sábado, 31 de outubro de 2015

Dia de aniversário - RUY CASTRO, FSP


FOLHA DE SP - 30/10

RIO DE JANEIRO - Foi o pior aniversário de Lula desde os tempos em que, de calça curta e dedo no nariz em sua Garanhuns (PE) natal, ele torcia pelo Vasco e matava aula para caçar calango. Com um agravante: hoje, aos 70 anos, Lula deve ter menos amigos para lhe soprar velinhas do que aos 10, em 1955.

Em compensação, ninguém tem uma lista mais ilustre de ex-amigos, vivos ou mortos: Hélio Bicudo, Chico de Oliveira, Cristovam Buarque, Fernando Gabeira, Vladimir Palmeira, Plínio de Arruda Sampaio, Marina Silva, Erundina Silva, Chico Alencar, Cesar Benjamin, Francisco Weffort, Paulo de Tarso Venceslau, Beth Mendes, Airton Soares. Juntar esse time a seu favor foi uma façanha; fazê-lo desertar em massa, outra. Sem contar os que, por terem se tornado cadáveres políticos, ele abandonou, como José Dirceu.

Em lugar deles, Lula poderia ter convidado para sua festa os empreiteiros, banqueiros e pecuaristas com quem se dá tão bem. Mas boa parte estava impedida de comparecer, por cumprir temporada em Curitiba ou estar reunindo ou apagando documentos. É compreensível também que, subitamente, muitos não queiram ser vistos ao seu lado. O jeito, para fazer quorum, seria Lula convidar antigos aliados, como Sarney, Collor, Maluf –mas estes bem sabem quando e com quem devem se aliar.

Diante dessa evasão humana, só restou a Lula passar o aniversário com seus filhos, noras, sobrinhos e irmãos, com a recomendação de que eles não levassem os amigos, os quais, por coincidência, têm estreitos laços comerciais entre si e com órgãos da administração pública. Devido a esse caráter de festa íntima, não fazia sentido fechar um restaurante de luxo ou mesmo uma churrascaria –o feudo do Instituto Lula era suficiente.

E quem esteve lá pode ter presenciado um fato histórico: a última vez que Dilma e Lula foram vistos juntos.

E a tal ‘cura do câncer’?, Por Carlos Orsi do Jornal da Unicamp



Treze anos atrás, perdi alguém muito próximo por causa de um câncer. Não vou entrar em detalhes aqui porque há sentimentos de outras pessoas a preservar, mas enfim: mesmo se fosse válido (não é), o argumento “você não pode condenar porque não sabe como é passar por isso” não se aplicaria. Então, tendo tirado esse bode da sala, sigamos em frente.
“Condenar”, escrevi acima. Condenar o quê? A promoção irresponsável, a distribuição inconsequente e a inacreditável liberação, em altas instâncias do Judiciário, da droga fosfoetanolamina para o tratamento do câncer.
A história toda é longa, mas em resumo: nos anos 90, um então professor de Química da USP de São Carlos (hoje aposentado), Gilberto Orivaldo Chierice, convenceu-se de que essa molécula, a fosfoetanolamina, poderia combater o câncer. Ele passou, então, a produzi-la e a distribuí-la de graça, aparentemente usando recursos e instalações da própria USP. A produção e a distribuição continuaram mesmo após a aposentadoria do docente, e aconteciam mesmo sem que a droga tivesse sido submetida aos testes necessários para comprovar sua segurança (que ela não faz mais mal do que bem) e eficácia (que ela realmente funciona contra a doença).
Em 2014, o Instituto de Química de São Carlos proibiu, formalmente, a distribuição de substâncias para uso clínico que não tivessem sido legalmente testadas e registradas. Essa proibição — que, de resto, não passa de uma consequência lógica das leis vigentes no país — atingiu a fosfoetanolamina, e portanto desagradou a pacientes e parentes de pacientes de câncer que viam na molécula uma esperança de cura, e foram à Justiça em busca de liminares.
A partir daí, jornalistas mais preocupados com números de audiência que com a responsabilidade social inerente à profissão — ou, talvez, encantados pela narrativa fácil do “gênio incompreendido que desafia o sistema” — passaram a contribuir para a construção do mito da fosfoetanolamina como uma espécie de panaceia underground. Mito que talvez tenha pesado em decisões recentes, do STF e do Tribunal de Justiça de São Paulo, de exigir o fornecimento da droga a pacientes.
O presidente do TJ-SP, José Renato Nalini, diz que não se podem ignorar os relatos de pacientes que dizem ter melhorado após tomar a fosfoetanolamina. Mas se esses relatos não podem ser ignorados, o que dizer, então, de depoimentos como o do jornalista Alceu Castilho, que perdeu o pai para o câncer e que ataca duramente “charlatão que distribui pílulas ‘contra o câncer’ em nome da USP”, depois de conhecer em primeira mão o tratamento de fosfoetanolamina? Quem há de dizer que a experiência dele é menos válida, ou “menos real”, que a das pessoas que atribuem curas e melhoras à substância?
Alguém poderia argumentar que o número de casos divulgados de “clientes satisfeitos” supera o de queixas, mas o ponto crucial aí está em divulgados. Pessoas que se convertem a uma causa, ou que acreditam ter se beneficiado de um tratamento, têm muito mais incentivos para vir a público do que as vítimas de experiências negativas. Em questões de vida ou morte, muitas vezes acontece de só termos a palavra dos que se salvaram. Se os que morreram são em número muito maior, quem fala por eles?
É por isso que testes clínicos de segurança e eficácia são muito mais do que meras complicações burocráticas. A história da Medicina está repleta de histórias de tratamentos inúteis, muitas vezes até mais prejudiciais do que as doenças que se propunham a tratar, que perduraram por séculos porque a experiência individual de médicos influentes, a tradição e os depoimentos dos sobreviventes pareciam apoiá-los. Porque ninguém tinha se dado ao trabalho de contar os mortos, ou de tentar distinguir as curas que poderiam ser realmente atribuídas ao tratamento das que teriam ocorrido por acaso, por sorte ou pela resistência natural do paciente.
Fazer esse tipo de distinção é um trabalho duro, que requer muita sutileza e um bom domínio de técnicas estatísticas. Isso não se faz distribuindo pílulas ao léu e contando quem volta para dizer que melhorou.
O caso do médico polonês, radicado nos Estados Unidos, Stanislaw Burzynski tem alguns paralelos com o caso do professor Chierice. Assim como o ex-professor, Burzynski, em algum momento, passou a acreditar ter descoberto a chave para a cura do câncer — nesse caso, proteínas que batizou de “antineoplastons”, ou ANPs.
O médico Stanislaw Burzynski, que também dispensou testes clínicos conclusivos: polonês é  visto como “salvador” por setores da mídia e Cápsulas da droga fosfoetanolaminaAssim como o químico brasileiro, Burzynski realizou alguns testes preliminares e publicou artigos em revistas científicas sobre suas descobertas. E, assim como Chierice, em algum momento ele decidiu que não precisava passar pela formalidade tediosa de um teste clínico completo antes de oferecer sua cura ao mundo: até hoje, não há prova científica cabal contra ou a favor dos ANPs, embora a preponderância da evidência seja negativa. E assim como vem acontecendo com Chierice, Burzynski foi adotado como uma espécie de santo salvador por parte da mídia e dos pacientes.
As principais diferenças entre o americano e o brasileiro é que Burzynski é um médico; um médico que cobra — caro — por seu tratamento; e, provavelmente por causa disso, já encontra oposição organizada. Há um grupo online de pacientes satisfeitos do Dr. Burzynski, que publica depoimentos entusiasmados de curas milagrosas. Mas também há o “Outro Grupo de Pacientes de Burzynski”, que se dedica a, exatamente, contar os mortos. O resultado é trágico: “todos os pacientes que encontramos na mídia implorando por doações para consultar Burzynski, e cujo destino pudemos descobrir, morreram”, diz o site.
Neste ponto, alguém poderia perguntar: e daí? Talvez a fosfoetanolamina seja mais eficaz que os tais ANPs. E ela é distribuída de graça, logo ninguém está sendo lesado. Por que não deixar Chierice e seus pacientes em paz?
Primeiro: nada é “de graça”. As decisões judiciais em favor da droga impõem custos ao Estado. Dinheiro que poderia estar sendo usado para comprar antibióticos para postos de saúde, ou para financiar pesquisas sérias sobre o câncer está sendo desviado para sustentar o que, até onde se sabe, não passa de uma ilusão. Segundo: mesmo nesse nosso mundo comoditizado, alguém ainda deve se lembrar de que tirar dinheiro das pessoas sob falsos pretextos não é a única forma de lesá-las. Há feridas emocionais que cortam muito mais fundo que a conta bancária, e uma pessoa imbuída de falsas esperanças pode acabar tomando decisões trágicas em situações de vida ou morte.
Esse “e daí?” lembra muito o “qual o problema?” que se costuma ouvir quando surgem críticas ao uso das tais “práticas integrativas e complementares” na Medicina. A mim parece haver uma ligação direta entre a leniência doestablishment médico, e do sistema de saúde pública, para com práticas como homeopatia e acupuntura e o sucesso popular da fosfoetanolamina, bem como sua liberação judicial.
Ao reconhecer como legítimas as especialidades médicas “alternativas”, autoridades sanitárias e conselhos médicos dão o recado de que testes clínicos rigorosos são opcionais, não realmente necessários, para validar um tratamento. Não é de se estranhar que o Judiciário os acompanhe.
Carlos Orsi é repórter do Jornal da Unicamp.

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Custo Lula, custo Dilma - CARLOS ALBERTO SARDENBERG


O GLOBO - 29/10

Foi uma obra-prima de política econômica a tal nova matriz. Pelo avesso. Gerou recessão, inflação alta e juros na lua



Tudo somado e subtraído, a presidente Dilma conseguiu abrir um buraco de R$ 230 bilhões em apenas cinco anos. Seu governo saiu de um superávit de R$ 128 bilhões em 2011 para um déficit efetivo em torno de R$ 100 bilhões neste ano. Gastou todo o saldo e mais quase o dobro. E para quê?

Para driblar a crise internacional e turbinar o crescimento — dizem a presidente e seu ex-ministro Guido Mantega.

Crescimento?

Em 2011, quando se fez o superávit primário de 128 bi, o Produto Interno Bruto brasileiro cresceu razoáveis 3,9%. Nos três anos seguintes, quando supostamente estaria sendo turbinada pelo gasto e crédito públicos, a economia minguou: expansão média de 1,5%, a menor entre os países emergentes mais importantes. E desabou neste ano para uma recessão em torno de 3%, no momento em que se realiza o maior déficit público da história.

Apesar do baixo crescimento, a inflação rodou sempre acima dos 6% ao ano, contra uma meta de 4,5%, e isso com preços importantes, como gasolina e energia elétrica, controlados e mantidos lá em baixo, na marra. Reajustados esses preços, porque estavam quebrando a Petrobras e o setor elétrico, a inflação disparou para os 10% deste ano, um número que reflete melhor a realidade.

Finalmente, a taxa básica de juros, reduzida artificialmente para 7,25% em 2012, também para turbinar o crescimento, serviu apenas para liberar mais inflação. Aí, o Banco Central saiu atrás e puxou os juros para os atuais 14,25% que, embora muito elevados, não conseguem mais conter uma inflação perigosamente indexada.

A gente tem de reconhecer: foi uma obra-prima de política econômica a tal nova matriz. Pelo avesso. Gerou ao mesmo tempo recessão, inflação alta e juros na lua. E o déficit público de R$ 100 bi.

O governo está confessando um rombo de R$ 52 bi. Mas, para isso, conta com uma receita de R$ 11 bi com a venda de concessões de hidrelétricas — um negócio que depende de uma MP ainda a ser votada pelo Congresso, que não está nem um pouco animado. Sem isso, o déficit já passa dos R$ 60 bi — e ainda é preciso somar as pedaladas, os R$ 40 bi que o governo federal deve ao BNDES, Banco do Brasil e à Caixa. Assim, o buraco efetivo passa fácil dos R$ 100 bi.

Claro que a recessão derruba as receitas do governo e ajuda no déficit. Mas houve também muita incompetência.

O governo prometeu vender ativos, de imóveis a pedaços de estatais, e não conseguiu. Disse que faria dinheiro com a privatização de um elenco de rodovias, portos e aeroportos. Não saiu uma sequer até agora. (Sabe como é, tem que preparar a papelada, montar projetos, muita trabalheira...).

O governo contou com dinheiro que depende de aprovação do Congresso (CPMF e repatriação), mas não mostrou a menor capacidade em operar as votações, mesmo tendo distribuído ministérios e cargos em estatais.

É o mesmo tipo de incompetência que derrubou a Petrobras. Quando Lula era presidente da República e Dilma presidente do Conselho de Administração da estatal, a empresa se meteu em projetos megalomaníacos, da exploração de poços do pré-sal, a refinarias, navios, sondas e plataformas de exploração.

O caso das refinarias Abreu e Lima e Comperj já é um exemplo mundial de má gestão, sem contar a corrupção. Menos conhecida é a história das sondas. O governo estimulou a criação de uma empresa, a Sete Brasil, para construir 28 sondas no Brasil. A empresa, com dinheiro da Petrobras, já gastou mais de R$ 28 bilhões e não entregou uma sonda sequer. E pior: sabe-se agora que a Petrobras, dada sua capacidade de produção, não precisava desses equipamentos.

Lula e Dilma empurraram a Petrobras para essa loucura. E para quê?

A produção de óleo da estatal é hoje praticamente a mesma de 2009. Foi de 2,1 milhões de barris/dia para 2,2 milhões. Nisso e nas refinarias, inacabadas e precisando de sócios para concluir a metade das obras, a Petrobras gastou cerca de US$ 260 bi! E gerou uma dívida bruta que chega hoje a US$ 134 bilhões.

Isso é custo Lula mais custo Dilma, consequência de erros de avaliação, má gestão e projetos mal feitos. No balanço do ano passado, a estatal aplicou uma baixa contábil de R$ 31 bilhões nos orçamentos das refinarias Abreu e Lima e Comperj, por “problemas no planejamento dos projetos”. E anunciou o cancelamento das refinarias do Maranhão e Ceará, que não saíram do chão, mas cujos projetos custaram R$ 2,7 bilhões. Eram inviáveis, disse a empresa.
Só isso de explicação?

É, só isso.

A corrupção é avassaladora, mas capaz de perder para a ineficiência.