quinta-feira, 6 de junho de 2024

A rua do Triunfo e o esplendor da pornochanchada, Vicente Vilardaga, FSP

 Vicente Vilardaga

SÃO PAULO

A rua do Triunfo, na região chamada de Boca do Lixo, próxima da estação da Luz, é uma das vias de fluxo da cracolândia, mas já foi um importante polo de produção cinematográfica no Brasil. De lá, entre meados dos anos 1960 e a década de 1980, saíram centenas de filmes, desde pornochanchadas, até longas-metragens de terror e obras experimentais.

Era ali o epicentro paulista do chamado cinema marginal ou cinema de invenção, que se desenvolveu entre 1968 e 1973 e se associava à contracultura. Fazia oposição ao Cinema Novo e se rebelava contra o regime ditatorial com filmes de alto teor sexual e violência explícita e também com fortes críticas sociais e políticas.

Frame de Histórias que Nosso Cinema (Não) Contavam
Arlete Moreira no filme "Amadas e Violentadas", de 1975: pornochanchada foi sucesso de mercado - Reprodução

Produzidas com poucos recursos essas obras alcançavam resultados brilhantes, como no filme "A Margem", de Ozualdo Candeias ou em "O Bandido da Luz Vermelha", de Rogério Sganzerla, no qual o anti-herói diz a frase emblemática da chamada estética do lixo: "Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha"

Pela rua do Triunfo, especificamente pelo bar e restaurante Soberano, recentemente reformado e reinaugurado no número 155, circulavam produtores, diretores, atores e profissionais técnicos de cinema, que discutiam as novas produções e se misturavam à população de prostitutas, cafetões e desalojados do bairro.

O Bandido da Luz Vermelha
Cartaz do filme O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla, que decora o bar Soberano - Vicente Vilardaga

A rua era um lugar de ruptura e fervilhava de ideias sobre cinema e projetos de filmes quase sempre com parcos recursos. Nela se praticava a liberdade intelectual e se tentava conciliar o experimentalismo com soluções de mercado, como foram as pornochanchadas.

Andavam pela região todos os cineastas que trabalhavam em São Paulo, como José Mojica Marins, o Zé do Caixão, Ozualdo Candeias, que homenageou o local com o curta-metragem chamado "Uma rua chamada Triunfo", Andrea Tonacci, Walter Hugo KhouriCarlos Reichenbach, Ody Fraga, Roberto Mauro, Fauzi Mansur, Jean Garret, José Miziara e Silvio de Abreu, entre outros realizadores. Vários cineastas que faziam filmes autorais nos anos 60 dirigiram pornochanchadas nos 70.

Zé do Caixão
O universo da Boca do Lixo: exposição "Além, Muito Além de Zé do Caixão" no bar Soberano - Vicente Vilardaga

Apesar de, às vezes, ser alvo de preconceito, a pornochanchada foi um sucesso mercadológico e sustentou o negócio na Boca do Lixo. Entre as 25 maiores bilheterias entre 1970 e 1975, nove foram desse gênero. Em São Paulo se produziram obras como "A Virgem e o Machão", "Escrava do Desejo", "A Filha de Calígula", "O Analista de Taras Deliciosas", "O Cafetão" e "Desejo Proibido".

As produções da rua do Triunfo dominaram o cinema nacional nos macabros anos da ditadura, sendo responsáveis por quase metade dos filmes produzidos no país na década de 70. Construíram também um "star system" brasileiro no qual se destacavam atrizes como Nicole Puzzi, Matilde Mastrangi, Helena Ramos, Zilda Mayo, Adele Fátima e Selma Egrei. Entre os atores, o nome mais destacado foi David Cardoso, que também era produtor e diretor.

Edifício Soberano
Fachada do edifício Soberano onde se concentravam as produtoras de cinema da região - Vicente Vilardaga

O principal endereço da rua era o número 134, o edifício Soberano, com dez andares. No primeiro andar ficava a produtora e distribuidora Cinedistri, de Oswaldo Massaini, que ainda hoje funciona no mesmo local. No segundo andar estava instalada a Fama Filmes e no terceiro, a Distribuidora Ômega e a Paramount.

Mais produtoras ocupavam o edifício como a Imperial Filmes, a locadora Nacional Cinematográfica e a Screen Gems Columbia Pictures, que depois tornou-se Columbia Fox. No nono andar estavam a Herbert Richers, a rede exibidora São Luiz e a Price Distribuição de Filmes.

Outro prédio importante no mesmo quarteirão era o de número 150, onde estava a Luna Filmes e a Servicine, de Alfredo Palácios e Antonio Galante, que, juntos com Massaini , se destacaram pela grande quantidade e variedade de filmes realizados.

Diante da grande efervescência produtiva, a região ganhou o apelido de "Hollywood Paulistana", embora as produtoras cinematográficas, os cineastas e os atores locais tivessem que lidar com condições muito desfavoráveis se comparadas às da Hollywood americana. O cinema da Boca do Lixo, porém, teve uma história gloriosa.


Ruy Castro Literatura no xilindró, Ruy Castro FSP

 É uma vocação perdida num ermo do Judiciário. Reportagem de Josmar Jozino no UOL (30/5) contou a história do policial civil Alan Douglas Silva, da Delegacia Seccional de Presidente Prudente (SP), que há dias lavrou um ousado B.O. em prosa poética. O delito era simples: um ladrão arrombou uma casa, levando uma lavadora de alta pressão, uma tampa de tanque de combustível, 20 litros de gasolina e outros tantos de etanol.

"Na mansidão do silêncio noturno", ele escreveu, "permeada pela penumbra que abraça os segredos da calada madrugada, o vilão de nossa trama, qual sombra furtiva, penetrou na propriedade. Neste ato de profanação, destemido e sorrateiro, desfez a barreira da intimidade alheia e arrebatou os objetos que figuram na relação dos despojos. Na ausência de sentinelas visuais, as câmaras de monitoramento permaneceram omissas, incapazes de registrar os passos furtivos do agente do mal.

"Deixou sua marca indelével, tal o rastro de uma serpente que insinua sua presença. Sobre o lamento do silêncio, testemunhas não surgiram para narrar o ato infame. Ao sabor do destino, este registro serve como crônica dos eventos que se desenrolam na quietude da noite. E assim, como pluma ao vento, se finda o relato, aguardando a justiça como derradeira sentença, na esperança de que a luz da verdade dissipe as trevas que encobrem este capítulo indesejado da existência da vítima."

Louvo o esforço do policial Alan. Só lamento o seu estilo passadista, fora de moda. Ele precisa se atualizar. Se conhecesse Oswald de Andrade, por exemplo, teria escrito: "Só me interessa o que não é meu. A lavadora. A tampa do tanque. 20 litros de etanol. A gasolina é a prova dos nove. Cleptofagia".

Ou, se tivesse lido Guimarães Rosa, sairia: "Totudo. O senhor mire e veja. O diabo não existe. É o que eu digo, se for. Existe é o tanque de combustível, Deus esteja. Há-de-o".

O escritor mineiro Guimarães Rosa durante a boiada de 1952 - Eugênio Silva/Museu Casa Guimarães Rosa

Tribunal derruba liminar e volta a permitir que governo Lula importe arroz, FSP

 O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) suspendeu liminar do juiz federal Bruno Risch, da 4ª Vara Federal de Porto Alegre (RS), que tinha barrado leilão para a compra de arroz importado.

Com isso, o governo Lula, por meio da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), pode seguir com o procedimento para garantir a compra. O certame está previsto para a manhã desta quinta-feira (6).

Plantação de arroz em Mostardas (RS) - Sílvio Ávila - 11.mar.2024/AFP

Risch afirmava não haver "indicativo de perigo concreto de desabastecimento de arroz no mercado interno ocasionado pelas enchentes do Rio Grande do Sul, mas apenas um apontamento de dificuldade temporária no escoamento da produção local".

O presidente do TRF-4, Fernando Quadros da Silva, no entanto, suspendeu a liminar por entender que "restaram demonstrados os riscos de grave lesão aos bens juridicamente protegidos pela legislação" e "grave lesão à ordem público-administrativa", ambos causados pela decisão de primeiro grau.

O presidente da corte afirma que os motivos que levaram o governo a decidir pela importação de arroz "são existentes e juridicamente adequados" à situação enfrentada no Rio Grande do Sul, grande produtor do cereal.

"A tragédia climática pela qual está passando o estado gaúcho não tem precedentes na história nacional e ainda está sendo vivenciada, sendo que a grande maioria dos municípios foram afetados de alguma maneira, em maior ou menor proporção, conforme vem sendo amplamente divulgado na mídia", afirma o magistrado.

"Não há, neste momento, como se ter uma estimativa concreta dos estragos a serem reparados, no entanto, por óbvio, tais prejuízos afetam todos os setores, com evidente repercussão negativa na área agrícola do estado, sobretudo considerando a perda de lavouras e de outras atividades afetas ao setor, bem como as dificuldades de transporte do produto", completa o presidente do TRF-4.

O pedido de suspensão de liminar foi apresentado pela União, que sustentou que "o adequado abastecimento alimentar é condição básica para garantir a tranquilidade social, a ordem pública e o processo de desenvolvimento econômico-social".

O ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, afirma que a importação de arroz não é uma novidade no país. A Conab, empresa pública responsável pelo leilão, está vinculada à sua pasta.

"O governo de Jair Bolsonaro importou 200 mil toneladas de arroz e nada se falou. Estava havendo agora uma politização indevida em torno de uma medida necessária em um momento de necessidade. O preço do arroz, fundamental na nutrição do brasileiro, aumentou. E é preciso garantir o seu abastecimento", diz o ministro.

Com o leilão, o governo diz querer mitigar os impactos das enchentes no Rio Grande do Sul e evitar a escassez e a inflação do arroz.

O estado gaúcho normalmente produz cerca de 70% da safra do cereal do país. Ainda que a colheita já estivesse em estágio avançado antes das inundações, com mais de 80% da área colhida, há preocupações com especulações, mesmo que produtores gaúchos tenham afirmado que a oferta será suficiente para atender a demanda nacional.

A decisão do governo de autorizar a compra causou incômodo entre produtores nacionais, levando a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) a questionar o tema no STF (Supremo Tribunal Federal). A entidade demandou explicações sobre a medida, vista como um equívoco de diagnóstico.

Segundo a CNA, a importação tem potencial de desestruturar a cadeia produtiva ao criar instabilidade de preços, prejudicar produtores locais, desconsiderar grãos já colhidos e armazenados e, ainda, comprometer as economias de produtores rurais que hoje já sofrem com a tragédia e com os impactos das enchentes.

com BIANKA VIEIRA, KARINA MATIAS MANOELLA SMITH