domingo, 15 de novembro de 2015

Bengalada no bom senso - JOSÉ SERRA


O ESTADO DE S.PAULO - 12/11

Há seis meses apresentei no Senado um projeto de lei complementar sobre servidores públicos. Qualifiquei-o de projeto ganha-ganha, pois, se fosse aprovado, seriam beneficiados os servidores, o governo e o País no seu conjunto. Caso interessante para os estudiosos da teoria dos jogos.

Meu objetivo foi ampliar os efeitos da chamada “PEC da Bengala”, iniciativa do senador Pedro Simon que foi aprovada pelo Senado em 2006 e finalmente ratificada pela Câmara dos Deputados em maio de 2015. Em essência, essa emenda aumentou de 70 para 75 anos a idade para aposentadoria compulsória dos servidores públicos. Ela previu que a medida se aplicaria de imediato aos ministros do STF, dos tribunais superiores e do TCU. Para os demais servidores, sua aplicação se daria na forma de lei complementar, cuja aprovação exige maioria absoluta das duas Casas do Congresso.

A ideia de Simon foi correta. Por que obrigar um ministro do STF, altamente qualificado e experiente, a aposentar-se aos 70 anos? Se ele prefere continuar no tribunal, apesar da possibilidade de ganhar como aposentado o mesmo que no serviço ativo, que continue.

No mesmo dia da promulgação da emenda Simon, apresentei o projeto de lei complementar (PLS 274/2015-Complementar) acima referido prevendo o aumento da idade para aposentadoria compulsória para todos os servidores públicos, nos três níveis de governo (União, Estados e municípios) e nas três esferas de poder (Executivo, Legislativo e Judiciário). O relator, senador Lindbergh Farias (PT), defendeu o projeto nas comissões e no plenário, mantendo o texto intacto. A aprovação foi tranquila e o PLS seguiu para a Câmara, onde foi ratificado por 9/10 dos votos. Os deputados acrescentaram dois dispositivos aceitáveis, o Senado recebeu o projeto de volta, acolheu os acréscimos e o remeteu, então, à sanção da presidente da República.

Na exposição de motivos do projeto e nos debates que se seguiram, mostrei que o PLS 274 favoreceria os servidores públicos de duas formas. Primeiro, permitindo àqueles que, ao chegar aos 70 anos, não tivessem ainda completado os anos de serviço necessários à aposentadoria integral, pudessem avançar nessa direção. Segundo, permitindo que os servidores escolhessem entre se aposentar aos 70 anos ou continuar no exercício de suas funções até os 75. O desejo de continuar é frequente entre professores, pesquisadores, juízes, procuradores e várias outras categorias de profissionais do serviço público.

É evidente que o projeto beneficiaria, também duplamente, a administração governamental, pois reteria por cinco anos adicionais muitos servidores experientes, altamente qualificados, e permitiria economizar nas despesas com novos funcionários: segundo estimativas nossas, a economia seria de R$ 800 milhões a R$ 1,4 bilhão por ano ao longo dos próximos 55 anos. Isso somente no caso da União.

Só faltava, portanto, converter essa boa ideia em lei e correr para o abraço. Mas a presidente Dilma estragou a comemoração: segurou por um mês a sanção e, em vez de promovê-la, recorreu, na última hora, ao veto.

O veto presidencial alegou uma suposta apropriação pelo Legislativo de prerrogativas do Executivo, o único que poderia tomar iniciativa de leis sobre seu próprio quadro de funcionários. Um argumento beócio, pois 1) a partir da “PEC da Bengala” a aposentadoria aos 75 anos passou a fazer parte do sistema da Constituição; 2) o projeto de lei complementar, previsto pela PEC, em nada inovou, pois meramente estendeu aos demais servidores o que a Constituição já havia fixado; 3) o STF já havia reconhecido, em sessão administrativa de 7/10, que o PLS 274 não tinha vício formal, ou seja, de iniciativa; 4) finalmente, acredite se quiser: em 2014, a presidente Dilma sancionou sem vetos a Lei Complementar 144, iniciada no Congresso, que trata da aposentadoria do servidor policial.

É evidente que, dada a má qualidade do veto, ele deve ter tido outro motivo, não explicitado. Talvez fosse o argumento, também beócio, atribuído ao Ministério do Planejamento, de que o PLS 274 aumentaria as despesas do governo com a folha de salários. Temeram que durasse mais cinco anos o abono hoje oferecido a funcionários que já podem aposentar-se por tempo de serviço a fim de incentivar sua permanência.

Como consta do “pacote” fiscal apresentado em outubro, o governo pretende extinguir esse abono. Ora, ainda poderia fazê-lo mesmo que o PLS 274 tivesse sido sancionado, e não vetado. Ou, se fosse o caso, poderia ter solicitado a seus líderes no Congresso que fizessem emendas ao projeto durante sua tramitação. Nada mais comum: quando ocupei cargos no Executivo sempre acompanhei os projetos de interesse da minha área, procurando esclarecer e negociar soluções para eventuais divergências. Quase sempre deu certo.

Pode parecer surpreendente que a tramitação do PLS 274 tenha durado 142 dias e em nenhum momento o governo tenha criado qualquer óbice, sugerido qualquer ideia, por intermédio dos seus líderes no Congresso, como condição para a aprovação do projeto ou para que não exercesse o direito ao veto. Ao contrário, esses líderes, incluindo os petistas de carteirinha e de coração, apoiaram o PL274-Complementar em todas as suas etapas.

Convém esclarecer: só é “surpreendente” para quem não leva em conta uma das solenes e importantes antileis que norteiam o governo Dilma: “as facilidades devem ser transformadas em dificuldades; as soluções, em problemas; jamais perder a chance de dar um tiro no próprio pé”. A propósito, minha previsão é de que o veto será derrubado pelo Congresso até dezembro ou, no pior dos casos, no início do próximo ano.

Por fim, vai aqui uma hipótese psicológica simples para explicar o veto: a tentativa da presidente Dilma de mostrar que seu governo ainda existe ou que faz algo mais do que esforços frenéticos para evitar o impeachment. Além, é claro, da valentia épica (!) de derrubar, mesmo temporariamente, um projeto vindo da oposição que só faria bem a todos.


* JOSÉ SERRA É SENADOR (PSDB-SP)

O valor do vale - MÍRIAM LEITÃO


O GLOBO - 13/11

Quanto vale um vale? Sobre isso se discutirá nos próximos dias. A presidente Dilma ontem, na visita do sétimo dia, disse que a multa será de R$ 250 milhões para a Samarco. Mas quanto dessa multa vai para o Vale do Rio Doce? Normalmente as multas engordam contas paradas no governo. O Rio Doce pode estar sendo cimentado neste momento, explica um procurador.

Demorou uma semana para que o senso de urgência chegasse ao governo, e ontem, finalmente, a presidente Dilma visitou o local, mesmo assim há razoáveis dúvidas sobre a efetividade da ação governamental. Quando as empresas pagam as multas, como a que o governo aplicou na Samarco, o dinheiro fica lá parado. Ao todo o governo tem R$ 5 bilhões em multas por crimes ambientais e para as quais não há mais recurso. Ao todo, há R$ 30 bilhões. Aplicar multa na Samarco sem que o dinheiro vá para o Vale do Rio Doce é uma forma de iludir a opinião pública.

Há dois perigos imediatos rondando a região atingida pela tragédia em Mariana. A barragem do Fundão, a primeira que rompeu da mineradora Samarco, ainda tem uma parte de rejeitos retida. Só que a base que a segura tem risco de romper e aumentar a inundação de lama. Perigo maior: o rompimento das duas barragens erodiu um pedaço da base de uma terceira muito maior, a de Germano, que tem três vezes mais rejeitos do que a primeira. Se ela se romper será uma inundação ainda pior.

Inundação de que? O governo continua dizendo que a lama não é tóxica. Será? Mineradoras lidam com metais pesados. Mas há outro risco. Não se fala nisso abertamente porque ainda faltam comprovações, mas perto da barragem rompida há uma cava da Vale de extração de ouro. Se tiver havido mistura pode ter arsênico na composição da lama que agora escorre por todo o Vale.

Entrevistei ontem na GloboNews o procurador federal em Minas Gerais Adércio Leite Sampaio e ele contou que esses 50 milhões de metros cúbicos de lama podem cimentar o leito do Rio Doce. Alerta que tem sido feito pelos meus colegas do GLOBO de que a lama está destruindo a vida. Não é um perigo que está de passagem para o mar, é um risco continuado, ele permanece e se sedimenta no fundo do rio da maior bacia hidrográfica do Sudeste.

A presidente do Ibama, Marilene Ramos, que também entrevistei, disse que este é o maior desastre ambiental do Brasil e um dos maiores do mundo provocado por uma mineradora. Além das multas sobre a Samarco, será iniciada uma ação civil pública para responsabilizar a empresa e suas controladoras pelas ações de reparação.

Há danos reparáveis e irreparáveis. Sobre as vidas humanas perdidas, tudo o que se pode fazer é indenizar as famílias. Já suas casas destruídas precisam ser construídas em outro local, mas como a comunidade pediu: os moradores querem ficar juntos como estavam em Bento Rodrigues. A empresa, da Vale e da BHP, ao fazer a análise de risco ambiental havia registrado que Bento Rodrigues não estava na zona de influência da barragem. Imagina! Hoje o distrito não existe mais.

Aí reside outro problema. As mineradoras fazem elas mesmas o estudo de impacto ambiental e o governo sanciona. Elas se fiscalizam. Evidentemente sempre dizem que nada há de errado. Os discordantes podem apenas registrar sua desaprovação. Foi assim com a renovação da licença em 2013.

Mas tudo pode piorar. O novo Código de Mineração que tramita no Congresso aumenta a liberdade das mineradoras. Pelo artigo 109 do substitutivo de autoria do deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG) fica estabelecido que se houver potencial mineral numa região não será possível criar área de proteção ambiental. A mineração tem supremacia sobre tudo o mais.

Na opinião de Marilene Ramos, o Brasil deveria ter, como outros países, um fundo de mineração para reparar o estrago ambiental. As mineradoras são obrigadas por lei a compensar os impactos que causam, mas o que acontece quando uma empresa quebra ou entra em recuperação judicial, como a MMX? A presidente do Ibama acha que dificilmente a empresa de Eike Batista fará a compensação dos danos que causou. É preciso discutir a sério os riscos e custos da mineração. Mas o urgente agora é lutar para impedir a morte do Vale do Rio Doce. Seu valor é incalculável.

Prazo de validade - MÍRIAM LEITÃO


O GLOBO - 15/11

Ter um ministro da Fazenda enfraquecido pelos constantes ataques internos e por frequentes derrotas agrava a crise econômica. E é esse caminho que o governo e o PT escolheram. Lula, a sombra de Dilma, acha que Henrique Meirelles será a solução dos aflitivos problemas da economia brasileira. Ninguém tem o poder de sozinho tirar o país do buraco em que este governo o colocou.

O equívoco — mais um — do ex-presidente Lula é achar que ministro tem prazo de validade e que o de Joaquim Levy acabou. Então compre-se um remédio novo na farmácia chamado Henrique Meirelles. É o que Lula está determinando que a presidente em exercício, sua criatura, faça. Ela mais cedo ou mais tarde obedecerá ao seu criador.

Joaquim Levy deveria ter saído do governo, por sua própria vontade, quando foi enviado ao Congresso o orçamento deficitário. De todas as vezes que ele não foi ouvido, aquele momento foi o pior. Primeiro, porque a decisão foi tomada pela presidente com os ministros Aloizio Mercadante e Nelson Barbosa, enquanto ele cumpria missão de defesa da CPMF junto a empresários. Chamado às pressas a Brasília ele entrou em reunião que já havia decidido enviar aquele orçamento. Levy sabia, e alertou, que a decisão levaria ao rebaixamento do Brasil. E foi o que aconteceu. Naquele momento ele deveria ter deixado o governo, mas ficou e foi seguidas vezes ignorado. Um ministro que não é ouvido pelo governo e cujas propostas o Congresso rejeita ajuda pouco a tirar o país da crise. Pelo contrário, os sinais contraditórios de uma situação como esta aumentam a incerteza e agravam a turbulência.

Nos últimos dias a presidente o ouviu e recuou da decisão de aceitar novos truques na meta. Essa coisa de meta com desconto é também uma forma de manipulação de números. A meta é ou não é. Essa pequena vitória de Levy foi uma forma de a presidente livrar-se da convicção de que ela faz o que o seu mestre manda. Como se intensificaram os ataques de Lula a Levy, ela lhe concedeu uma pequena vitória para simular independência.

A grande questão é se Henrique Meirelles, hoje na presidência da holding do JBS, seria solução para o nosso dilema de uma economia com inflação alta, recessão forte, desordem nas contas públicas e aguda falta de confiança do investidor. Meirelles foi visto como boa opção pelo mercado, tanto que ao circular seu nome a cotação do dólar caiu. Agradou também ao empresariado que o recebeu como quase-ministro na Confederação Nacional da Indústria.

Meirelles tem muitas qualidades e ajudou o país a atravessar um momento de dificuldade e desconfiança que começou com a posse de Lula. O momento atual é muito pior e nada do que ele fez garante que repetirá o mesmo desempenho agora. No começo do governo Lula, o país estava com contas ajustadas, a alta da dívida tinha sido efeito da desvalorização cambial que foi revertida com a nomeação de uma equipe determinada a defender a estabilidade. A crise de confiança foi dissolvida com a nomeação daquela equipe em que Meirelles contava com diretores do período de Armínio Fraga, e o então ministro Palocci havia nomeado Marcos Lisboa, Joaquim Levy e Murilo Portugal. O mundo vivia o início do boom de commodities.

Com a recuperação da confiança na economia, muitos dólares entrando e a unidade na equipe econômica foi mais fácil virar o jogo. Depois Meirelles enfrentou maiores dificuldades quando Guido Mantega assumiu. Muitas vezes houve tentativa de interferência do PT na política monetária. Meirelles teve que várias vezes lembrar ao presidente Lula que ao receber o convite pedira carta branca e recebera essa garantia. Todas as vezes que o então presidente do Banco Central lembrou a Lula daquele compromisso, o ex-presidente recuou da tentativa de interferência no BC.

E agora, ele teria essa autonomia? Não teria. Por temperamento, a presidente Dilma centraliza e interfere em tudo, e está convencida de que sabe economia por ser economista. Seu conhecimento do tema nos trouxe à inflação de dois dígitos e à pior recessão desde o Plano Collor. Um Meirelles sozinho não fará verão. Se ele receber convite “concreto” que se lembre de que a história não se repete.