domingo, 1 de fevereiro de 2015

Em São Paulo, desperdício encontra o desespero na Rua Augusta, do site ZH

Moradores recolhem em baldes e garrafas água que escorre pelo meio-fio da calçada, vinda de um poço natural encontrado em escavações de obra

31/01/2015 | 16h05
Em São Paulo, desperdício encontra o desespero na Rua Augusta Diego vara/Agencia RBS
O zelador cearense José Senna afirma nem no Nordeste enfrentou seca semelhanteFoto: Diego vara / Agencia RBS
Na Rua Augusta, uma das mais famosas de São Paulo, falta água. Mas também sobra. O líquido, ausente das torneiras por horas, escorre abundante pela sarjeta dia e noite, proveniente de um poço natural encontrado em escavações para uma obra. Como não é canalizado ou tratado, acaba despejado no meio-fio. A crise hídrica, porém, vem estimulando um número crescente de moradores e trabalhadores a recolher a água em baldes e garrafas para utilizá-la em atividades como limpeza.

Zelador de um prédio da região, o cearense José Senna, 50 anos, disse que só foi conhecer falta de água na maior cidade do país. Em seu Estado natal, no Nordeste famoso pela aridez, ele sempre teve as torneiras abastecidas. Certa vez, teve a ideia de juntar um balde e recolher o líquido da rua para lavar a calçada quase todos os dias e, aos sábados, o saguão de entrada do edifício.

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– Fui o primeiro. Deu uma pena de ver essa água tão clarinha sendo desperdiçada. Mas hoje já tem uma porção de gente usando a água do meio-fio – conta Senna.

Sócia-proprietária de um pub nas proximidades, Fátima Yates lamenta não poder usar a água em seu negócio. Ela já foi obrigada a fechar as portas mais cedo porque não havia como higienizar os banheiros:

– Compramos mais três reservatórios de 300 litros, além de um de 3 mil litros que já tínhamos, mas se a crise se agravar, não serão suficientes.



A escassez fez explodir o mercado de água potável em São Paulo. Um dos reflexos é a circulação ininterrupta de caminhões-pipa, que se transformaram em salvação para condomínios, hotéis e residências com grande reservatórios.

Motorista de um dos veículos, Marcial Souza Santos, 49 anos, passa o dia de um lado a outro da cidade, mas não dispõe do líquido em casa, pois não há caixa d’água. Com a correria diária, chega do trabalho sempre depois das 22h, e as torneiras já estão secas:

– O jeito é tomar banho no trabalho. Gostaria de levar uns galões do serviço, mas não tenho como carregar no ônibus – disse na tarde de sexta-feira, quando entregou 10 mil litros ao condomínio Parque Mandaqui, na zona norte paulista.

Com a crise, Santos já fez até oito viagens em um dia – o normal eram três ou quatro.
A empresa onde ele trabalha, a Fonte Mirante, também investiu: aumentou de oito para 12 o número de veículos.


sábado, 31 de janeiro de 2015

Pesquisa inédita na América Latina busca baratear tratamento de água do G1

m professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) está desenvolvendo uma pesquisa inédita na América Latina para a dessalinização da água. Estudos baseados na ‘deionização capacitiva’ já existem nos Estados Unidos e na Europa, mas são uma novidade por aqui, onde a intenção é desenvolver um processo mais barato para a transformação da água salobra em potável, auxiliando regiões como o semiárido nordestino.
Professor pesquisa tratamentos da água desde o mestrado (Foto: Divulgação/Enzo Kuratomi)Professor pesquisa tratamentos da água desde
o mestrado (Foto: Divulgação/Enzo Kuratomi)
Luis Augusto Martins Ruotolo pesquisa tratamentos da água desde o mestrado.  Começou estudando a remoção de metais pesados, depois remoção de poluentes orgânicos e, em um pós-doutorado nos Estados Unidos, foi convidado e estudar a dessalinização (retirada do sal para produzir água potável).
Ele explicou que o processo consiste no uso de placas (eletrodos) de carbono que, mediante a aplicação de uma baixa voltagem (1,2V), removem o sal (NaCl), retendo-o sobre a superfície dos eletrodos. Eletrodos positivos atraem o cloreto - Cl (íon de carga negativa), eletrodos negativos atraem o sódio - Na (íon de carga positiva) e a água sai dessalinizada. “O processo remove os íons (partículas eletricamente carregadas) da água e ela fica limpa”, afirmou.
A diferença do procedimento, desenvolvido em parceria com o professor Marc Anderson, da University of Wisconsin-Madison (EUA), o mestrando Rafael Linzmeyer Zornitta e com o pesquisador espanhol Julio Jose Lado Garrido está nos custos. “A deionização capacitiva é mais simples do que a osmose reversa, sua maior concorrente, não requer muita manutenção e consome pouca energia, o que permitiria o uso de painéis solares fotovoltáicos. E a luz solar é abundante no semiárido”, comentou Ruotolo.
Segundo o professor, o governo já instalou equipamentos de osmose reversa para dessalinização da água salobra no semiárido, mas muitos estão parados devido à dificuldade de manutenção. “A gente espera que empresas e que o governo se interessem pela tecnologia. Nos EUA, por exemplo, a Marinha financia pesquisas para ter água potável nos navios”.
Processos
Na osmose reversa ocorre uma espécie de filtração por membranas. O problema é que, com o tempo, essas membranas, além de possuírem um custo relativamente elevado, vão entupindo e precisam de manutenção adequada ou então ser trocadas. Além disso, para que a água permeie o sistema, o mesmo tem que trabalhar com pressões muito altas, o que exige maior gasto de energia.
Outra forma de retirar o sal da água é a destilação, baseada nos diferentes pontos de ebulição das substâncias – uma evapora e a outra fica armazenada, por exemplo. “É um processo que consome muita energia. É feito, por exemplo, em alguns países do Oriente Médio, onde há abundância de petróleo e, portanto, energia barata”, explicou Ruotolo.
Ruotolo faz alerta sobre a poluição (Foto: Divulgação/Enzo Kuratomi)"Daqui a pouco não vai adiantar ter água e não poder 
usar", alerta Ruotolo (Foto: Divulgação/Enzo Kuratomi)
Consciência
O pesquisador enfatizou que os processos devem ser condizentes com a realidade de cada país e de cada região, mas que, por mais barata que seja a tecnologia desenvolvida, ela nunca vai ter custos mais baixos do que o tratamento convencional, de transformar a água limpa e abundante em potável. E isso reforça a necessidade de cuidar desse recurso.
“Nenhum processo é mais barato do que o convencional. Se há água, vamos cuidar e não poluir, porque daqui a pouco não vai adiantar ter água e não poder usar”, afirmou, indicando ainda que a água pode ficar mais cara e que é fundamental repensar o consumo.  “A visão de que tratamento de resíduos industriais é custo tem que acabar. Reuso e reciclagem de água é investimento. Por que não tratar, reutilizar e ao mesmo tempo evitar o desperdício? Uma coisa não anula a outra. Elas têm que caminhar juntas e o conhecimento deve ser usado para isso”.
Entre os pontos que deveriam ser combatidos, Ruotolo citou os vazamentos na rede de distribuição e o uso de água tratada para atividades como lavar a calçada e dar descarga. “Como nunca faltou, não sentimos na pele. Se há um ponto positivo na estiagem é começar a repensar a questão do uso da água, como no apagão. Rever nossa postura. A gente nunca se antecipa ao problema. Espero que as indústrias e o governo comecem a repensar suas responsabilidades, assim como a população”.
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Água: tragédia anunciada, por Malu Ribeiro


Publicado: Atualizado: 
CANTAREIRA
Os rios brasileiros refletem nitidamente o descaso com que a gestão da água é tratada no país. Por conta da maior crise hídrica da nossa história, o Brasil, detentor da maior reserva de água doce do Planeta, se vê agora obrigado a sair da zona de conforto para assumir, a duras penas, que esse recurso natural, essencial à vida e a todas as atividades econômicas, é escasso. Mesmo assim, continuamos a tratar os mananciais como a extensão das nossas descargas, com o despejo diário de toneladas de esgotos, e a considerar as grandes bacias hidrográficas como a ponta das tomadas de energia elétrica.
Essa realidade, agravada pela falta de planejamento integrado e estratégico, nos coloca mais uma vez diante da tragédia anunciada do desabastecimento de água e do apagão elétrico. Vivemos isso no passado recente, em 2001, com o apagão que levou os brasileiros a economizarem energia e a mudarem de comportamento. No entanto, não houve a devida atenção para a causa, que também fora uma grave seca. Desde então, técnicos dos setores de recursos hídricos, saneamento e energia, organizações civis, instituições públicas e privadas têm alertado os governantes e promovido fóruns nacionais e internacionais sobre a escassez da água.
O acesso à água em qualidade e quantidade é considerado um dos maiores desafios da humanidade diante do crescimento das cidades e das atividades econômicas. Há mais de 20 anos, a Organização das Nações Unidades (ONU) adotou a data de 22 de março como o Dia Internacional da Água, para unir governos e sociedade no esforço de promover o uso racional desse bem e aliar a demanda à necessidade ecossistêmica, com o objetivo de garantir a nossa sustentabilidade. Muitos avanços ocorreram e o acesso à água foi reconhecido como Direito Humano, mas a nossa "pegada hídrica" não diminuiu.
Continuamos com índices altíssimos de consumo e desperdício. Cerca de 70% da água bruta captada diretamente nos rios para a agricultura irrigada escoa no solo carregando defensivos. O setor industrial, responsável por 20% do consumo, embora mais eficiente no uso por ser sobretaxado com instrumentos como a cobrança pelo uso da água, ainda trata efluentes com baixa eficiência em muitas regiões. O tratamento de esgoto industrial com baixa eficiência ocorre por conta da legislação que versa sobre o enquadramento dos corpos d'água e permite que rios qualificados como de classe 4 sejam utilizados para diluir efluentes.
Na ponta vem o setor de abastecimento público, responsável por 10% do consumo da água e por um enorme desperdício na rede física, que varia de 25% a 40%. Esse setor também é responsável por 70% da carga de poluição dos rios. O motivo: falta de tratamento de esgotos. Dados divulgados por representantes do Fórum Mundial da Água revelam que mais de 100 milhões de brasileiros não têm acesso a esgoto tratado. Essa perversa realidade leva ao agravamento da escassez por indisponibilidade decorrente da precária qualidade da água e resulta em patamares ainda mais alarmantes de doenças de veiculação hídrica.
A falta de informação e transparência fazem com que o uso da água de reúso ainda seja limitado no país. São Paulo é pioneiro nesse setor e recentemente anunciou que utilizará água de reúso para reabastecer um manancial, a Guarapiranga. A notícia de que o esgoto tratado será utilizado para abastecimento humano, após novo tratamento, assustou cidadãos que ainda não perceberam que, na prática, já estamos tratando água que recebe esgotos na maioria dos rios e mananciais. Diversos países utilizam a água de reúso diretamente na rede de abastecimento público e investem de forma maciça em eficiência e tecnologia para despoluir e garantir água de qualidade as suas populações.
A escassez nos levará, certamente, a promover a despoluição de mananciais como a Billings, na região metropolitana de São Paulo, além de grandes rios, como Tietê, o Guandu, na Baixada Fluminense, a bacia do Rio das Velhas, na região metropolitana de Belo Horizonte, ou o Iguaçu, no Paraná, dentre tantos outros que cortam áreas urbanas e estão poluídos e com águas indisponíveis para usos múltiplos.
O problema é que a distância entre a nossa realidade e os compromissos assumidos pelo Brasil em tratados internacionais dos quais o país é signatário e das normas conquistadas pela sociedade desde a Constituição de 1988 continua imensa. Além disso, a legislação ambiental brasileira vem sendo cada vez mais afrouxada para regularizar atividades econômicas e usos do solo em áreas de preservação permanente, destinadas justamente à proteção da água, de nascentes e rios.
Autoridades insistem ainda em desconsiderar a relação entre o desmatamento da Mata Atlântica e a diminuição da disponibilidade de água na região Sudeste. Como se não bastasse, ainda predomina o discurso daqueles que querem justificar a ineficiência dos setores elétrico e de saneamento básico atribuindo ao licenciamento ambiental a culpa pela demora na execução de megaobras, que sequer têm projetos e estudos estratégicos de viabilidade.
Ao continuar tratando a água de forma compartimentada - dividindo a gestão dos recursos hídricos entre os setores de energia, abastecimento e produção de alimentos em diversos ministérios e secretarias nacionais, estaduais e municipais, que não se conversam - e sem agências reguladoras independentes que garantam a participação efetiva dos cidadãos, transparência e governança, ficará cada vez mais difícil buscar soluções para essa grave realidade.
É preciso dar um basta na politização da crise e no desgoverno. A hora é de unir a sociedade para cobrar responsabilidades dos governantes e somar esforços para o enfrentamento do problema. Somos capazes. Temos conhecimento técnico, científico, um enorme acúmulo de dados, pesquisas, estudos, experiências positivas e políticas públicas que precisam ser reconhecidas e postas em prática. Somos também solidários e criativos para fazer da crise uma oportunidade para nos mobilizarmos em defesa da água.
Por Malu Ribeiro, coordenadora da Rede das Águas da Fundação SOS Mata Atlântica.