sábado, 21 de janeiro de 2023

Como aumentar a oferta de gás natural e incentivar seu consumo, Adriano Pires, OESP

Começou um novo ano e um novo governo. Como em todo início de governo sempre vale colocar desafios e sugestões para reflexão das novas autoridades do setor de energia. Vamos neste artigo nos deter ao gás natural. Para promover a abertura com crescimento do mercado de gás no Brasil temos dois desafios. O primeiro é reduzir a reinjeção no pré-sal, que hoje chega a quase 70 milhões de m³/dia e com isso aumentar a oferta de gás natural nacional. Nunca é demais lembrar que hoje somos importadores de gás e tão reféns como a Europa. O segundo é incentivar através de políticas públicas a construção de infraestruturas como gasodutos de escoamento, de transporte e Unidades de Processamento de Gás Natural (UPGNs). Feito isso, como incentivar o aumento do consumo do gás natural? Criando âncoras de consumo como térmicas, plantas de fertilizantes, indústria química, promovendo a interiorização do gás e estimulando um processo de integração entre a energia elétrica e o gás natural por meio de térmicas inflexíveis com leilões locacionais. São as térmicas a gás que vão garantir a nossa confiabilidade energética, ajudando a expandir com segurança as fontes renováveis como a eólica e a solar.

Um outro ponto de atenção para o novo governo é entender que existe uma grande sinergia entre o setor de energia e o agronegócio, e uma fonte de energia que se beneficiaria dessa integração é o biogás. Temos um pré-sal caipira que, junto com o aumento da produção doméstica de gás natural, nos dará um instrumento que vai garantir a nossa segurança energética e alimentar, podendo fomentar a produção nacional de fertilizantes. Um dos principais ensinamentos da guerra Ucrânia x Rússia foi mostrar que segurança alimentar e de energia andam juntas. Além do mais, a interiorização do gás natural significará uma política de preservação de recursos hídricos que possibilitarão atender aos usos múltiplos da água, em particular, irrigação.

Brasil é um importador de gás e tão refém como a Europa
Brasil é um importador de gás e tão refém como a Europa Foto: Michael Sohn/Reuters

Com o objetivo de acelerar a produção de biogás, o governo federal, juntamente com os Estados, deveria elaborar um Atlas de Potencial de Biogás no território brasileiro, como foi feito com a energia eólica e solar. O biogás vai ajudar a descarbonizar o agronegócio e aumentar a geração de energia renovável não intermitente.

Por fim, o gás natural e o biometano têm um papel fundamental no segmento de transporte, ajudando a reduzir o consumo de diesel importado. Para isso, é preciso fomentar o estabelecimento de corredores sustentáveis azuis (gás natural) e verdes (biometano) no território nacional e desenvolver incentivos, como diferenciais tributários, para conversão de frota de veículos pesados a diesel via kits de instalação de cilindros de gás natural, gás natural liquefeito e/ou biometano. Ficam as sugestões. 

Inverno quente na Europa e verão chuvoso no Brasil trouxeram queda nos preços da energia, Adriano Pires, OESP

 O inverno quente na Europa e o verão muito chuvoso no Brasil trouxeram queda nos preços da energia. Dessa vez a natureza ajudou e Deus foi europeu e brasileiro.

Na Europa, os preços do gás caíram para níveis vistos pela última vez antes do início da guerra Rússia/Ucrânia. Os preços do gás na Europa foram reduzidos em quase 48%, já sendo negociados a US$ 74/MWh, ou seja, aproximadamente onde estavam em fevereiro de 2022, antes do início da guerra. Os preços estão quase 80% abaixo da alta histórica de agosto/22, de US$ 346/MWh.

Nos Estados Unidos o preço no Henry Hub já caiu 50%, para US$ 3,68/MBTU, o que significa a volta aos níveis vistos pela última vez em dezembro de 2021.

Dessa vez a natureza ajudou e Deus foi europeu e brasileiro
Dessa vez a natureza ajudou e Deus foi europeu e brasileiro Foto: Marcelo Min

Nesse momento não há mais o pânico da Europa ser forçada a racionar o gás durante o inverno. Entretanto, é bom chamar a atenção que, mesmo diante desse cenário, as residências e as empresas na Europa não devem esperar uma redução imediata nas contas de luz. Os preços do gás ainda são quatro vezes mais altos em comparação com a média da última década. E uma recuperação na demanda da China com o fim da política de “covid zero” poderá elevar novamente os preços do gás.

No Brasil os reservatórios das hidrelétricas alcançaram 80% de capacidade no fim de abril e a previsão é que, devido ao atual regime de chuvas, os reservatórios deverão terminar 2024 em nível superior ao de 2020, mesmo com um crescimento econômico em 2023 e 2024. Ou seja, cenários de crise hídrica estariam, a princípio, afastados nos próximos dois anos. Com isso é bem provável que não teremos problema de oferta de energia no atual mandato do presidente Lula da Silva. Afinal as hidrelétricas ainda respondem por algo como 65% da geração de energia no Brasil e houve, também, um crescimento de outras fontes renováveis.

Dessa vez a natureza ajudou, mas tanto o Brasil como o mundo precisam de uma política energética em que a oferta e, consequentemente, os preços da energia, fiquem menos reféns das mudanças climáticas. O caminho é construir uma matriz energética, a mais diversificada possível, usando as vantagens comparativas dos países e das regiões como produtores de energia. A nova política precisa ter como pilares a preocupação com o meio ambiente, sem esquecer de garantir a confiabilidade do abastecimento de energia. No futuro não teremos uma energia dominante como foram o carvão no século 19 e o petróleo no 20, mas não poderemos prescindir de nenhuma fonte primária, já que a demanda continuará crescendo. Se reduzirmos a oferta de energia teremos uma transição energética com preços altos, trazendo inflação e comprometendo o crescimento econômico e mesmo a segurança alimentar. No Brasil o nosso desafio será atrair investimentos usando a vantagem da diversidade de fontes primárias de energia. O novo governo tem de estar atento a essa oportunidade única.

Tarsila do Amaral na intimidade: de 4 casamentos frustrados à adesão ao espiritismo com Chico Xavier, Ubiratan Brasil - OESP

 São como as duas faces opostas de uma moeda: de um lado, a moça de família abastada, estudante de colégio tradicional e autora de pinturas que figuram hoje entre as principais da arte latino-americana; de outra, a mulher que enfrentou quatro casamentos frustrados, somou poucos amigos sinceros e, ignorada pela crítica de seu tempo, foi obrigada a vender quadros por encomenda até o final da vida. “Foi uma pessoa muito doce, com um eterno sorriso nos lábios, mas que sofreu com a intolerância de uma sociedade que vivia de aparências”, comenta a historiadora Mary Del Priore sobre a artista plástica Tarsila do Amaral (1886-1973), tema de seu mais recente livro Tarsila: Uma Vida Doce-Amarga, recém-lançado pela Editora José Olympio.

Trata-se de um pequeno volume que destaca momentos menos conhecidos da trajetória de Tarsila, uma das mais importantes artistas brasileiras, conhecida por pinturas, cuja estética se confunde com uma representação do Brasil - a paisagem, a gente, as festas, o trabalho e os costumes - e por ter se notabilizado por quadros icônicos, como Abaporu. “Apesar de ser um dos nomes mais aclamados na história da arte brasileira, Tarsila teve uma vida íntima pouco conhecida, período em que ela não conseguiu se inserir nos papéis designados para ela”, observa Mary.

O quadro "Auto Retrato", de 1923, de Tarsila do Amaral
O quadro "Auto Retrato", de 1923, de Tarsila do Amaral 

De fato, nascida em Capivari (SP) em uma família conservadora e com boas condições financeiras, ela foi preparada para seguir o tradicional caminho das moças destinadas ao casamento, estudando em um colégio de moças (o respeitado Sion) e preparando o enxoval com peças compradas em Paris. “Graças ao pai, Tarsila recebe as primeiras noções de artes plásticas, que vão encaminhá-la para a pintura, mas é no final do estudo que ela vai sofrer a primeira decepção amorosa.”

Mary se refere ao casamento arrumado pela família com o primo André, que durou apenas um ano. “Sempre foi um mistério o motivo da dissolução dessa união e só depois que terminei o texto é que descobri a razão, depois de uma conversa com a escritora Maria Adelaide Amaral: ele fugiu com a cunhada”, observa Mary, que fez uma minuciosa pesquisa para não deixar nenhum fio solto. “Consultei mais de 20 jornais da época, a maioria do Rio, no acervo da Biblioteca Nacional.”

ÁUDIO.

O livro, aliás, foi uma encomenda da plataforma sueca Storytel, que oferece conteúdos em áudio. Assim, Tarsila: Uma Vida Doce-Amarga pode também ser ouvido na narração da atriz Helga Baêta - a “leitura” do livro dura 2h52.

Encantados com o material, editores da José Olympio propuseram a publicação do texto em livro. “Trata-se exatamente do mesmo conteúdo do audiolivro”, conta Mary, que se interessou pela série de superações enfrentadas por Tarsila. “Apesar de uma vida amarga, ela sempre manteve um sorriso.”

Retrato de Oswald de Andrade, pintado em 1922, por Tarsila do Amaral
Retrato de Oswald de Andrade, pintado em 1922, por Tarsila do Amaral 

Tarsila inicia sua carreira artística com quadros que retratavam seu bucólico ambiente rural. Depois de estudar com professores estrangeiros, ela é influenciada por vanguardas europeias, especialmente pelo cubismo, e cria um estilo próprio, explorando formas, temáticas e cores na busca por uma pintura de caráter tipicamente brasileiro. Em 1920, em Paris, teve os primeiros contatos com a arte moderna e a produção dos dadaístas e futuristas.

E, embora estivesse fora do Brasil quando aconteceu a Semana de Arte Moderna, em fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, Tarsila “descobriu o modernismo” em seu retorno e começou a pintar com cores mais ousadas e pinceladas mais marcadas, como se observa em A Negra e A Caipirinha, ambas telas de 1923. E a abordagem geométrica da iconografia brasileira origina a pintura Pau-Brasil (1924).

QUENTES.

A vida íntima, porém, ainda apresentava percalços. “Depois da separação do primeiro marido, Tarsila precisou enfrentar o moralismo da época que não aceitava uma mulher nessa condição social”, observa a historiadora. “Em 1923, ela conhece e se apaixona por Oswald de Andrade, uma relação cuja satisfação sexual é notabilizada nas cores quentes de um de seus autorretratos (que está reproduzido nesta página).”

Continua após a publicidade

É Oswald, aliás, que Tarsila presenteia com seu mais famoso quadro, Abaporu, em 1928 - e a pintura estimulou o escritor a fundar o movimento antropofágico e também a dar nome à obra, termo indígena para “o homem come”. “A derrocada financeira de Oswald, em 1929, também deteriora sua relação com Tarsila que, apesar de reconhecida atualmente, era na época vista como uma pintora menor, limitada a fazer decorativismo”, informa Mary.

'Abaporu' (1928): o maior ícone antropofágico está em Buenos Aires
'Abaporu' (1928): o maior ícone antropofágico está em Buenos Aires 

Em seguida, Tarsila se relacionou com o psicanalista Osório César, cuja simpatia pelo comunismo convenceu Tarsila a vender seus quadros e a viajar para a então União Soviética. “Ao voltar, ficaram presos por dois meses e a pintora sofreu com a intransigência do pai, que não fez nada para soltá-la”, afirma Mary, lembrando que tempos depois Tarsila procurou o médium Chico Xavier em busca de conforto espiritual - como forma de pagamento pelas consultas, oferecia suas pinturas.

“A menina do Sion renasce ali: Tarsila se reinventa na fé”, diz Mary, lamentando que um erro médico na cirurgia de coluna, em 1965, a deixou paralítica. “Mesmo assim, o sorriso não abandonava seu rosto.”