sábado, 8 de setembro de 2018

Esforço mínimo, FSP


As raras aparições de deputados e senadores em Brasília nos últimos meses são demonstrações dispensáveis do escrachado casuísmo parlamentar. Com 93% dos legisladores na disputa por um cargo público nestas eleições, os dias de esforço concentrado simulam alguma atividade legislativa em meio ao apagão do Congresso. Um esforço mínimo, com repercussões lesivas.
Em campanha pela reeleição, o senador cearense Eunício Oliveira(MDB), que é presidente da Casa, conseguiu aprovar em votação simbólica um projeto que garante empréstimo internacional para um município do seu estado. A proposta tramitou no “fast track” da conveniência eleitoral do parlamentar, liberando US$ 80 milhões para Caucaia — região metropolitana de Fortaleza. Um mar de votos em meio aos 364 mil habitantes do local.
“Com esses investimentos, a administração do município de Caucaia, comandada pelo competente prefeito (aliado) Naumi (Amorim), terá agora condições de fazer investimentos no município”, disse o senador. O feito foi para as redes sociais do candidato.
Eunício Oliveira (MDB-CE), presidente do Senado, durante sessão no Congresso em julho deste ano
Eunício Oliveira (MDB-CE), presidente do Senado, durante sessão no Congresso em julho deste ano - Pedro Ladeira - 11.jul.18/Folhapress
A Câmara votou nesta semana um novo texto para a medida provisória das regras para renegociação de dívidas da agricultura familiar. A iniciativa enviada pelo Palácio do Planalto ao Legislativo foi ampliada, e o impacto fiscal, mais que triplicado. Pelas contas da equipe econômica, a versão-bomba criada pelos deputados terá um custo de R$ 5,3 bilhões para a viúva. A tendência, caso os senadores mantenham as mudanças, é recomendação de veto pelo Ministério da Fazenda.
Subsídios financeiros e renúncias tributárias consumiram entre 2003 e 2016 R$ 3,5 trilhões do governo federal, segundo estudo da Fazenda. O novo presidente da República abrirá mão no seu primeiro ano de mandato de mais de R$ 300 bilhões. Gambiarras produzidas no susto por um Congresso voluntarioso e oportunista agravam esse quadro.
Redimensionar esses benefícios requer esforço diligente.
Julianna Sofia
Jornalista, secretária de Redação da Sucursal de Brasília.

Não fui eu, Hélio Schwartsman, FSP

Nos últimos dias, li talvez meia dúzia de artigos que sugeriam que somos todos responsáveis pela tragédia com o Museu Nacional. Alguns autores foram bastante diretos, como meu amigo Jairo Marques, outros se cercaram de circunlóquios, mas também acabavam fazendo apelo a uma noção algo abstrata de culpa coletiva. Discordo de todos.
Não sou nem me sinto responsável nem pelo incêndio nem pelas péssimas condições de segurança do prédio. Minha obrigação como cidadão, que é a de pagar corretamente os tributos devidos, eu cumpro. Até fui milimetricamente além do dever estrito ao utilizar repetidas vezes minha voz na imprensa para apoiar a ciência e a cultura em geral.
Não vejo, porém, por que eu precisaria visitar assiduamente museus brasileiros ou militar contra uma suposta indiferença da população para com a coisa pública antes de cobrar das autoridades que deem conta de suas incumbências, que incluem zelar pelo patrimônio que administram, precaver-se contra riscos muito óbvios e, num plano um pouco mais geral, evitar desastres econômicos autoinfligidos.
É claro que, num sentido meio metafísico, podemos afirmar que somos todos responsáveis pelo lamentável estado da política nacional. Nossos representantes, afinal, não vieram de Marte, mas foram eleitos pelo povo. Só que também isso é relativo e comporta individualizações. Eu, por exemplo, nunca dei voto nominal a nenhum desses parlamentares mais picaretas que abundam no Congresso Nacional. Não sou nem me sinto responsável pelo centrão.
O perigo que vejo nesse discurso que coletiviza a culpa é que ele acaba escondendo e diluindo as responsabilidades individuais. Na verdade, precisamos é fazer cada vez mais com que cada um, das mais altas autoridades aos mais humildes cidadãos, assuma os ônus e os bônus de suas ações e escolhas. É o que os americanos chamam de “accountability”. É a melhor vacina contra a tragédia dos comuns.

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

SUS SALVA BOLSONARO POR R$ 367,06, Piaui


Pago pelo sistema público brasileiro, cirurgião de veias e artérias de Juiz de Fora é tirado de almoço de família para achar e conter hemorragia no candidato

CONSUELO DIEGUEZ
07set2018_14h47
O candidato é transferido de Juiz de Fora para o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, nesta sexta-feira, 7 de setembro
O candidato é transferido de Juiz de Fora para o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, nesta sexta-feira, 7 de setembro REPRODUÇÃO/TV GLOBO
Antes do Einstein veio o SUS. Antes dos médicos de grife vieram os que recebem pela tabela do Sistema Único de Saúde. Foram eles que salvaram a vida de um Jair Bolsonaro esfaqueado e exangue. Esta é a história de um deles.

Por volta das 16 horas desta quinta-feira, o cirurgião vascular Paulo Gonçalves de Oliveira Junior participava de um almoço de família em Juiz de Fora quando seu celular tocou. Era um chamado da Santa Casa de Misericórdia da cidade para que fosse com urgência para o hospital: Bolsonaro havia sido esfaqueado e os médicos não conseguiam conter a hemorragia e nem identificar de onde vinha. O candidato a presidente pelo PSL chegara ao hospital com muita dor. Os médicos fizeram uma ultrassonografia e verificaram um hematoma na barriga, sem saber se era na parede na região epigástrica ou no fígado. Pelo quadro, resolveram iniciar imediatamente a cirurgia. Ao abrirem o abdômen, se depararam com um sangramento abundante e incontrolável. Chegaram a acreditar que o fígado havia sido atingido. Foi então que Oliveira Junior foi acionado, às pressas. O papel do cirurgião vascular seria tentar identificar onde era a hemorragia.

Quando o médico entrou na sala de cirurgia, encontrou um quadro dramático: Bolsonaro, por causa da perda de sangue, estava em choque. A pressão havia caído para 7 por 4, apesar de ter tomado um litro de soro. Com a lesão na veia do intestino, não havia nada que contivesse a hemorragia. Após exame em condições adversas, Oliveira Junior concluiu que a veia afetada fora a mesentérica, uma das mais importantes do intestino, além de um ramo dessa veia, chamada cólica média. Se a facada tivesse sido alguns centímetros acima, poderia ter atingido, segundo os médicos, a veia porta e, nesse caso, o risco de morte seria maior. Oliveira Junior imediatamente iniciou o processo de sutura das veias para conter o sangramento. O agravante é que havia uma grande lesão no cólon, o que poderia resultar em contaminação. A preocupação dos médicos era com o risco de infecção generalizada.

Os procedimentos de sutura deram resultado, e o quadro clínico do candidato se estabilizou. Na medicina o trabalho é sempre feito em equipe, e os outros cirurgiões, anestesistas e enfermeiros foram vitais. Mas, sem a intervenção do especialista em cirurgia de veias e artérias, provavelmente, a sucessão de eventos seria outra.

No começo da noite, Oliveira Junior mandou uma mensagem para um grupo de WhatsApp de cirurgiões vasculares amigos. Ali, ele agradece os cumprimentos dos colegas pelo trabalho e revela a tensão daquela cirurgia. “Meus amigos, muito obrigado pelos cumprimentos. Estou muito aliviado. Foi muito tenso. Quando cheguei, estava chocado, a lesão venosa estava destamponada, com muito sangue na cavidade tributária calibrosa da mesentérica superior. Talvez a cólica média junto a mesentérica superior. Lesão grande de cólon transverso com fezes livres na cavidade, quatro lesões de delgado, várias lesões linfáticas. Está estável e entubado no CTI da Santa Casa.”


Pelo procedimento, Oliveira Junior será remunerado pelo Sistema Único de Saúde em 367 reais e seis centavos, preço pago pelo sistema público por esse tipo de cirurgia – na tabela do SUS, aparece como “tratamento cirúrgico de lesões vasculares traumáticas do abdômen”. O hospital será remunerado em 1.090 reais e 80 centavos. 

Nesta sexta-feira pela manhã, o candidato foi transferido para o Albert Einstein, em São Paulo, hospital que rivaliza com o Sírio-Libanês a preferência dos políticos e de quem pode pagar pelos seus serviços. Bolsonaro passou a noite na Santa Casa de Juiz de Fora, monitorado pelos médicos que, até o início da noite, pela gravidade do quadro, entendiam que o candidato ainda corria risco de morte. Na madrugada, com a estabilização da pressão do paciente, foi dada autorização para a transferência para São Paulo.

Quando a cirurgia em Juiz de Fora terminou, os médicos que participaram do procedimento deram uma entrevista coletiva. Discreto, Oliveira Junior se manteve em silêncio e saiu antes do fim da coletiva. Para um amigo médico, ele explicou, no grupo de WhatsApp: “Infelizmente não tenho o dom da palavra e prefiro não comentar. Prova disso é que, na entrevista coletiva, entrei mudo e saí calado. Mas, o ocorrido foi o que postei no grupo do vascular.”

Oliveira Junior é descrito como bom profissional por colegas dos seminários médicos dos quais participa. Um deles disse que o cirurgião é uma pessoa “extremamente discreta”. No site Doctoralia, o médico é elogiado por dois pacientes pela pontualidade, atenção e instalações. Um dos comentários diz tratar-se de “um excelente médico! Muito competente. O melhor especialista em angiologia e cirurgia vascular e endovascular da região.” O site informa que o consultório fica no Centro de Juiz de Fora e que Oliveira Junior atende pacientes particulares (sem convênio) e Unimed. E sugere entrar em contato, para confirmar se atende o seu plano de saúde.

CONSUELO DIEGUEZ

Consuelo Dieguez, repórter da piauí desde 2007, é autora da coletânea de perfis Bilhões e Lágrimas, da Companhia das Letras