sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Falta de planejamento provoca prejuízos que afetam conta de luz - no Fantástico, com Sonia Bridi


Repórter Sônia Bridi percorreu usinas de energia em todo o Brasil para mostrar por que a conta de luz anda tão alta.

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A conta de luz está pesando no bolso do brasileiro. Em comparação com o que a gente pagava em 2013, o preço subiu mais de 58% e, infelizmente, é bom ir se acostumando. A conta vai ficar alta ainda por muito tempo.
Sabe por quê? A repórter Sônia Bridi mostra agora que a culpa não é de São Pedro. Problemas de planejamento e gestão do sistema elétrico provocaram um prejuízo de bilhões de reais. E essa conta quem paga é você.
Nos pampas gaúchos, bem na fronteira com a Argentina, a usina da discórdia. Inaugurada em 2001 pelo então presidente Fernando Henrique e a secretária de Energia do Rio Grande do Sul, Dilma Rousseff. Era para funcionar com gás fornecido pelos vizinhos. Um arranjo para durar 20 anos.
Mas desde 2008 a torneira do gás foi fechada. A Argentina diz que não tem gás para fornecer ao Brasil. Para ligar a usina este ano, veja a operação necessária.
Em fevereiro deste ano a AES, a empresa dona da usina, comprou gás liquefeito na África, descarregou no porto de baía Blanca, onde o gás foi processado e carregado nos dutos argentinos. Tudo isso para produzir por três meses e meio. Contando esse tempo, em sete anos, a usina funcionou apenas sete meses e custou muito caro. A Argentina diz que não tem espaço no gasoduto para atender o Brasil. E o brasileiro mais próximo está a 600 quilômetros.
E qual é a solução proposta pelo governo? Desmontar toda a usina e levar para outro lugar.
“A melhor alternativa pra Uruguaiana é que se desmonte a usina e que ela vá pra um centro metropolitano, como Rio, São Paulo, Minas Gerais, não importa, aonde tenha gás e, é claro, tenha uma carga pra consumir aquela energia”, diz Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética.
Fantástico: Essa é a única solução?
Ítalo Freitas, vice-presidente de Operações da Geração da AES: Não. A solução de Uruguaiana ela também passa em ficar aqui. Há a possibilidade de transporte? Há. Tem que levar em conta vários fatores além de ser uma movimentação bastante cara para a usina.
O custo exato não foi calculado, mas será de centenas de milhões de reais. E a operação só será viável se ele for transferido para as contas de luz. O Tribunal de Contas da União investigou o sistema elétrico brasileiro e apontou as causas do preço alto da energia. Uma delas, o descompasso das obras.
Para que a nova energia entre no sistema é preciso ter uma usina gerando, as linhas de transmissão e a distribuição. Só que, segundo o TCU, no Brasil, com frequência, uma parte fica pronta e a outra, não. Aí não adianta porque a energia não chega ao consumidor. Esse descompasso nas obras, segundo o TCU, em apenas dois anos provocou um prejuízo de R$ 8,3 bilhões ao Brasil.
Há dois anos o Fantástico mostrou os parques eólicos do Nordeste. Prontos para gerar, mas parados por falta de linha de transmissão. Só que o contrato dizia: se a obra está pronta, a empresa deve receber pela energia. Quanto?
Elbia Melo, presidente da Abeeólica: Da ordem de R$ 2 bilhões no período de 2012 a 2014.
Fantástico: Dois bilhões?
Elbia Melo: R$ 2 bilhões.
Fantástico: Quem é que paga?
Elbia Melo: O consumidor. Vai para a conta do consumidor.
Agora a regra mudou: a usina só pode ser construída com a transmissão já pronta. Segundo o TCU o atraso nas obras de energia é constante e atinge quase 80% dos projetos.
Angra dos Reis. O engenheiro Costa Mattos foi trabalhar ali em 1976. O jovem engenheiro sonhava construir as três usinas da central nuclear. Angra 1 ficou pronta em 85, a 2 entrou em operação já no século 21, a 3, planejada na Ditadura, atravessou 4 décadas de história. E a aposentadoria está chegando.
Fantástico: Era um sonho ver isso pronto?
José Eduardo da Costa Mattos, superintendente de construção de Angra 3: Era um sonho que deveria ocorrer, mas que eu espero que venha acontecer muito rapidamente.
Planejada para ficar pronta em 83, a obra só começou em 2010. Deveria estar terminando este ano, mas atrasou de novo. Uma das razões é que, para garantir que a usina nuclear está sendo construída com segurança, cada etapa da obra tem que ser licenciada pelo CNEN, a Comissão Nacional de Energia Nuclear. Só que, durante anos, a CNEN tinha apenas um engenheiro para cuidar de uma obra desse tamanho.
“Nós tínhamos um especialista que provavelmente está entre os dez maiores especialistas do país dentro da área. Pessoa reconhecida internacionalmente”, diz Ivan Salati, diretor da CNEN.
Fantástico: Mas era sozinho para trabalhar nessa avaliação?
Ivan Salati, diretor da CNEN: Ela sozinha, mas era bastante rápida e muito dedicada.
A CNEN diz que a proibição de novas contratações no governo federal, em 2011, impediu que engenheiros já concursados assumissem. Para o TCU, essa economia de salários parou a obra.
“Nunca parou. Dentro da nossa avaliação nunca parou esperando uma licença da CNEN”, diz Ivan Salati.
Mas a Eletronuclear contabiliza um prejuízo milionário.
Othon Luiz Pereira da Silva, presidente licenciado da Eletronuclear: São R$ 156 milhões por mês.
Fantástico: De atraso?
Othon Luiz: É o que deixou de faturar.
No ano passado, foi a construtora Andrade Gutierrez que parou tudo, pedindo aumento no contrato. O então presidente da Eletronuclear reagiu assim, na época: “Não é do perfil da gente concordar com faca no pescoço”, afirmou Othon Luiz Pereira da Silva, presidente licenciado da Eletronuclear.
A construtora voltou ao trabalho e continua negociando um aditivo. E o presidente da Eletronuclear se licenciou enquanto é investigada a denúncia, feita em delação premiada pelo ex-presidente da Camargo Corrêa, Dalton Avancini, de que havia pagado propinas para conseguir a obra.
O novo prazo para terminar Angra 3 agora é agosto de 2018. Só falta um detalhe: dinheiro. É que o custo que começou em R$10 bilhões já chega a R$ 15 bilhões por causa dos atrasos e correções.
O ministro das Minas e Energia garante que vai resolver o impasse.
“Eu gostaria de te convidar para agosto de 2018 a gente poder assistir o início da geração de teste de Angra 3”, afirmou Eduardo Braga.
Isso só será possível, aumentando o preço da energia de Angra quando ela ficar pronta.
Há dois anos, uma medida provisória da presidente Dilma, a MP 579, forçou as usinas a renovar seus contratos de longo prazo com o governo, por valores mais baixos e o preço da energia caiu, em média, 20%. Aí, o consumo aumentou. Já estávamos num período de seca. Mas foi ela que disparou a crise? Ou falta de planejamento?
“É absolutamente equivocado atribuir à natureza ou à São Pedro a culpa pela situação em que se encontra o sistema, como também foi em 2001 e 2002 no governo Fernando Henrique Cardoso. Ambos tentam atribuir à natureza, o que na verdade é pura responsabilidade do governo, que precisa planejar a demanda e planejar a oferta”, afirma o especialista em setor elétrico Ildo Sauer.
Fantástico: Então a culpa não é de São Pedro?
Ildo Sauer, especialista em setor elétrico: A culpa é do governo agora como foi em 2001.
Sem outras fontes de energia, a água dos reservatórios foi usada além da conta. De lá pra cá a seca só piorou. Os reservatórios foram baixando e as hidrelétricas foram obrigadas a produzir menos energia. Aí, todas as termelétricas que produzem energia com gás, óleo ou carvão foram ligadas ao mesmo tempo. Só que essas usinas foram feitas para casos de emergência, porque a energia delas é muito mais cara. Enquanto um megawatt/hora de uma hidrelétrica é em média de R$ 120, a das térmicas pode passar dos R$ 800. As distribuidoras, que entregam a energia nas nossas casas, a indústria, o comércio foram acumulando bilhões de reais em prejuízo. E como é que essa conta está sendo paga?
Durante dois anos, o rombo foi sendo coberto pelo Tesouro Nacional, aquele dinheiro dos impostos para investir nas escolas, saúde, habitação. O que era para ser economia, custou o dobro.
Fantástico: Durante esse tempo que a tarifa de energia ficou mais barata, o consumidor deixou de pagar trinta e poucos bilhões...
Vital do Rêgo Filho, ministro do Tribunal de Contas da União: R$ 32 bilhões.
Fantástico: R$ 32 bilhões. E quanto o governo aportou para segurar esse...
Vital do Rêgo: R$ 64 bilhões. Para segurar esta economia de fonte do tesouro.
“Chegou ao limite. Ao limite da responsabilidade prudencial do país. Que que aconteceu? O governo teve a coragem e ao mesmo tempo a humildade de dizer ‘nós temos que voltar a um realismo tarifário porque nós não vamos ter como suportar isso’”, diz Eduardo Braga.
Cobrando o preço real da energia, o aumento em média foi de 58% em um ano. Outra conta envolve uma disputa entre a Aneel e as três maiores usinas em construção no país.
Santo Antônio, em Rondônia. No fim do ano, deve gerar energia para 45 milhões de pessoas. Hoje, em um lado da barragem, já está produzindo. Do outro, ainda estão sendo instaladas as turbinas. O volumoso Rio Madeira, não tem esse nome à toa. Todos os dias, são retiradas da barragem toneladas de troncos trazidos pelo rio.
Mas foram greves, depredação e destruição do canteiro que, segundo a Santo Antônio Energia, atrasaram a obra. Uma conta complicada, já que de fato, ela começou a gerar antes do prazo inicial.
Essa possibilidade de ir gerando energia na parte da barragem que já está pronta, enquanto continua as obras em outro trecho, fez com que a Santo Antônio Energia propusesse uma mudança no contrato para começar a gerar um ano antes do previsto. Só que de fato essa antecipação foi de nove meses.
A conta da diferença é de R$ 800 milhões.
“Adotou uma estratégia comercial muito agressiva e tomou para si um risco que eu diria talvez não devesse tomar. Agora, o que não é justo é esse risco ser alocado para quem não teve a escolha de tomar o risco, é do consumidor”, diz Romeu Rufino, diretor-geral da Aneel.
“A empresa não está se eximindo desse risco. Ela assumiu o risco. Porém ela não pode abrir mão de um direito”, afirmou Eduardo de Melo Pinto, presidente da Santo Antônio Energia.
O direito seria o chamado excludente de responsabilidade, ou seja, descontar o atraso provocado por greves e vandalismo.
“E nós não estamos com isso tentando repassar pra Aneel. Todo o atraso e toda a consequência pelo atraso. Não. É a parcela do impacto das greves possível de enquadrar como excludente”, disse o presidente da Santo Antônio Energia.
Cem quilômetros acima, no Rio Madeira, outra usina, a de Jirau, também está em disputa com a Aneel com relação aos prazos para geração de energia e sobre quem deve pagar a conta pelo atraso. Em Jirau o estrago das greves foi ainda maior. E o atraso gerou uma conta de R$ 3 bilhões.
“O consumidor contratou energia, e ele deve entregar. Se não conseguiu produzir na usina, ele tem a obrigação contratual de comprar no mercado e entregar essa energia”, ressalta Romeu Rufino, diretor-geral da Aneel.
A usina entrou na Justiça contestando a decisão da Aneel.
“Hoje, Jirau é a terceira maior usina em produção no Brasil, ficando atrás de Itaipu e Tucuruí. E aí é o que o próprio diretor-relator disse: ‘Jirau é muito grande para quebrar’. E nós vamos quebrar se a Aneel continuar insistindo de nos cobrar R$ 3 bilhões”, disse Victor Paranhos, presidente energia sustentável de Jirau.
Belo Monte. A quarta maior hidrelétrica do planeta vai barrar o Rio Xingu, no Pará, e desviar parte da água para um impressionante sistema de diques e canais com até 300 metros de largura. Tudo vai para um reservatório, onde está a barragem principal, que vai produzir mais energia que Santo Antônio e Jirau juntas. Na outra barragem, aquela que desvia as águas, uma outra usina, bem menor, já deveria estar gerando desde fevereiro, mas só deve começar no fim do ano.
“Nós não concordamos com a postergação do cronograma e nem com a exclusão da sua responsabilidade por não ter entrado na data contratada”, disse Romeu Rufino, diretor-geral da Aneel.
A Norte Energia entrou na Justiça para não pagar essa conta. Diz que ocupações do canteiro de obras por indígenas, manifestações de desapropriados e greves provocaram um atraso que a usina não pôde evitar.
“Entendemos que nem nós nem a sociedade podem ser penalizados por ações que são excludentes de responsabilidade do empreendedor”, afirmou Duílio Diniz de Figueiredo, presidente da Norte Energia.
Por causa da obra a população de Altamira cresceu 50% e as medidas socioambientais que eram compromisso da empresa, não estão prontas. O hospital da cidade, sempre lotado, enquanto o novo, feito pela usina, ainda não foi aberto. Estações de tratamento de água e esgoto modernas. A rede pronta. Mas as ligações com as casas não foram feitas.
Encontramos Seu Otávio e a família de mudança. Ele morava numa ilha que vai ser inundada. Recebeu R$ 12 mil de indenização. O dinheiro se foi rápido. Por dois anos morou de aluguel, com a mulher, os filhos e netos, todos analfabetos. Na cidade, o ribeirinho que vivia de pesca não encontrou trabalho.
“Emprego aqui é só pra quem é sabido. Se não for sabido, não tem emprego”, lamenta Otávio.
Com ajuda da Defensoria Pública da União, a família foi reassentada pela usina num conjunto habitacional. Outras mil famílias cadastradas pela Defensoria não são reconhecidas pela empresa como desalojadas. Os índios que terão suas terras atingidas reclamam que as obras que deveriam ser feitas mal começaram, a empresa diz que investiu R$ 3,5 bilhões nessas obras. Mas sem resolver essas pendências, a licença de operação pode atrasar.
Assim, chegamos a esse ponto. Pelo menos o risco de apagão é pequeno.
“O risco de apagão diminuiu não porque aumentou a produção de energia, mas porque a demanda reduziu de uma maneira brutal devido aos problemas da economia”, explica Mario Veiga, consultor em setor elétrico.
É que o consumo, em vez de crescer 3% em um ano, por causa da crise econômica, caiu 3%. Está 6% menor do que o previsto.
“Então, na prática, nós reduzimos a demanda, mas pela pior razão possível que é a queda da atividade econômica”, informa Mario Veiga.
Mas a conta de luz ainda não parou de subir. Para poupar água das hidrelétricas, todas as térmicas continuam funcionando. Vão ser desligadas aos poucos, até 2018, conforme a energia das novas usinas for entrando no sistema.
Fantástico: Ou seja, daqui até lá vai continuar subindo menos, mas vai continuar subindo?
Eduardo Braga, ministro de Minas e Energia: Não tem como. Nós não temos como dizer que nós vamos fazer a mágica de invertermos a lógica da gravidade.
Nota da redação: Na reportagem exibida neste domingo, 5 de julho, o Fantástico afirmou que a construtora Camargo Corrêa foi responsável pela obra da usina Angra 3. Na verdade, a construtora responsável é a Andrade Gutierrez. A informação foi corrigida no site às 13h20 do dia 6 de julho.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Entenda a COP 21 e as disputas em jogo, in CC


por Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais — publicado 09/04/2015 04h30
Em dezembro, em Paris, os 196 integrantes da ONU vão tentar chegar a um consenso sobre como lidar com as mudanças climáticas
Mark Garten / UN Photo
Por Maureen Santos
A falta de vontade política dos países membros da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), em especial os países desenvolvidos, para enfrentar seriamente os problemas provocadores e provenientes da crise climática, fez com que depois de mais de duas décadas de negociações pouco tenha sido feito. Em dezembro deste ano, nos arredores de Paris, os 196 países membros irão se reunir na busca por um consenso sobre qual será o rumo que a Convenção de clima irá tomar e buscarão assinar um novo acordo global, que possa substituir o esvaziado e combalido Protocolo de Kyoto, único instrumento legal da Convenção.
Para entender a próxima Conferência das Partes (COP), elenquei 21 temas principais sobre o que está em jogo nas negociações oficiais e na preparação das mobilizações da sociedade civil.
1 - Multilateralismo: A reafirmação do multilateralismo ou não como espaço coletivo de tomada de decisões sobre um tema que atravessa fronteiras físicas e atmosféricas é o pano de fundo das negociações. Para alguns países como o Brasil, se a conferência resultar em um acordo global mesmo que fraco, significa salvar o espaço multilateral expresso pela UNFCCC.
2 - Plataforma de Durban (ADP): É o trilho de negociação estabelecido em 2011 durante a COP 17, realizada em Durban. Seu mandato é elaborar os elementos para a criação de um novo instrumento jurídico vinculante, que poderá ser um novo protocolo ou não, que sob a Convenção será aplicável a todas as partes. O mandato da ADP se completa na COP 21.
3 - Workstreams 1 e 2: O primeiro diz respeito ao conteúdo do novo acordo de clima, que entraria em vigor a partir de 2020; e o segundo é relativo a ambição que o país membro tem para implementar ações no período de 2015-2020, denominado pré-2020.
4 - Chamada de Lima para Ação Climática: Documento final da COP 20 pouco ambicioso e vago, determina que as partes devem descrever de forma clara suas INDCs, ver abaixo. Destaque para a reafirmação do princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas, e de que os países desenvolvidos devem ter obrigações em financiamento, capacitação e transferência de tecnologias para os países em desenvolvimento.
5 - INDCs: São Contribuições Intencionais Nacionalmente Determinadas (sigla em inglês), que definem quanto, como e quando os países irão reduzir suas emissões. Muitos países estão realizando processos de consultas nacionais sobre o tema, como foi o caso do Brasil cujo resultado ainda não foi disponibilizado. É o esqueleto do novo acordo.
6 - Rascunho Zero: Texto base de negociação para o que será acordado em Paris, cuja última versão datada de fevereiro, contém 109 páginas e 221 artigos que incorporam as diversas opções sobre a mesa. O texto inclui os temas mitigação, adaptação, financiamento, transferência de tecnologia, capacitação e transparência para ações e para o apoio.
7 - Princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas e suas respectivas capacidades: Consta no preâmbulo da Convenção Quadro e foi materializado pela divisão de compromissos entre as partes do Protocolo de Kyoto, mas vem sendo ameaçado. Estabelece que todos os países devem dividir entre si os custos das ações de redução de emissões, cabendo aos países desenvolvidos assumirem as primeiras medidas, uma vez que historicamente contribuíram mais para as emissões e apresentam maior capacidade econômica para suportar tais custos e provir recursos financeiros para o enfrentamento do problema pelos países em desenvolvimento.
8 - Diferenciação concêntrica: proposta brasileira feita na COP 20 e que ganha espaço nas negociações, “na qual os países se distribuiriam em bandas de compromisso, com possibilidade de transição de uma zona para a outra dependendo do contexto e das capacidades correntes de cada país”. Tende a atender tanto o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, quanto à demanda dos países desenvolvidos para que os países emergentes também assumam compromissos.
9 - Mitigação e adaptação: muitos países defendem que o acordo deve ter equilíbrio entre os dois temas e não focar só na redução das emissões (mitigação), como vem acontecendo no histórico de decisões das COPs.
10 - Sem perdas líquidas (No net loss): Tema preocupante que implica a compensação das emissões (offseting), significando que o mundo possa continuar emitindo gases de efeito estufa (GEE) desde que exista uma forma de os "compensar". Assim, ao invés de tomar medidas concretas de redução das emissões, poderão continuar emitindo enormes quantidades de CO2 e, ao mesmo tempo, alegar que estão combatendo as mudanças climáticas por meio do "apoio" ao desenvolvimento da tecnologia CCS (captura e estoque de carbono)
11 - Novos mecanismos de mercado: Outro tema de grande preocupação, em especial, motivada pelas críticas em relação a falta de efetividade destes tipos de mecanismos no enfrentamento da crise climática, como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Estas críticas também são relativas aos impactos que estes projetos geram nos territórios, cuja inviabilização é latente por não serem consideradas na avaliação da efetividade dos mesmos, que se concentram apenas no item redução de GEE.
12 - Fundo Verde do Clima e financiamento: Apesar de ter sido aprovado em 2010, na COP 16, em Cancun, e estabelecer dois mecanismos de financiamento: um de curto prazo chamado fast start (2011-2013) que nunca saiu do papel; e outro que tinha o objetivo de atingir US$ 100 bilhões anuais de 2013 a 2020; o Fundo começou a receber recursos somente no ano passado, quando arrecadou pouco mais de US$ 10 bilhões provenientes de 29 países, entre desenvolvidos e em desenvolvimento.
13 - REDD+: A discussão principal é se entra ou não mecanismos de mercado para o financiamento da Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD+). O Brasil vem sendo categórico em suas afirmações contrárias ao mercado em REDD+, tendo apoio de organizações e movimentos sociais como os reunidos no Grupo Carta de Belém, que vem rebatendo a abordagem REDD+ por entender, entre outras críticas, que incluir mercado de carbono no financiamento dos projetos é incluir a compensação de emissões.
14 - Bioenergia e CCS: é o garoto-propaganda da nova abordagem de no net loss. Denominado BECCS nas negociações, envolve o plantio de uma enorme quantidade de grama e monocultivo de árvores para queima de biomassa com fins de geração de eletricidade, capturando o CO2 emitido e bombeando para reservatórios geológicos subterrâneos.
15 - Uso da terra: tema forte na negociação na qual vem se fortalecendo a abordagem em ‘escala de paisagem’ (landscape approach), que seria a integração entre florestas e produção agropecuária. O uso da terra entra intensamente na agenda de mitigação, mas também em adaptação. Ainda sobre este tema, existem os chamados co-benefícios, que estão relacionados a questões sociais e também a proteção da biodiversidade.
16 - Agricultura climaticamente inteligente (CSA): agricultura que aumenta a produtividade com resiliência (adaptação), ao mesmo tempo em que sequestra gases de GEE sem efetivamente reduzi-los, já que os créditos de redução seriam vendidos para outros locais poderem continuar emitindo. As formas de financiamento seriam por meio damedição e mercantilização do carbono do solo. Existe pressão para que a CSA entre no novo acordo, especialmente por parte da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e do Banco Mundial.
17 - Mecanismo de perdas e danos: Criado na COP19, busca o enfrentamento dos eventos extremos e é visto com bons olhos pela sociedade civil e pelos países em desenvolvimento por tratar com mais importância um tema fundamental para adaptação. No entanto, não discute ainda o tema financiamento, nem se incorpora diretamente ao tema adaptação no rascunho proposto. Além disso, há preocupação que as agências de avaliação de risco, que na verdade são grandes seguradoras, possam transformar o mecanismo em mais uma falsa solução ao enfrentamento da crise climática, trazendo mais dificuldades para que os países afetados possam acessar os possíveis recursos.
18 - Cúpulas dos Povos: Como espaço autônomo das organizações e movimentos sociais, ocupa um papel importante na construção de processos e na busca de sínteses, ainda que estas últimas possam ser melhor aproveitadas. A Cúpula de Lima foi importante para a América Latina, no sentido de reaproximar em sua preparação grandes forças sociais da região, ao formalizar um Grupo de Enlace regional, que pretende continuar trabalhando junto rumo a Paris e além.
19 - Mobilizações da sociedade civil global para a COP 21: organizações sociais reunidas na Coalizão Francesa começaram desde o ano passado a se mobilizar para organizar atividades durante o período da COP 21. Na semana passada, foi realizada reunião internacional de preparação, na Tunísia, onde organizações de fora da Europa puderam participar e entender melhor o processo. O grande desafio é construir um caminho que possa ter cara própria e posicionamentos firmes, ao mesmo tempo em que envolva uma gama diversa de organizações sociais que têm posições políticas bastante distintas em relação às grandes questões ligadas às mudanças climáticas, entre elas, o debate sobre soluções de mercado e se querem ou não um novo acordo global sobre clima.
20 - Calendário internacional rumo a Paris: 30 e 31 de Maio e 26 e 27 de setembro, mobilizações em toda Europa; 28 e 29 de novembro, mobilizações de massa incluindo marchas e flash mobs; de 06 a 11 de dezembro, espaço de debates da sociedade civil e mobilizações descentralizadas; 12 de dezembro, mobilização e ações diretas em Paris. Em relação ao calendário oficial das negociações, há três reuniões previstas até a COP: 1 a 11 de junho, em Bonn (Alemanha); 31 agosto a 04 de setembro, em Bonn; 19 a 23 de outubro, em Bonn.
21 - Construção de novas narrativas: Parte da sociedade civil global que se aglutina nos últimos oito anos em torno da bandeira da justiça climática está construindo novas narrativas que possam, por um lado, ampliar o escopo de atuação para além do tema mudanças climáticas, e por outro, caminhar para um processo de construção de plataformas e de movimento frente à fragmentação que a sociedade civil atravessa. Resta saber se novas formas de mobilização popular via redes sociais e atos coreografados, muitas vezes esvaziados de conteúdo político, não vão atrapalhar mais do que ajudar o processo. Há sempre risco.
Por fim, neste momento, talvez a UNFCCC e o movimento por justiça climática tenham pelo menos uma coisa em comum: a necessidade de sair da inércia. Se pelo lado oficial a COP 21 será importante para salvar ou não o multilateralismo, por correr o risco do acordo não ser nada mais que um sistema baseado em promessas longe de se comprometer com o limite dos 2ºC; por parte das organizações e movimentos sociais talvez esta seja a última COP de clima com grande mobilização nas ruas. Por isso a agenda parisiense é tão relevante, para que possa trazer ânimo e força, criando espaços de convergência e propostas concretas que deem continuidade às sínteses, ao mesmo tempo em que pavimentem caminhos futuros.
*Maureen Santos é integrante do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GRRI, coordenadora do Programa de Justiça Socioambiental da Fundação Heinrich Böll Brasil e professora da graduação do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.