domingo, 20 de janeiro de 2019

Urbanização dá fôlego para China crescer por 30 anos, FSP

Aumento da produtividade compensa riscos de desaceleração e envelhecimento

XANGAI
O início de 2019 promete ser turbulento para a economia chinesa. Mas a grande esperança é que 2016 não se repita. Nesse ano, a preocupação com o colapso da segunda maior economia do mundo levou as Bolsas mundiais a desabar, o petróleo a cair a menos de US$ 30 e à desvalorização cambial na maioria dos países emergentes.
Um fato é inegável: a economia chinesa está desacelerando, embora ainda cresça muito acima da média mundial. 
O alvo do governo é para que cresça 6% em 2019, abaixo dos 6,5% esperados para 2018. O PIB (Produto Interno Bruto) do ano passado será divulgado nesta segunda (21). 
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Analistas temem que o crescimento seja na casa dos 5% —taxa que pode parecer muito alta para nós, já que a economia brasileira tem crescido a menos de 3% ao ano desde o início do Plano Real, mas é a menor desde 1990. 
A economia chinesa é dezenas de vezes maior do que na última vez em que o crescimento foi abaixo de 6%, mas 560 milhões do 1,4 bilhão de chineses vivem no campo, e o crescimento é básico para que a renda dos mais pobres cresça.
No momento em que um chinês migra da área rural para a cidade, sua produtividade triplica. Isso, por si só, garante um crescimento econômico de 2% a 3% ao ano. Cerca de 250 milhões de pessoas 
—mais que a população do Brasil— devem deixar o campo nos próximos 15 a 20 anos. 
A economia chinesa já cresceu muito, mas ainda tem muito espaço para avançar.
Hoje, o PIB por pessoa empregada na China é de menos de US$ 30 mil, enquanto nos EUA é de US$ 115 mil. Isso significa que um trabalhador chinês é, grosso modo, 25% tão produtivo quanto um americano.
Com todos os avanços tecnológicos na China, podemos imaginar que um trabalhador chinês possa ter 60% da produtividade americana antes de o país bater nos limites de produtividade.
Se fizermos hipóteses conservadoras, com a economia chinesa crescendo a 5,5% ao ano e a americana a 2,5%, a produtividade chinesa chegará à barreira de 60% em 2048. 
Ou seja, a economia chinesa pode crescer 30 anos sem crises —e não será estranho.
Colheita de trigo em Beigaoli; 250 milhões devem deixar o campo em até 20 anos - Liang Zidong - 21.dez.18/Xinhua
Mas o fato de a economia ainda estar longe de bater no limite de produtividade não quer dizer que não haja riscos. 
Em dezembro de 2018, pela primeira vez desde o susto de 2016, indicadores de confiança de investimentos da indústria foram abaixo de 50 —o que indica possível contração. 
O único índice que se mantém acima desse nível é o de produção esperada e atividade de negócios. Ou seja, as empresas esperam aumentar a produção, mas pode ser que não aumentem o investimento —um sinal de cautela.
Embora a indústria possa desacelerar, o país passa por uma grande transformação, deixando de ser somente a grande fábrica do mundo para se tornar cada vez mais uma economia de serviços.
Em 2016, pela primeira vez desde o início do processo de industrialização, o setor de serviços passou a responder por mais da metade do PIB do país (além de 40% do emprego e 80% dos lucros corporativos). Com o aumento da urbanização, algo visto com bons olhos por políticos chineses, a tendência deve continuar. 
A título de comparação, serviços respondem por 63% do PIB no Brasil, 66% na União Europeia e 77% nos EUA.
As vendas ao consumidor crescem por volta de 8% ao ano, acima do crescimento do PIB (embora a venda de carros caia). Ademais, a queda dos indicadores de confiança da indústria é, em parte, contrabalançada pelo setor de serviços, que continua a mostrar robusta expansão. 
Os imóveis, não obstante a incerteza da economia, dão sinais de recuperação, com preços nas cidades de porte médio crescendo acima dos das maiores cidades, onde os valores já são bem altos. O preço por metro quadrado em Xangai é comparável ao de Nova York.
No ano passado, os imóveis ficaram mais caros em 63 das 70 maiores cidades e em 11 das 15 principais capitais.
No campo das finanças públicas, o déficit público chinês está sob controle e foi de cerca de 2,5% do PIB em 2018. Como há um medo de desaceleração, o governo deve aumentar seus gastos, com o déficit primário subindo para algo entre 2,6% e 3% em 2019. 
Mas a dívida pública é de menos de 50% do PIB e o país tem US$ 3 trilhões em reservas internacionais. 
O país conta com controles de capitais para conter a volatilidade cambial. No passado, o país tinha câmbio fixo, mas hoje o regime é de bandas cambiais, com a entrada líquida de moeda estrangeira afetando a taxa de câmbio. As autoridades monetárias, em 2015, tiveram que ceder a um ataque especulativo. Chegaram a vender quase US$ 1 trilhão em reservas antes de ceder, desvalorizando o câmbio.
Hoje, mesmo com a guerra comercial, ainda mantém elevados saldos comerciais, embora no primeiro trimestre de 2018 o saldo tenha ficado negativo pela primeira vez desde 2013 —efeito, em parte, do Ano-Novo Chinês, quando as fábricas fecham e dão férias.
O fato é que, nos últimos 40 anos, desde o início das reformas, a China saltou de um país pobre, com 88% da população em extrema pobreza, para classe média alta.
Há obstáculos, como o endividamento das empresas estatais, a guerra comercial com os EUA, a queda nas expectativas da indústria e outros. Mas nunca na história da humanidade uma sociedade conseguiu tanto em tão pouco tempo, tirando da pobreza mais de 1 bilhão de pessoas (e contando). 
O lema de Deng Xiaoping, pai das reformas de mercado e que morreu em 1997, ainda é o grande motor da economia: “Enriquecer é glorioso”.
Véspera dos 40 anos do início das reformas de Deng Xiaoping na cidade de Shenzhen, - 17.dez.18/AFP

TRABALHADOR ESCRAVO

Ainda temos na cabeça a ideia do trabalhador chinês ganhando muito pouco, quase como um escravo que trabalharia até a exaustão por salários minúsculos. Essa visão está errada, por dois motivos.
Em primeiro lugar, o país atingiu o pico do número de trabalhadores. A população chinesa não deve passar muito de 1,4 bilhão de pessoas. Em 20 anos, deve ser menor do que hoje. 
O importante: a população, já com idade mediana de 37 anos (ou seja, 700 milhões de pessoas têm mais idade que isso), vai envelhecer sobremaneira. A idade mediana deve ir para 47, com redução de 90 milhões de trabalhadores nas próximas duas décadas, segundo o Banco Mundial. 
Em segundo lugar, o salário mínimo tem aumentado bem acima da inflação —que é bem baixa, de cerca de 2% ao ano. 
Na China não há salário mínimo nacional, e em 2018 mais da metade das 31 províncias aumentou o salário. 
A variação regional é grande. Em Pequim, o salário mínimo é de 2.120 yuans (cerca de R$ 1.100), enquanto em Anhui, uma província pobre, ele é de 1.150 yuans (R$ 632). 
Em Xangai, onde moro, vi de perto o processo de melhoria de vida ao longo dos dez anos que vou ao país. Em 2009, um corte de cabelos custava 15 yuans (R$ 8). Hoje, não sai por menos de 42 yuans (R$ 23). 
Grande parte do aumento foi direto para a conta dos trabalhadores —assim como no Brasil, é comum que patrões chineses reclamem dos aumentos constantes de salário. 
Claro que ganhar salário mínimo, como em qualquer lugar, não faz de ninguém na China classe média, e quem ganha pouco corta um dobrado, mas também não dá para dizer que as pessoas são semiescravas.
Em outra frente, o país tem avançado tecnologicamente. O processo de industrialização é como uma escada, na qual cada degrau significa produzir menos produtos pouco sofisticados e mais bens tecnologicamente superiores. 
A China já investe quase 50% do montante investido nos EUA em pesquisa e desenvolvimento. O plano do governo é de aumentar esse investimento dos atuais 2,2% do PIB para mais de 2,5% já em 2020. 
O país já é colíder mundial em inteligência artificial e no chamado machine learning —aprendizado de máquinas, uma forma de aplicar a inteligência artificial. 
Muito da produção de bens de baixa qualidade já se mudou para Bangladesh, Camboja e outros países.
Outra característica importante: o trabalhador chinês é bastante sofisticado, tendo acesso a uma gama de produtos com os quais a maioria dos brasileiros nem sonharia. O Taobao, da Alibaba, por exemplo, tem cerca de 800 milhões de produtos a venda. 
A Alibaba, em 2018, vendeu produtos para mais de 600 milhões de chineses. As vendas são de mais de US$ 1 trilhão por ano e cresceram 20% em 2018. A cada 10 compras online no mundo, 4 são na China.
Isso permite que muitas pessoas se tornem microempreendedoras e consumidores busquem o melhor preço em qualquer lugar do país. Assim, o salário vai mais longe.

Negócios de família, o mito, Vinícius Torres Freire, FSP

Bolsonaro começa com um peso morto moral nas costas e deve ser mais tutelado

Nenhum governo brasileiro desce a ladeira até cair no buraco da deposição por causa de escândalos. Cai por causa de uma conjunção de má política com aversão social extensa. Corrupções são pretexto legal de derrubadas. Novidade é pensar como um governo pode subir a ladeira com um cadáver moral nas costas.
O governo de Jair Bolsonaro terá de começar a escalada carregando o corpo estropiado do herói do combate à corrupção, que “mitou” na campanha eleitoral. Não é impossível. Mas, a fim de se equilibrar, o presidente terá de rever os pilares do seu poder. Tende a mudar a relevância de militares, Paulo Guedes, Sergio Moro e do Congresso.
Quem sabe o filho senador explique esses depósitos pingados em sua conta na agência bancária da mui corrupta Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Mais importante, talvez se venha a saber que, mesmo inexplicáveis, os dinheiros não tenham contaminado outros Bolsonaro. Enquanto não se souber, o governo vai dar uma fraquejada. Vai ser mais tutelado.
Os militares já demonstravam contrariedade com a intromissão frequente e desordenada dos filhos do capitão em reuniões de ministério, em encontros no Planalto e na diplomacia. Não foi possível apurar o que pensavam do filho senador, amigo do assessor, motorista e “fazedor de rolos” Fabrício Queiroz. 
Entre outras tutelas já evidentes, os militares vão pedir ao presidente que sacrifique o convívio familiar público-privado em nome do convívio com o restante do país, ao menos até a poeira baixar.
Quando vai baixar? Além dos problemas de contabilidade privada, Bolsonaro terá de dar logo um destino às contas públicas, fazer reformas etc. Os ventos da economia andando mais rápido talvez possam varrer o odor de falta de santidade.
Para tanto, Bolsonaro dependerá ainda mais do sucesso do ministro Paulo Guedes (Economia), que dependerá mais do Congresso, que de súbito ficou mais independente, dados os rolos de Queiroz e Bolsonaro 01. Grandes predadores e qualquer criatura esperta do Parlamento se animam com presa ferida nas cercanias. Antes, seria sábio fazer política. Agora, será feia necessidade.
O ministro Sergio Moro (Justiça) vinha se desviando das minas explosivas do governo, esses ministros com capivara, com ficha corrida. Agora, uma bomba estoura fora do Planalto, mas bem perto da rampa do palácio. Moro vai fingir que não viu?
Caso não se manifeste, mesmo que de modo prudente e sagaz, vai se apequenar. Por outro lado, não pode implodir o governo, derrubar o avião que levaria sua carreira a alturas supremas. De qualquer modo, a revolução moral de Moro começa meio prejudicada.
Muitos governos começam em desordem, embora Bolsonaro tenha caprichado no disparate, em particular no núcleo “Arquivos X” (Itamaraty, Educação, Direitos Humanos) e com a cegueira causada por revanchismo e outros comportamentos ignaros. 
Não dá certo essa gente de má catadura e maus modos agindo como se estivesse em guerra com tantos compatriotas. Isto posto, note-se que o tumulto do cotidiano faz a gente perder a perspectiva ou esquecer da história.
O primeiro ano de Lula 1, 2003, foi de desarranjo no governo e de estagnação econômica, 2004 teve algum tumulto social, 2005 teve mensalão e ainda no início de 2006 havia desânimo com o crescimento do PIB. Para o bem ou para o mal, deu no que deu. Mas o conflituoso e agressivo Fernando Collor acabou apenas mal.
Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).