terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

'Biografia individual se faz na política, não no Judiciário', diz Nelson Jobim, \oesp

O ex-ministro e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Nelson Jobim afirmou, em entrevista ao Estado, haver “espetacularização” em certas condutas de integrantes da Operação Lava Jato, sem citar nomes. Entre as “arbitrariedades”, ele apontou a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em março de 2016 pela Polícia Federal, e a divulgação de áudios de conversas entre o petista e a presidente cassada Dilma Rousseff. “Você acha isso legítimo?”, questionou.


Nelson Jobim
 O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim 
Segundo Jobim, “tudo isso faz parte daquilo que hoje nós chamaríamos de ação-espetáculo”. Para ele, que foi ministro da Defesa dos governos Lula e Dilma, “o Judiciário não é ambiente para se fazer biografia individual. Biografia se faz em política”. 
Jobim é sócio do BTG Pactual, que, até novembro de 2015, era chefiado por André Esteves, que chegou a ser preso sob suspeita de obstruir a Justiça. Ao conceder entrevista ao Estado, o ex-ministro pediu para não falar sobre sua relação com o banco. Sobre a Corte que presidiu, ele considera que hoje desempenha papel de um Poder Moderador.
O foro privilegiado blinda agentes políticos?
Não se pode dizer que o foro especial seja um privilégio para a impunidade, senão você estaria dizendo que o Supremo julga a favor da impunidade. Hoje se faz um discurso imenso sobre o foro privilegiado, principalmente por parte do STF, porque a Corte acha que tem muito trabalho. Não é bem assim. Os ministros do Supremo não fazem a instrução, que é feita pelos juízes auxiliares. O que há é um aumento substancial de processos criminais, que cria uma situação de distorção e demora no Tribunal. 
Estudo da FGV mostra que apenas 1% dos réus é condenado.
Eu estive lá (no STF), eu sei como funciona. Essa pesquisa é meramente estatística. Ninguém examinou caso a caso para verificar a existência ou não de julgamento. Quando se fala que a condenação é menos de 1%, significa que tinha que condenar mais, independente do contexto. Cada processo é um processo independente. Isso (condenação) é muito bom para os outros, não para quem está ali dentro.
O sr. vê o STF mais politizado?
Não. O que ocorreu foi uma disfuncionalidade do processo político em termos dos entendimentos e soluções das controvérsias no âmbito político. Não se soluciona controvérsia no âmbito político sem recorrer ao Poder Judiciário. A Presidência da República, necessariamente, tem de ser um órgão moderador. Com os diversos movimentos sociais, sejam na área dos trabalhadores, dos empresários ou da politica, tu tens ene forças sociais e políticas e o presidente da República tem de ser o elemento não radicalizador. Os últimos governos foram radicalizadores e isso dá problema. A partir principalmente dos anos 2000, você começou a reduzir a capacidade do Congresso, da área política partidária de compor as suas divergências. E aí o que aconteceu? Passaram a eleger, digamos, o STF como órgão moderador da República. Quando se diz: ‘Ah, os juízes estão intervindo demais...’ Espera um pouquinho, estão intervindo demais porque eles são provocados para isso. Quem leva os processos? Em grande parte são os partidos políticos. O STF está fazendo a figura daquilo que foi no Império o imperador, e que foi na República o presidente da República. Você tem uma grande culpa do Supremo também porque quando se aprovou a cláusula de barreira (norma que restringe funcionamento parlamentar ao partido que não alcançar determinado porcentual de votos) houve uma decisão da Corte entendendo que aquilo fosse inconstitucional, porque proibia as minorias. O resultado dessa decisão está aí. Então não se pode atribuir culpa exclusiva aos políticos pelo fato de você ter uma plêiade de partidos. Houve uma decisão que permitiu isso.
Como avalia a interpretação de que hoje há mais interferência entre Poderes?
A Constituição de 1988 deu mais poder ao Judiciário. Mas é preciso não confundir ativismo judicial com voluntarismo. Quando há disfuncionalidade congressual, em que você não tem o processo decisório dentro do Congresso, se requer o uso da ambiguidade. No momento em que você faz uma norma ter vários sentidos, você como que elege o Poder que vai aplicar a lei, aquele que vai dar interpretação possível dentro do leque que a ambiguidade permite. Mas há também, digamos, uma tendência, um equívoco, em que alguns juízes acham que têm de fazer justiça e não aplicar a lei. Quem diz ‘não, eu não vou aplicar a lei porque o que julgo é ilícito’, de onde vem esse poder? Do concurso público que o transformou em juiz? Esa discussão do projeto das 10 medidas anticorrupção (projeto que está na Câmara a ser enviado para o Senado), que foi oferecido pelo Ministério Público, inclui posições de alguns promotores ridículas. Tinha absurdos completos em termos de atribuição de uma espécie de um poder sacerdotal para efeito investigatório.
A Lava Jato tem ferido os direitos das defesas, por exemplo?
Há exageros. Inclusive nas prisões que são feitas em Curitiba (sede da operação sob responsabilidade do juiz federal Sérgio Moro), em que as coisas vão se prolongando e resultam em delações. Outro exemplo, condução coercitiva. Ela só é admissível quando alguém se nega a ir em uma audiência em que foi previamente intimado. Mas não se admite que alguém que não foi convocado para depor seja levado coercitivamente para depor.
A do Lula foi arbitrária?
Sim, não tenha dúvida. Isso é muito bom quando você está de acordo com o fim, mas quando o fim for outro... O dia muda de figura quando acontece contigo. O que nós temos de deixar claro é essa coisa da exposição dos acusados. Vão pegar um sujeito em um apartamento e aparece gente com metralhadora, helicóptero. Tudo isso faz parte daquilo que hoje nós chamaríamos de ação-espetáculo, ou seja, a espetacularização de todas as condutas. O Judiciário não é ambiente para você fazer biografia individual. Biografia se faz em política. 
O sr. acredita em "desmonte" da Lava Jato?
Não, isso faz parte do discurso político. Evidente que quem está sendo perseguido vai querer fazer isso (desmontar), agora se afirmar que está acontecendo, é só discurso. Evidente que você tem de afastar a prática de violências de qualquer natureza. Nós não podemos pensar de que se algo foi malfeito, autoriza que seja mal feito também a forma de persegui-los.
Por exemplo?
A divulgação da gravação da presidente Dilma com Lula depois que havia encerrado o tempo de gravação, autorizado pelo próprio juiz que havia determinado a gravação. Você acha isso legítimo? Qual é a consequência disso? Esse episódio é seríssimo. Houve algum processo para verificar se houve algum abuso? Há um inquérito sobre isso? Que eu sabia, houve várias tentativas por parte dos interessados e que não aconteceu nada. Lembro bem que chegaram até a dizer: ‘Casos excepcionais requerem medidas excepcionais’. 
O sr. vai se relançar na politica?
Não, meu horizonte desapareceu. Olha, não se comprometa com o futuro. Não fui sondado. Estou fora de tudo. Qualquer coisa para (as eleições presidenciais de) 2018, tem de ter densidade eleitoral,  que é uma coisa que não se constrói dentro do tribunal. É bobagem. Toda pretensão que ministro do STF possa ter densidade eleitoral é bobagem.
Joaquim Barbosa?
Isso é para a classe média, que lê jornal. O grande eleitorado não se lembra de ministro.


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Mudanças em ferrovia histórica esbarram em construções do século 19, FSP


Mudanças em ferrovia histórica esbarram em construções do século 19

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Antigas construções do século 19, à beira de uma ferrovia centenária, viraram o centro do debate sobre uma mudança na estrada de ferro que leva ao porto de Paranaguá (PR), um dos principais destinos do agronegócio do país.
A concessionária Rumo, que administra a ferrovia, quer ampliar o raio de uma curva que, hoje, tem risco de descarrilamento e reduz a velocidade dos trens a 15 km/h.
A mudança, segundo a empresa, permitiria o uso de locomotivas mais modernas e triplicaria a capacidade de carga da ferrovia, aumentando sua competitividade.
O governo do Paraná apoia a mudança, que representaria um ganho logístico na exportação de grãos do Estado, mas exige uma compensação —já que a linha férrea, projetada por volta de 1870, é tombada pelo patrimônio histórico estadual desde 1986.
A estrada de 110 quilômetros de extensão, que venceu a serra do Mar com túneis e pontes impensáveis à época, foi finalizada em 1885, e alavancou a economia do Paraná por meio da exportação de erva-mate e madeira.
Hoje, é uma das principais vias de escoamento da safra de grãos do Sul e Centro-Oeste, e seu trem de passageiros, um dos destinos turísticos mais procurados do Estado.
A restauração de algumas construções antigas, entre estações e bases de apoio para engenheiros, foi sugerida pelo Conselho do Patrimônio Histórico do Paraná como condição para que a Rumo modificasse a curva. A maioria está fechada, e parte delas foi abandonada. Em algumas, só sobraram as paredes.
A empresa, porém, considera que as exigências "não têm relação direta com a obra". Em reunião, sugeriu, em lugar disso, a distribuição de folders sobre a importância da ferrovia.
Por ser tombado, o trajeto só pode ser alterado com a anuência do Conselho Estadual do Patrimônio. O licenciamento ambiental da obra está parado, aguardando a aprovação.
PRÓS E CONTRAS
A necessidade de alteração da ferrovia é unanimidade no setor logístico.
Por causa da sinuosidade, o trajeto pela serra do Mar dura até sete horas para os trens de carga. A maior parte da safra chega ao porto de Paranaguá por caminhões.
"O produtor quer alternativas", diz Murilo Noronha da Luz, coordenador de um grupo de trabalho sobre o corredor de exportação paranaense, na secretaria de Planejamento do Estado.
Para ele, a alteração na curva é relevante e bem-vinda, mas o grupo recomenda a construção de uma nova linha, mais moderna e com mais capacidade de carga.
"A urgência de mais capacidade na ferrovia é imediata. Mas o interesse histórico também deve ser levado em conta", diz o engenheiro.
"Essa ferrovia é um monumento; uma das sete maravilhas da engenharia brasileira", afirma o engenheiro Paulo Sidnei Ferraz, especialista em logística.
Para ele, a Rumo nunca se interessou em preservar as estações. "O negócio foi só faturar. Mas o custo [de restaurá-las] seria mínimo pelo retorno de imagem que daria."
A equipe técnica do Patrimônio Cultural do Paraná defende que a restauração das estações poderia viabilizar um espaço museológico da serra do Mar e da história da rede ferroviária.
A Rumo, em nota, destacou que está disposta a cumprir todas as compensações ambientais necessárias à mudança, mas voltou a destacar que as propostas do setor de patrimônio "não têm relação direta com a obra ou com a operação" da empresa.

Como sobreviver a Trump, Eliane Cantanhêde , OESP


Mercosul e Aliança do Pacífico se reúnem para discutir relação e escapar de Trump
Eliane Cantanhêde
28 Fevereiro 2017 | 03h00
José Serra sai do Itamaraty justamente num intenso momento da política externa. Dois movimentos empurram a América Latina para um realinhamento político e econômico, com uma chance de ouro para o Brasil recuperar o protagonismo perdido na região. De um lado, Donald Trump sacode blocos, certezas e bom senso com seu protecionismo extemporâneo. De outro, a Venezuela esfarela, arrastando junto o “bolivarianismo” de Hugo Chávez.
Como reação, os chanceleres do Mercosul e da Aliança do Pacífico vão discutir, possivelmente em abril, na bela Buenos Aires, não apenas uma trégua na concorrência, mas uma nova relação. O Mercosul original inclui Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. A Aliança do Pacífico, Chile, Colômbia, Peru e México. Objetivamente, vão discutir pontos de interesse comum. Subjetivamente, como escapulir das garras – e maluquices – de Trump.
Será, portanto, uma tentativa de reconstruir a unidade da região, desde o Norte até o Cone Sul, passando pelo estratégico grupo andino. Esse também era o sonho de Chávez ao lançar o “bolivarianismo”, mas, quanto mais falava em unidade, mais ele rachava a América Latina e atiçava a beligerância entre os “amigos” e os “inimigos” de Washington.
O Brasil, que tem peso político, econômico, territorial e populacional para mediar esse eterno dilema do “quintal dos EUA”, preferiu brincar de ideologia, omitir-se nos momentos graves, assistir de camarote à corrosão social da Venezuela, jogada nas mãos do inqualificável Nicolás Maduro. Deixou o circo pegar fogo, com Equador e Bolívia ao sabor dos desvarios venezuelanos e a Argentina fantasiada de “esquerda” (com o casal Kirchner só enriquecendo).
Enquanto isso, os pragmáticos Colômbia, Peru e Chile atravessaram longos períodos de estabilidade política e crescimento econômico e uniram-se numa frente que, menos do que ideologia, preocupa-se com seus interesses nacionais. Se a Venezuela olhava para o sul e neutralizou Brasil e Argentina, eles olharam para o norte e se aliaram ao México.
Tudo ia muito bem, não fosse a “debacle” venezuelana e o surgimento do fator Trump. As certezas se esvaem e as coisas mudam de figura, com um personagem central nas articulações, o México, vítima de uma eterna armadilha: a crucial dependência dos EUA. Quando os ventos que sopram do vizinho são amigáveis, é uma festa. Quando se tornam quentes ou gelados demais, um horror. Como agora.
Em 2009, em plena crise mundial gerada nos EUA, o então presidente Felipe Calderón veio ao Brasil e, em entrevista a mim e a Flávia Marreiro, apontou a excessiva dependência dos EUA (destino de 83% a 91% das suas exportações) como causa do desastre mexicano. Por isso, ele buscava a “diversificação” política, econômica e diplomática do México em direção à América do Sul. Mas a potência foi se recuperando e a tese, arrefecendo. Até que veio Trump, retirando os EUA do TPP, ameaçando a Aliança do Pacífico e criando um muro real entre os dois países. A “diversificação” volta com tudo.
Há um entrave, porém, nesse realinhamento da América Latina: a Odebrecht, que saiu por aí comprando empresas, governos e até presidentes, entre outros, na Argentina, Peru, Colômbia e, claro, Venezuela, como parte de uma audaciosa operação dos governos petistas e do BNDES para ter algo que o Brasil já teria naturalmente – liderança política.
Essa “desenvoltura” volta como bumerangue. Se foi o principal produto de exportação da força do Brasil, a Odebrecht é hoje o principal produto podre da diplomacia brasileira. E estará certamente pairando nos debates de Buenos Aires, aos quais Brasília se apresentará em parceria crescente com a Argentina, mas com um novo chanceler e um clima interno de instabilidade política.

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