sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Colecionadores de armas perseguem comentarista de TV com avalanche de processos, FSP

 

Foram movidos pelo menos 67 processos em 35 cidades diferentes do país contra o economista Ricardo Sennes

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Um grupo formado por colecionadores de armas e caçadores promove uma perseguição judicial contra o economista Ricardo Sennes, comentarista da TV Cultura.

Foram movidos pelo menos 67 processos em 35 cidades diferentes do país, numa campanha orquestrada pelas redes sociais com o objetivo de obrigar o economista a gastar dinheiro com advogados e até mesmo a se deslocar, em plena pandemia, para participar de audiências em vários municípios.

O motivo da “avalanche judicial”, expressão utilizada pelos próprios colecionadores quando houve a convocação pela internet, foi um comentário de 10 segundos feito pelo economista no dia 24 de abril deste ano no “Jornal da Cultura”.

Ao tratar da notícia de que o presidente Jair Bolsonaro havia determinado a revogação de portarias do Exército que buscavam impor métodos mais severos de rastreabilidade e controle de armamentos, Sennes afirmou: “Ele [Bolsonaro] é um cara que o histórico era de relação com miliciano, com cara da área do armamento, que ele chama de colecionador. É traficante de arma, e as pessoas se assustam quando veem que ele tem esse tipo de comportamento.”

Protesto pró-armas na esplanada dos ministérios; apoiadores do governo Jair Bolsonaro e defensores de armas fazem ato pedindo a liberação do porte no Brasil (09/07/2020) - Pedro Ladeira/Folhapress

Considerando-se ofendidos pelo comentário, membros desse grupo passaram a solicitar que colecionadores de armas, atiradores e caçadores ajuizassem ações contra o economista exigindo o pagamento de indenizações.

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“Uma avalanche de ações pode ao menos gerar muitos contratempos e o autor dessa infeliz afirmação estará sendo penalizado de alguma forma”, afirmou um integrante na internet.

“Tendo de contratar defesa em tudo que é lugar, já vai dar despesa e incômodo”, disse outro.

O juiz Roberto Chiminazzo Júnior, de Campinas, que julgou um dos processos, afirmou que o economista é vítima de uma campanha de assédio judicial.

“A finalidade única desta ação era intimidar e causar despesas e incômodos", disse na sentença em que condenou o autor por litigância de má-fé (quando uma das partes age de modo desleal num processo). Ele terá de pagar uma indenização de R$ 1.500 ao comentarista da Cultura.

Para o juiz Daniel Borborema, de São Carlos, os colecionadores montaram uma estratégia coletiva desproporcional, “em que a vitória ou a derrota nos feitos é aspecto secundário”.

O objetivo real, disse o juiz, “é constranger o réu, retaliar e desgastá-lo financeira e emocionalmente”.

À Justiça um dos colecionadores de armas afirmou que não se pode dizer que as 67 pessoas que processaram o economista agiram de maneira ardilosa.

“Não seria possível que dentre os 67 requerentes exista ao menos um que realmente tenha sido prejudicado e tenha proposto a ação dotado de boa-fé?”

Segundo ele, “a conduta de má-fé de alguns acaba por desacreditar ações que têm realmente o intuito de reparar os danos causados à vida de colecionadores”.

Rogério Gentile

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha, editor de Cotidiano e da coluna Painel e repórter especial.

LAERTE FERNANDES (1937 - 2020) Mortes: Amou a palavra, o texto, a poesia e humanizou o jornalismo

 Patrícia Pasquini

SÃO PAULO

Laerte Fernandes nasceu com a alma de jornalista, dos mais elegantes. Tinha apreço pela palavra rebuscada e amor pelos textos.

Natural de São Sebastião (191 km de SP), era o mais velho de oito filhos. Laerte começou a escrever sua história na Folha, quando prestou um concurso para trabalhar na Redação.

Na época, na década de 1960, não havia completado o científico (atual ensino médio), o que fez após ingressar no jornal. Depois, cursou história e direito. Sempre se destacou por ser muito inteligente e estudioso.

Laerte Fernandes (1937-2020)
Laerte Fernandes (1937-2020) - Arquivo pessoal

Leitor dedicado, no sótão de sua casa, onde dormia, devorou duas vezes a obra completa de Machado de Assis. Quando desviava a atenção dos livros para uma janela, seus olhos encontravam Ilhabela (198 km de SP).

Nas entrelinhas, surgia o amor pelo poeta Fernando Pessoa. Sabia de cor “Tabacaria”. Gostava tanto que, mesmo na UTI e em coma, seu corpo reagiu ao ouvir a filha Claudia recitar o poema. “Ele começou a mexer o pé direito”, conta ela, que é psicodramatista e psicanalista.

Ele estava hospitalizado desde 24 de junho, por complicações de dois AVCs, e morreu no dia 18 de agosto, aos 83 anos.

Deixou marcas nos colegas pelos episódios de educação e humildade. Um homem afável e equilibrado, que resolvia as tensões e crises do dia com uma boa conversa.

Também era bem-humorado, irônico e tinha sempre uma piada pronta.

Após a Folha, passou pelo Jornal do Brasil e teve atuação notável no Grupo Estado. Primeiro, fez parte da equipe que fundou o Jornal da Tarde, onde atuou como secretário de Redação e editor-chefe. Depois, trabalhou no Estadão; lá coordenou a equipe dos correspondentes internacionais.

“As portas do jornalismo me foram abertas por um anjo da guarda”, diz Cesar Giobbi, que trabalhou 18 anos no JT e 14 no Estadão.

Giobbi foi contratado por Laerte Fernandes como estagiário. “Homem sorridente, Laerte era um apaziguador. Estava sempre numa nuvem de bom humor e calma. Ele carregava energia positiva no sorriso”, relata.

Em sua lembrança, fica o jeito fácil de tratar com as pessoas. “O Laerte lidava muito bem com iniciantes. Era agregador. Abraçava de forma especial. Com sua humildade, tinha a mágica de fazer a Redação funcionar em paz. Era o facilitador, e não o complicador.”

Para o jornalista Fernando Granato, 57, ele era um formador de profissionais. Amigo de João Paulo, um dos filhos de Laerte, Granato lembra que ele promovia reuniões em sua casa aos domingos para que os jovens pudessem trocar ideias com os ícones do jornalismo. “Ele foi importante para a minha formação, porque depois disso fiz jornalismo e trabalhamos juntos no Estadão, na década de 1990”, conta.

Laerte Fernandes era divorciado. Deixa os filhos Claudia, João Paulo e Letícia.