quinta-feira, 6 de setembro de 2018

A beleza e o caos, Mariliz Pereira Jorge, FSP

A beleza e o caos

Museu Nacional entrará na lista de tudo que vem desmoronando há tempos no Rio

Anotem o que vou dizer. Passada a comoção, o festival de acusações, o empurra-empurra de quem é culpado, o Museu Nacional vai cair no esquecimento e entrar na lista de tudo que vem desmoronando há tempos no Rio —e no Brasil. Com sorte, alguma coisa será feita, mas recuperar história queimada é gambiarra. O museu ao menos resistiu 200 anos, hoje o que se constrói pode não durar nem três meses.
Alguém se lembra da “ciclovia mais bonita do mundo”? Nesta quarta (5), passei por ela de carro, porque segue interditada desde que parte de sua estrutura desabou e matou duas pessoas, em abril de 2016. Nenhum dos indiciados está preso, pelo contrário, um deles virou presidente da RioUrbe, responsável entre outras coisas por realizar obras de creches e postos de saúde. O prefeito na época, Eduardo Paes, é candidato ao governo do estado. Custou R$ 44 milhões.
Outro monumento ao descaso é o Canecão, patrimônio cultural, a casa de espetáculos mais badalada da cidade durante mais de 40 anos. Coincidência ou não, também administrado pela UFRJ, foi fechado em 2010 depois de uma disputa judicial e segue apodrecendo. Não ter pegado fogo pelas condições em que se encontra é apenas sorte. A estimativa é que precise de R$ 50 milhões para voltar a funcionar.
Não se discute o que é mais ou menos importante, até porque a lista de esqueletos tem obras que nem ficaram prontas como o Museu da Imagem e do Som, do Rio. Mas esses são casos emblemáticos e mostram a indiferença com a história, com o dinheiro público, com vidas. Nos acostumamos a conviver com a beleza e o caos.
As ruínas se tornam parte da paisagem, assim como a pobreza, a sujeira, a violência. Aprendemos a desviar dos miseráveis, a ignorar a podridão das praias, a aceitar chacinas. Quem vai se importar com um museu quando o fogo da indignação apagar?
Espero estar errada.

O vazio da propaganda eleitoral mostra a alma do negócio, FSP


De Eduardo Suplicy, o político que costumava ter uma ideia mínima, agora sabemos que gosta de coar café. Mas tudo pode dar errado. “Nem sempre as coisas saem como queremos”, explica ele enquanto ajeita o filtro na garrafa térmica, no que parece mais um momento de autoajuda do que um pedido de voto. 
Se o café sair redondo, seria boa ideia servir uma xícara ao candidato que fez anúncio dizendo dormir apenas quatro horas por noite. “Adivinha quem é?”, questiona a propaganda. É João Doria, pois. Está aí um caso de dinheiro público sendo usado para enaltecer uma prática nociva à saúde de qualquer pessoa.
Os dois lideram as principais corridas eleitorais em SP, estado mais rico do país —Suplicy é candidato ao Senado pelo PT, e Doria, ao governo pelo PSDB. Não é preciso ir a nenhum rincão para encontrar propagandas cheias de falta do que falar.

Eduardo Suplicy (PT) prepara café em propaganda para o Senado
Eduardo Suplicy (PT) prepara café em propaganda para o Senado - Reprodução
O dinheiro encurtado para as campanhas deixou os candidatos ainda mais pelados. Os anúncios não dão mais conta de disfarçar a falta de conteúdo dos postulantes, numa brincadeira ainda bilionária e agora financiada quase inteiramente por dinheiro público (do fundo partidário e da renúncia fiscal para as emissoras).
O apagão de ideias é tão gritante que até o presidenciável com mais tempo na televisão e no rádio usou o copiar-e-colar. Geraldo Alckminlevou ao ar anúncios muito, digamos, inspirados em spots já mostrados nas TVs inglesa e brasileira.
PT, por sua vez, ainda não mostrou ideia nenhuma. Transformou os espaços que a lei eleitoral lhe concede em um reality show curitibano, destinado a repetir até cansar que a solução para tudo é colocar um preso no Planalto. Não é o caso de discutir o cálculo eleitoral; trata-se, isso sim, de desrespeito aberto com a população e a ordem jurídica.
João Amoêdo achou que a opção da metalinguagem seria uma boa: o que ele faz em sua propaganda é prometer acabar com a propaganda. Sem querer, talvez tenha tido uma ideia aproveitável.

Pobreza volta a crescer e já atinge 23,3 milhões no Brasil, FSP

O Brasil precisa libertar suas forças produtivas, e isso passa pelo enxugamento do Estado.
Não é só uma década perdida o que temos em perspectiva, com estagnação do crescimento econômico.
Há também um retrocesso inaceitável do ponto de vista do aumento da pobreza.
Entre o fim de 2014 e 2017, cresceu em 33% o total de pessoas vivendo com menos de R$ 233/mês no Brasil, segundo novos dados do Centro de Políticas Públicas da FGV Social.
Trata-se de um contingente de 23,3 milhões de pobres –número maior do que a população do Chile. O total de pobres, pelo critério dos R$ 233/mês, passou de 8,4% para 11,2%.
O que o tamanho do Estado tem a ver com isso?
Hoje, quase todos os recursos disponíveis pelos governos vão para despesas obrigatórias e crescentes, como funcionalismo e Previdência.
O incêndio do Museu Nacional no Rio é eloquente: 87% do orçamento da UFRJ, responsável pelo museu, foi gasto com pessoal no ano passado.
No Orçamento federal de 2019, verbas para gastos em investimentos e custeio, dentro de uma receita líquida total prevista de R$ 1,3 trilhão, somarão apenas R$ 98 bilhões (7,5%).
Esse dinheiro livre (para conservação de museus, por exemplo) diminui ano a ano e o Brasil só não travou de vez porque continuamos aumentando nossa carga tributária, que passou de 23,7% para 32,4% como proporção do PIB nos últimos 25 anos.
Agora o crescimento das despesas com servidores e Previdência revela-se insustentável, e o Brasil se endivida cada vez mais para pagar por isso: nossa dívida pública saltou 20 pontos em quatro anos, indo a 77% como proporção do PIB.
Os empresários não vão investir e contratar, gerando mais receitas em impostos, empregos e melhores salários, enquanto esse impasse não for resolvido.
Enquanto o Estado não voltar a caber com alguma folga no Orçamento, não haverá boas notícias nem no crescimento nem na diminuição da desigualdade.
Ou o Brasil se ajusta, com um sacrifício maior da máquina pública, ou teremos colapsos cada vez maiores, públicos e privados.
Fernando Canzian
Jornalista, autor de "Desastre Global - Um Ano na Pior Crise desde 1929". Vencedor de quatro prêmios Esso.