quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Mortes: Moderna e conectada, viveu com alegria e recordações, FSP

 Patrícia Pasquini

SÃO PAULO

O nome da paulistana Therezinha Elvira Luchetti vem da padroeira das missões, Santa Terezinha. É fruto de uma promessa feita pela sua mãe, Norma Callegari Galetto, que já havia perdido quatro bebês por doenças respiratórias.

No caso de Therezinha, se a esperança se transformasse em vida, ela seria batizada com o nome da santa.

A palavra missão fez todo sentido em sua vida, pois carregou a generosidade e o voluntariado ao longo da trajetória.

Therezinha Elvira Luchetti (1930-2020)
Therezinha Elvira Luchetti (1930-2020) - Arquivo pessoal

À frente de seu tempo, diferente das moças da época, optou por estudar ao invés de dedicar-se às tarefas do lar.

Prestou vestibular para engenharia na Universidade Presbiteriana Mackenzie e foi aprovada. Therezinha não terminou o curso. Abandonou os estudos para se casar e perdeu a chance de ser uma das primeiras mulheres a se formar na instituição.

Após o casamento, cursou pedagogia e virou professora de matemática em escolas da rede pública de São Paulo. Amou o ofício.

Generosa, comprava material escolar com o próprio dinheiro, montava kits e distribuía aos seus alunos.
O voluntariado foi uma missão.

Quando se aposentou, Therezinha se reunia com as amigas para fazer enxovais a mães carentes. “Ela fez isso por 50 anos, até o mês passado, mesmo com dor e restrições por conta do tratamento de saúde contra o câncer”, conta o filho, o jornalista José Roberto Luchetti, 51.

Therezinha gostava de relembrar dos tempos de juventude, quando os rios Tietê e Pinheiros eram limpos e navegáveis.

Sentia orgulho do avô italiano, Giovanni Victorio Callegari. Marceneiro e escultor, ele produziu os bancos da igreja da Consolação (centro).

Atual e conectada à modernidade, Therezinha tinha conta em todas as redes sociais, exceto no Twitter. Sua alegria em viver era contagiante. Ela adorava se reunir com a família e os amigos, e viajar.

Aos 80 anos, morou cerca de quatro meses em Gubbio, na Itália, para estudar o idioma. Em março deste ano, quando completou 90 anos, viajou à Argentina de navio com a filha Célia Regina Luchetti, 62.

“Não quero acabar a vida fazendo checkup, quero só fazer check-in”. Essa foi uma das últimas frases escritas por Therezinha no Facebook, lembra o filho, o jornalista Alberto Luchetti, 67.

Therezinha Elvira Luchetti morreu dia 9 de agosto, de câncer. Viúva, deixa três filhos, seis netos e nove bisnetos.

Helio Beltrão A negociação de Guedes, FSP

 Salim Mattar e Paulo Uebel voltam para as trincheiras, fora do governo. Essa saída é sintomática dos desafios das negociações para colocar o Brasil nos trilhos no pós-pandemia, a partir de 2021. Mas Paulo Guedes segue negociando.

Em negociação há dois conceitos fundamentais: Zopa, que significa a “zona de um possível acordo”, e Batna, ou qual é sua “melhor alternativa caso não chegue ao acordo em questão”. E uma regra de ouro: nunca abra seu preço, ou seu resultado planejado.

Guedes desapegou de seu Batna e se acomodou com o sistema desde a reforma da Previdência, o que é preocupante. Mas nos últimos dias enxergou a Zopa de uma agenda liberal retomada.

O que está em jogo é a prosperidade econômica, cada vez mais dependente da trajetória das contas públicas, cujo rombo foi de inimagináveis R$ 820 bilhões nos últimos 12 meses (11% do PIB).

Apenas de janeiro a julho, a dívida bruta do governo geral aumentou dez pontos percentuais, para cerca de 86% do PIB, e seguirá subindo até aproximadamente 100%, segundo estimativas.

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Na primeira rodada de negociações para 2021, Paulo Guedes vem perdendo terreno fiscal e está sendo continuamente espremido entre as paredes móveis de um barulhento compactador orçamentário.

Solitário dentro do compactador, as quatro paredes são arrochadas por: a) funcionários públicos da ativa; b) funcionários públicos aposentados; c) políticos, ministros e o presidente em busca de mais verbas; e d) devotos da pirâmide da Previdência.

A cada dia as paredes tomam recursos do restante do Orçamento, os programas sociais e as despesas de educação, saúde, segurança pública, saneamento, que Guedes tenta salvaguardar.

Something’s gotta give. Ou Guedes contém as paredes ou os programas sociais e as despesas que deseja garantir diminuirão a cada semestre.

Ao contrário de uma negociação voluntária, situação na qual ambas as partes ganham, na negociação política vigora a lógica da ação coletiva, dos benefícios concentrados e custos difusos, prevista por Mancur Olson.

A minoria de interesses concentrados, os arrochadores, tende a garantir seus privilégios externalizando os custos para a maioria difusa: cada um de nós.

Nesse sentido, os arrochadores se articulam em uma trama: garantir os seus recebimentos explodindo o compactador e seu teto e enviando a conta para o pagador de impostos.

Até a debandada, Guedes vinha adotando uma estratégia negocial perdedora.

Envolvido e distraído pelos veteranos da máquina pública obcecada por controle e sabotadora do avanço, a) perdeu o timing das privatizações, enterradas depois da chegada do centrão ao governo; b) deixou de promover a abertura comercial a despeito do câmbio favorável; e c) não convenceu o presidente a enviar a reforma administrativa, que moderniza a gestão do setor público.

Para piorar, concedeu protagonismo à Receita Federal na proposta da CBS, que aumenta a carga tributária. Isso lhe custou as estrelas Salim e Uebel.

Mas, nos últimos dias, Guedes se mostrou o único negociador político alinhado com os interesses da população. Está liderando a coordenação política junto ao presidente, aos ministros e ao Congresso para garantir o teto de gastos e os gatilhos que o garantem, em especial, os 25% de redução de salários e jornada. E retomou a PEC do Pacto Federativo e a quebra do “software” orçamentário, o DDD: desvincular e desindexar as despesas obrigatórias do Orçamento.

Paradoxalmente, essa é também uma agenda que assegura os interesses das “paredes”, pois, confrontado entre essas e as despesas essenciais, o Congresso ficará com o povo.

Nosso fraquíssimo Batna é apertar um botão em 2022, portanto ainda compensa apoiar Guedes. Mas o sistema e os políticos não vão dar sopa.

Helio Beltrão

Engenheiro com especialização em finanças e MBA na universidade Columbia, é presidente do instituto Mises Brasil.