocar pressão" sobre o Conselho de Ética, que analisou a suspeita de rachadinha envolvendo o deputado André Janones (Avante-MG).

O objetivo principal do político, porém, foi gravar imagens e rivalizar com Guilherme Boulos (PSOL-SP), autor do parecer favorável a Janones.

Boulos e Marçal são pré-candidatos à Prefeitura de São Paulo.

"Esculhambaram com o Bolsonaro por causa de suposta rachadinha e [aqui] tem rachadinha comprovada. E Guilherme Boulos deu parecer para não cassar, com todas as provas. Ou seja, Guilherme quer ser prefeito de São Paulo passando pano em rachadinha comprovada?", disse Marçal.

O Conselho arquivou o caso por 12 votos a 5.

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Marçal não é deputado federal, mas recebeu autorização do presidente do Conselho de Ética, Leur Lomanto (União-BA), para entrar na sala e se sentar em espaço reservado a parlamentares.

De acordo com o último Datafolha, Boulos tem 24% das intenções de voto e Marçal, 9%.

Marçal e Boulos chegaram a bater boca durante a sessão após o deputado do PSOL afirmar que a tropa bolsonarista levou para a sessão até um "coach picareta" e que era para ele não vender sua candidatura ao prefeito Ricardo Nunes (MDB) —com até 9% nas pesquisas de intenção de votos, a candidatura de Marçal é vista como um obstáculo ao prefeito paulistano por dividir o eleitorado de direita.

Marçal é formado em direito e se apresenta nas redes sociais como investidor, empresário e escritor —só no Instagram ele tem mais de 10 milhões de seguidores. Conhecido por ser palestrante motivacional e coach, não é a primeira vez que ele tenta entrar na política.

Em maio de 2022, ele se lançou pré-candidato à Presidência da República pelo Pros, bancado pela antiga direção do partido, mas seu pleito não foi adiante após troca do comando na legenda.

Ele acabou se lançando deputado federal e sendo eleito, com 243 mil votos, mas o TSE indeferiu sua candidatura por considerar que os atos praticados pela então direção do Pros eram inválidos.

Com a decisão, o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), que foi considerado eleito e depois perdeu a cadeira para Marçal por causa da retotalização dos votos, foi reeleito. Hoje ele é ministro no governo Lula.

Paris ainda e sempre - O incêndio na Notre-Dame, FSP

 Notre-Dame, como ninguém ignora, pegou fogo, no dia 15 abril de 2019, pouco antes das sete da noite. O incêndio, que durou 15 horas, destruiu a armação, o teto da nave e a flecha. Com o desabamento da flecha –que pesava 500 toneladas–, uma parte da abóboda ruiu. Só se conseguiu evitar a destruição completa do edifício porque os bombeiros foram imediatamente acionados.

Pouco antes de meia-noite, naquele dia, Macron foi à televisão e prometeu a reconstrução em cinco anos. Graças à ação de 600 bombeiros, no dia seguinte, às dez da manhã, o fogo estava apagado. Houve então um conselho de ministros e uma convocação nacional para doações –mais de 800 milhões de euros foram coletados em alguns dias.

A flecha desaba durante o incêndio em 2019 - Geoffroy van der Hasselt/AFP

Paris não existe sem Notre–Dame, cuja construção começou na Idade Média e levou dois séculos. Além de ser um monumento emblemático da cidade, a catedral é a sede da arquiodiocese, dedicada à Virgem Maria.

A fim de coordenar o trabalho de reconstrução, Macron escolheu um oficial do Exército. Mil artesões de alto nível foram contratados (entalhadores de pedra, restauradores de pintura e escultura, mestres vidreiros). Por outro lado, eles resolveram limpar o edifício inteiro, inclusive o órgão, apesar de ser necessário desmontar e montar 8.000 tubos, um a um.

Restauração de pintura na catedral, em abril de 2024 - Mathilde Bellenger/AFP

Quatro anos depois do incêndio, Macron visitou o canteiro e subiu até o cimo da flecha para anunciar a reabertura da catedral em dezembro de 2024. Um momento histórico, pois todos duvidavam que a promessa dele pudesse ser cumprida. Será. Também porque na França a palavra dada tem valor. Sem esse valor a civilização não existe.