sábado, 21 de janeiro de 2023

O saque-aniversário do FGTS deve acabar? NÃO e SIM FSP

 

 Não - Juliana Inhasz

Economista com doutorado pela FEA-USP, é professora do Insper, onde coordena a graduação em economia

Em janeiro de 1967, o governo militar criava o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) em substituição à estabilidade trabalhista imposta até então pela CLT.

Desde sua instituição, o FGTS é questionado pelas distorções que causa no mercado de trabalho. Com a imposição do fundo, o trabalhador formal fica mais caro para o empregador, obrigado a depositar 8% do salário do celetista em uma conta individual. Isso resulta em salários mais achatados, uma vez que o empregador recalcula o quanto oferecerá ao trabalhador levando em consideração o gasto adicional.

O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, durante entrevista à Folha em seu gabinete, em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

Também há desincentivo à formalização: sendo informal, o trabalhador poderá receber parte do recurso que seria destinado à contribuição obrigatória.

Outra distorção diz respeito à gestão dos recursos. Apesar de o FGTS ser poupança compulsória do trabalhador, este não tem direito de decidir sua gestão, ficando a cargo da Caixa Econômica Federal pensar as melhores alocações. O resultado é uma rentabilidade, no geral, inferior a outras oportunidades factíveis.

QUANTO PODE SER SACADO:

Valor na conta do FGTSAlíquota que pode ser sacadaParcela adicional
Ate R$ 50050%-
De R$ 500 até R$ 1.00040%R$ 50
De R$ 1.000,01 até R$ 5.00030%R$ 150
De R$ 5.000,01 até R$ 10.00020%R$ 650
De R$ 10.000,01 até R$ 15.000015%R$ 1.150
De R$ 15.000,01 até R$ 20.00010%R$ 1.900
Acima de R$ 20.000,015%R$ 2.900

saque-aniversário, de 2020, deu ao trabalhador a possibilidade de sacar, uma vez ao ano, parte do seu saldo no FGTS caso abra mão de retiradas em momentos de demissão sem justa causa. Ainda que essa possibilidade não contorne as distorções mencionadas, esse dispositivo auxiliou no aumento da renda agregada desde então, gerando elevação de consumo, além de aumento no pagamento e negociação de dívidas, com impacto positivo, ainda que pequeno, nos resultados da atividade econômica.

Adicionalmente, o modelo permitiu que trabalhadores tivessem acesso à parte de sua renda investida no fundo, tendo a possibilidade de fazer sua própria gestão de patrimônio, arcando com riscos e benefícios. Elevou-se o retorno, com ganhos evidentes de eficiência alocativa.

A extinção do saque-aniversário, proposta pelo atual ministro do Trabalho, Luiz Marinho, pode gerar impacto negativo significante para a economia brasileira, além da perda de eficiência alocativa. Dados da Caixa mostram que quase 18 milhões de brasileiros aderiram ao formato, e a não continuidade do saque-aniversário faria com que um recurso importante deixasse de ser injetado mensalmente na economia, comprometendo a retomada da atividade econômica, já tão questionada.

Também representa um impacto importante a credores, que podem vivenciar redução do pagamento e amortização de dívidas, numa sociedade onde aproximadamente 70 milhões de pessoas apresentam restrições ao crédito. O governo também é impactado: reduções de consumo gerarão menores arrecadações, comprometendo os planos de recomposição de receitas.

Ainda que a extinção aconteça de forma progressiva e lenta, a ausência do saque-aniversário fará com que muitos brasileiros precisem repensar suas trajetórias de consumo e endividamento: alguns não pagarão dívidas que pretendiam pagar, outros terão que direcionar parte de seus gastos em consumo para a quitação de prestações. Num momento em que a taxa de juros permanece elevada e o crescimento econômico ainda é incerto, a extinção parece uma medida um tanto complicada de se compreender.

O FGTS é uma distorção difícil de se aceitar para muitos. Talvez devêssemos estar discutindo sua extinção, deixando claro à sociedade que esse recurso não é bondade do empregador, mas sim parte do salário do trabalhador confiada, de forma impositiva, ao governo. No entanto, dado que sua extinção não está em jogo, possibilitar que parte dessa distorção seja contornada via saque-aniversário parece muito melhor do que retirar do trabalhador a possibilidade de acesso, ainda que parcial, a esse recurso que é seu por direito. Dos males, o menor.


Sim  - Mario Avelino

Presidente do Instituto Fundo de Garantia do Trabalhador (IFGT)

Fundo de Garantia é uma poupança do trabalhador para um momento de necessidade e um fundo social para investimentos em habitação popular, saneamento básico e infraestrutura urbana. O principal beneficiado com esses investimentos é a população de baixa renda.

ministro do Trabalho, Luiz Marinho, divulgou que pretende acabar com o saque-aniversário do FGTS.

Apoio totalmente a proposta, pois o maior ganhador com o fim do saque-aniversário é o próprio trabalhador, pois muitos sacam sem real necessidade. Quando precisarem de fato do dinheiro no caso de demissão (desemprego), não poderão pegar o FGTS de imediato —além de ficarem com um saldo menor para outras modalidades de saque.

O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, durante entrevista à Folha em seu gabinete, em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

Desde a criação do saque-aniversário, 29 milhões de trabalhadores optaram pela modalidade, sacando R$ 33 bilhões entre 2020 e 2022 e retirando R$ 78 bilhões em empréstimo consignado, oferecendo o dispositivo como garantia —dinheiro este que faz falta para os investimentos sociais do fundo.

O único ponto positivo é quando o trabalhador saca para se livrar de uma dívida, já que está pagando juros absurdos aos bancos em cheque especial ou no cartão de crédito.

QUANTO PODE SER SACADO:

Valor na conta do FGTSAlíquota que pode ser sacadaParcela adicional
Ate R$ 50050%-
De R$ 500 até R$ 1.00040%R$ 50
De R$ 1.000,01 até R$ 5.00030%R$ 150
De R$ 5.000,01 até R$ 10.00020%R$ 650
De R$ 10.000,01 até R$ 15.000015%R$ 1.150
De R$ 15.000,01 até R$ 20.00010%R$ 1.900
Acima de R$ 20.000,015%R$ 2.900

Anualmente, o FGTS insere em média R$ 175 bilhões no mercado. Só em 2021, excluindo os R$ 12 bilhões do saque-aniversário, foram sacados R$ 107 bilhões em demissões sem justa causa, aposentadorias e saques para compra de imóvel, entre outros, além de R$ 65 bilhões em investimentos na área de habitação e saneamento básico e infraestrutura, o que movimenta a indústria de construção, o comércio e os serviços —e garante e gera mais empregos. Não haveria, portanto, a exigência do modelo para movimentar a economia.

Destaco também os pontos negativos. Durante esses anos, muitos trabalhadores sacaram seu dinheiro pelo saque-aniversário sem realmente precisar, utilizando-o como uma espécie de 14º salário. No futuro, se demitidos, eles poderão apenas sacar o valor da multa, já que o saldo do FGTS só poderá ser obtido se mudarem a modalidade de saque-aniversário para saque demissão —e ainda terão de esperar por dois anos.

Outros pontos negativos são: o trabalhador vai ter menos dinheiro para sacar. Na hora da real necessidade, supondo que tivesse R$ 30 mil de saldo e já tenha pego R$ 10 mil, então poderá sacar menos. Ele também perde na distribuição anual de lucros do fundo, porque este é calculado com base no saldo do ano anterior. Como já efetuou saques, terá menos dinheiro para render na distribuição de lucro.

Há, ainda, o empréstimo consignado, dando como garantia o dinheiro do FGTS. Apesar dos juros mais baixos, algumas instituições oferecem ao trabalhador o empréstimo consignado tendo como garantia o saque-aniversário. Se o trabalhador fez o empréstimo dando garantia de cinco anos e foi demitido logo depois, ele não poderá sacar o dinheiro, e parte dos valores já vai para a instituição financeira. Quem ganha é a instituição, que tem risco zero.

Se o saque-aniversário acabar, vale destacar o fim imediato da carência de dois anos, ou seja: se o trabalhador que fazia uso do dispositivo for demitido sem justa causa ou fizer acordo, poderá sacar de imediato o seu saldo do Fundo de Garantia. Outra questão é que, para os trabalhadores que já fizeram empréstimo consignado, é importante que os contratos com as instituições financeiras sejam honrados, ou seja, devem ser sacados das contas conforme as datas firmadas.