domingo, 16 de fevereiro de 2014

Plataformas inacabadas - EDITORIAL O ESTADÃO


O ESTADO DE S. PAULO - 16/02
Da festa política multipartidária que foi o lançamento da plataforma P-62 para a exploração de petróleo em águas profundas, conduzida pela presidente Dilma Rousseff em dezembro na cidade pernambucana de Ipojuca, talvez reste pouco mais do que a constatação de que, na essência, não passou de uma mistificação. A plataforma, a nona entregue em 2013 à Petrobrás e com operação prevista para o primeiro trimestre de 2014, não estava pronta, teve de ser concluída em alto-mar - a um custo e a um risco maiores, como comprovou a ocorrência de um incêndio a bordo -, mas propiciou ao governo ganhos que se vão esboroando à medida que se desvenda seu caráter político-eleitoral.
São graves os fatos descritos pelo diretor de segurança e saúde do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (Sindipetro-NF), Norton Almeida, que, no início deste mês, embarcou na P-62 para conferir os problemas. De acordo com seu relato ao Estado (14/2), o sistema náutico da plataforma saiu do estaleiro sem um cabo de ré, sem uma das amarras do sistema de ancoragem de bombordo e sem a conclusão do sistema elétrico, entre outras falhas. Foi necessário utilizar um gerador, que pegou fogo em janeiro, quando a plataforma navegava em direção ao Campo de Roncador, na Bacia de Campos, onde será utilizada. O incêndio foi controlado em 40 minutos. Mas, por causa das falhas, a P-62 chegou ao Campo de Roncador com duas semanas de atraso.

Se a plataforma tivesse ficado mais tempo no Estaleiro Atlântico Sul - onde os diferentes módulos originários de várias partes do País foram montados sobre o casco de um navio que passou por adaptações em Cingapura os problemas poderiam ter sido resolvidos sem os riscos das operações em alto-mar, por um grupo maior de profissionais preparados (há limite para o número de trabalhadores embarcados na plataforma) e, decerto, a um custo menor.

Mas, movido essencialmente pelo calendário eleitoral, o governo Dilma tem pressa em mostrar que, apesar de todas as evidências em contrário, a Petrobrás vai muito bem, ampliando rapidamente sua capacidade de produção e estimulando a indústria naval brasileira. Para isso, era preciso lançar o quanto antes a P-62, ainda que incompleta, como acabou fazendo.

É mais uma interferência política na empresa, que - já utilizada para atender aos interesses políticos do governo anterior, igualmente chefiado pelo PT - foi envolvida num ambicioso programa de investimentos na área do pré-sal que lhe tem causado dificuldades financeiras cada vez maiores. Por não ter recursos para aplicar em outras áreas, a Petrobrás perdeu capacidade de produção e de refino. Submetida a severo controle de preços dos derivados que comercializa e obrigada a importar combustível - para atender a uma demanda que, por não ter ampliado suas refinarias, não consegue mais atender vem acumulando prejuízos na sua área de refino e distribuição, o que lhe reduz ainda mais a capacidade de investir, enquanto o governo, para justificar sua obsessão pelo pré-sal, lhe impõe investimentos cada vez maiores.

Há, ainda, outra motivação política na pressa do governo em anunciar como concluídas e entregues as plataformas da Petrobrás. Por meio de um artifício contábil, as plataformas concluídas e entregues são lançadas como exportação. Isso é feito porque, "adquiridas" por uma subsidiária da Petrobrás com endereço no exterior, elas são "exportadas" e, assim, pagam menos imposto. Em seguida, elas são repassadas, por meio de uma operação de lcasing, para a própria estatal.

Em momentos de dificuldades econômicas - com baixo crescimento, inflação alta, mau desempenho da balança comercial, entre outras características -, quanto mais o Brasil "exportar" plataformas que não saem do País, melhor tende a ser o saldo comercial. No ano passado, por exemplo, foram "exportadas" sete plataformas, a última das quais justamente a P-62. O resultado foi a contabilização de vendas externas de US$ 7,7 bilhões. Foi o que garantiu contabilmente o pífio superávit comercial de USS 2,56 bilhões. Na realidade, a balança fechou com déficit. Mas isso o governo não admite.

Tolerância zero - DORA KRAMER


O ESTADÃO - 16/02

A intolerância está em toda parte. Na internet chegou a níveis insuportáveis. Nas ruas, manifestações abrigam pistoleiros de aluguel. A presidente da República reage a críticas com termos de vulgaridade incompatível com o cargo, desatenta ao fato de que reeleição rima com reputação.

Na Praça dos Três Poderes, os sem-terra tentam invadir o Supremo Tribunal Federal em conflito cujo saldo foi de 30 feridos, oito deles em estado grave. A oposição acorda da letargia e vai ao ataque, enquanto na base governista a revolta se avoluma e no tradicionalmente submisso setor empresarial a grita é diária e cada vez mais contundente.

À atmosfera ruim acrescenta-se o imprevisível: o rumo da economia, o risco de a Copa do Mundo se transformar num presente de grego e uma campanha eleitoral que será tão mais acirrada e conturbada quanto maior for a redução do favoritismo da presidente Dilma Rousseff. Com isso, o aumento da probabilidade de o PT se ver em via de voltar à planície.

A tensão aproxima-se do clímax, mas não surgiu de repente nem nasceu por geração espontânea. É filha legítima da dinâmica beligerante que o PT imprimiu ao seu modo de governar, tendo Luiz Inácio da Silva como o comandante em chefe. O ato de confraternização em que Lula vestiu o boné do MST logo no início de seu primeiro governo soou como um aval do então presidente às ações do movimento. Raras as que não tinham caráter violento. Quando não de agressão física, de ofensa ao direito de propriedade consagrado pela Constituição.

A sucessora agora repete o ato de fiança aos renitentes infratores da lei quando os recebe no Palácio no dia seguinte à promoção de um conflito ali mesmo às portas do Planalto. A motivação? Reatar o diálogo com o MST, como se fosse conversa o objetivo de quem invade, depreda e destrói laboratórios de pesquisa.

Dilma retoma, assim, a mecânica conflituosa que Lula resumiu na expressão “nós contra eles” ao dividir o país entre apoiadores patriotas e críticos conspiradores. Não há, pela lógica do governo, opositores. Há inimigos a serem dizimados. O exemplo “de cima” espalhou-se pirâmide social abaixo, contaminou os oposicionistas igualmente enraivecidos e fez da tolerância artigo em extinção.

A ausência de civilidade se generalizou. Não se trocam ideias, altercam-se insultos. Sabem o senhor e a senhora do que anda precisando nosso país? Uma mudança de hábitos. Por exemplo, competência e honestidade são valores a serem bem pesados e medidos na hora da escolha de governantes. Mas se a esses atributos acrescentarmos a familiaridade com bons modos e respeito ao melhor da língua portuguesa, podemos contar com a expectativa do retorno a um país senão ilusoriamente cordial, ao menos minimamente civilizado.

Meia-trava. O voto aberto para cassações de mandatos de parlamentares é providência merecedora de todas as homenagens recebidas. Convém, contudo, confiar desconfiando. Levar em conta o outro lado da moeda e aguardar para conferir se não vai diminuir consideravelmente o número de casos de pedidos de punição por quebra de decoro parlamentar levados ao Conselho de Ética, que chegarão ao plenário. Ou, por outra: como o voto no conselho também é aberto, o travamento pode se dar nas Mesas Diretoras da Câmara ou do Senado. As bancadas dos partidos também se esforçarão para impedir que seus deputados e senadores sejam alvo de processos de cassação. É uma forma de o Congresso se proteger sem abrir mão do corporativismo.

Militância. A se aceitar a versão do governo de que os críticos à condução do país se dividem entre pessimistas e oposicionistas, fica a dúvida sobre a posição do banco central americano. Se enquadrado na categoria dos pessimistas, não fica claro qual o interesse do negativismo. Classificados no grupo dos eleitoralmente engajados, ficam abertas as apostas sobre o número de eleitores dispostos a votar sob orientação de Mrs. Janet Yellen, presidente do Federal Reserve

O terrorismo da banca sobre o STF - ELIO GASPARI


FOLHA DE SP - 16/02

O Credit Suisse avisa: bancos exageram quando dizem que perderão R$ 150 bi, vale a pena comprar suas ações


No final do ano passado a banca fez uma ofensiva sobre o Supremo Tribunal Federal capaz de dar inveja às tropas do marechal Zhukov durante a Segunda Guerra. Queriam derrubar o pleito dos poupadores tungados nos planos econômicos da época da hiperinflação. Quem tinha mil cruzeiros novos (a moeda de então) na poupança em janeiro de 1989 deixou de receber 204 cruzeiros por causa da mudança do indexador. Esse dinheiro vale hoje R$ 880.

Por mais de uma década a banca fez de tudo, inclusive manobras tenebrosas no Supremo. Quando chegou a hora do julgamento, apareceu um número mágico: se os tungados prevalecessem, os bancos perderiam R$ 150 bilhões e iriam à breca. Outro cálculo falava em R$ 600 bilhões e o procurador-geral do Banco Central chegou a mostrar uma conta de R$ 1 trilhão. Os interesses da banca chegaram a produzir um manifesto de 13 ex-ministros da Fazenda. Cinco signatários tinham em suas biografias a glória de terem copatrocinado a ruína da hiperinflação. Falavam com a autoridade do fracasso.

O julgamento do Supremo foi adiado e recomeçará no fim do mês. A repórter Karin Sato revelou que uma equipe de economistas do Banco Credit Suisse estimou que a pancada da devolução do dinheiro tungado está longe dos R$ 150 bilhões. Ficaria entre R$ 8 bilhões e R$ 26,5 bilhões.

Há um aspecto relevante nessa iniciativa. Ela não se destinou a decifrar arcanas questões do direito, nem a defender o andar de baixo, mas a orientar grandes investidores internacionais. Se houvesse um risco de R$ 150 bilhões, os grandes bancos brasileiros estariam vulneráveis e seria arriscado comprar suas ações. É o contrário. O Credit Suisse informa que "a preocupação com o resultado do julgamento do Supremo Tribunal é exagerada e, a nosso ver, cria uma oportunidade de compra (de suas ações)".

Beleza de situação: banca cria o pânico e, se o Supremo vota com ela, tudo bem. Se acontece o contrário, meia dúzia de maganos do mercado financeiro que conhecem os números alegram-se com a queda do valor da ações, compram-nas e ganham um dinheirinho fácil.

MANTEGA

Pode-se atribuir a Lula tudo o que a doutora Dilma faz ou deixa de fazer, mas não se deve botar na conta de Nosso Guia a manutenção de Guido Mantega no Ministério da Fazenda.

Ele não defende sua permanência nem sua saída. Simplesmente já mostrou à doutora que deveria fazer o que achasse melhor.

PALPITE

É possível, apenas possível, que a Comissão Nacional da Verdade leve em conta um sinal de fumaça visto no céu por alguns de seus membros.

Os comandantes militares produziriam um documento reconhecendo a prática de crimes durante a ditadura. A iniciativa é despicienda, visto que os crimes estão perfeitamente documentados, mas teria a virtude de tirar dos ombros da cúpula militar do século 21 uma cumplicidade continuada com delitos ordenados, estimulados e louvados pelos hierarcas do século 20. Ao calar sobre a tortura e os assassinatos, os atuais comandantes comportam-se como se o presidente do Banco Central não tratasse da hiperinflação na história da instituição.

Além desse reconhecimento, seriam abertos ao público novos documentos. A ver.

Em troca, seria deixado de lado o tema da mudança na Lei da Anistia de 1979, que protegeu torturadores e assassinos. Só estão vivos oficiais que, à época, eram, no máximo, majores. Os generais que puseram a roda em movimento nada têm a temer, pois morreram.

Ademais, para que a Lei da Anistia seja mudada, seriam necessários o apoio do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, coisa difícil de acontecer.

LEWANDOWSKI PISCOU

A História é uma trapaceira. Às vezes passa na porta da biografia de uma pessoa e ela não percebe. Na quarta-feira, o ministro Ricardo Lewandowski presidia a sessão do Supremo Tribunal Federal quando a multidão convocada pelo MST colocou-se diante do prédio. Temendo uma invasão, suspendeu a sessão e foi para seu gabinete. Nenhum manifestante entrou no tribunal.

A biografia do ministro seria outra se tivesse outra atitude e dissesse: "Ninguém neste país interrompe uma sessão do Supremo Tribunal. Prossigamos". A doutora Dilma, alertada, transferiu sua agenda do Planalto para o Alvorada.

Faz tempo, Juscelino Kubitschek dizia que a capital devia ir para o cerrado goiano porque um quebra-quebra de bondes no Rio era suficiente para sitiar o governo. Com exemplos como os de Lewandowski e da doutora, um dia a capital vai para Roraima.

AVANÇOS SOCIAIS

Durante o governo de Lula o ministro Fernando Haddad anunciou a criação do Enem, que ofereceria à garotada dois exames por ano. A novidade diluiria a tensão que obriga milhões de jovens a jogar um ano de suas vidas num só exame. Em 2012 uma portaria do MEC oficializou a melhoria e, em 2013, a doutora Dilma reiterou o compromisso. Cadê? Ao assumir o Ministério da Educação, o doutor José Henrique Paim informou que a realização do segundo exame está fora de questão. Sobrou a lorota.

Haddad, por sua vez, está na Prefeitura de São Paulo, onde sua administração cortou a cota de lápis dos alunos das escolas públicas de seis para quatro.

Gestão de avanços sociais é isso aí.

PAIM NADA TEVE A VER COM O SURTO HISTÉRICO

Estava errada a informação segundo a qual o senador Paulo Paim (PT-RS) é o autor do projeto que tipifica os crimes de terrorismo com uma definição ambígua e penas mínimas superiores àquelas impostas pela Lei de Segurança Nacional da ditadura. Há dois projetos em andamento no Senado. Um é do senador Pedro Taques (PDT) e outro de Romero Jucá (PMDB).

Paim nada tem a ver com eles. Pelo contrário, uma iniciativa sua retarda a votação dos projetos. O senador Jorge Viana (PT-AC) propôs que eles fossem discutidos logo e pediu "um entendimento de líderes" para pôr "em apreciação já, no plenário, essa matéria".

Felizmente isso ainda não aconteceu e o presidente do PT, Rui Falcão, dissociou o partido da iniciativa, contrariando a doutrina dos autores da Lei de Segurança da ditadura.

Enquanto o Senado teve um surto de histeria, veio do secretário de Segurança do Rio uma proposta que racionaliza o debate. Em vez de criar fantasmas, é um texto básico que trata de coisas elementares. Proíbe mascarados, muda alguns dispositivos do Código Penal e repete leis já existentes. Fica faltando na proposta de Beltrame algo que responsabilize sua polícia por agressões a manifestantes. Por exemplo: jogar gás de pimenta nos outros como se os seus PMs fossem propagandistas de perfume. Nunca será demais lembrar que o governador Sérgio Cabral não mexeu nas tarifas dos transportes sob sua jurisdição.