FOLHA DE SP - 16/02
Em 2003, país também vivia surto de retórica histérica sobre 'desordem social' e 'crise institucional'
"CAOS SOCIAL" era a conversa de quase todo mundo em meados de 2003, pelo menos de "todo mundo" das classes "formadoras de opinião", ainda minoritárias, pois não havia "redes sociais" de internet.
Era a metade do primeiro ano do governo Lula. Em agosto de 2003, esta Folha fazia uma enquete com figuras públicas a respeito do zum-zum de então. O texto iniciava assim:
"Onde alguns enxergam sinais de desordem social ou até de risco de crise institucional no país, outros veem apenas alarmismo retórico e reação exagerada a pressões e conflitos de interesses que fazem parte da rotina democrática".
O que se passava?
Havia um novo surto de invasões de terras pelo MST, que anunciava que faria a reforma agrária "no tapa", que o número de famílias acampadas passaria de 110 mil para 1 milhão e que expulsaria "sem explicações" os fazendeiros de suas terras.
O pessoal do Movimento dos Sem Teto, variantes e precursores, invadira meia dúzia de prédios do centro paulistano, um terreno da Volks em São Bernardo, acampava diante de empresas estatais de habitação e fazia passeatas pequenas por bairros ricos da cidade, causando menos efeito que os falecidos rolezinhos.
Pastorais sociais católicas davam trela e apoio aos sem-terra e aos sem-teto, que contavam ainda com uma forcinha de partidos nanicos de extrema-esquerda e "punks", talvez tios dos black blocs.
Servidores federais faziam greve e passeatas de 30 mil, 60 mil pessoas. Protestavam contra a reforma da Previdência deles. Um dia, "vândalos infiltrados" nessas passeatas depredaram o Congresso. Noutro, houve tumulto de servidores na Câmara, que chamou a PM, na época um escândalo.
Haveria "infiltrados" nas manifestações? Manipulação política? Assim especulavam governo e oposição, "esquerda" e "direita".
"Não tem risco nenhum. No Brasil, nunca faltou quem quisesse fazer terrorismo por pouca coisa", dizia Lula à Folha, em agosto.
No entanto, o clima estava mesmo tenso. Havia o teatro social das ruas, algum drama raivoso contra a vitória do PT e tragédia econômica.
A renda per capita de 2003 era quase a mesma de 1997, mas, para piorar, o país era ainda mais pobre e desigual do que agora. O desemprego rondava os 12%, ante os 5% de 2013. A massa salarial, o total dos salários pagos, caía mais de 10% nas regiões metropolitanas.
Em agosto daquele ano, o consumo caía mais de 4%, em termos anuais. Em 2013, pior ano desde então, o consumo cresceu mais de 4%.
No fim de maio de 2003, já sentindo a chapa quente, Lula discursaria assim em fábrica da Ford: "Como diria meu lado musical, estamos afinando a orquestra. Logo, logo, o espetáculo do crescimento vai começar". Fracassara o Fome Zero, o Bolsa Família era embrionário.
Sem que ninguém prestasse muita atenção, na época, o país voltaria a crescer logo depois do "caos social". Na verdade, até o final de 2006 quase ninguém perceberia muito bem que o país entrara num surto de crescimento.
Em setembro, o "caos social" minguara. O assunto morreu esquecido mais ou menos na mesma época.
O que a situação de agora tem a ver com a de 2003? Nada, afora a histeria, oportunismos reacionários e a retórica inflada de burrices.
Em 2003, país também vivia surto de retórica histérica sobre 'desordem social' e 'crise institucional'
"CAOS SOCIAL" era a conversa de quase todo mundo em meados de 2003, pelo menos de "todo mundo" das classes "formadoras de opinião", ainda minoritárias, pois não havia "redes sociais" de internet.
Era a metade do primeiro ano do governo Lula. Em agosto de 2003, esta Folha fazia uma enquete com figuras públicas a respeito do zum-zum de então. O texto iniciava assim:
"Onde alguns enxergam sinais de desordem social ou até de risco de crise institucional no país, outros veem apenas alarmismo retórico e reação exagerada a pressões e conflitos de interesses que fazem parte da rotina democrática".
O que se passava?
Havia um novo surto de invasões de terras pelo MST, que anunciava que faria a reforma agrária "no tapa", que o número de famílias acampadas passaria de 110 mil para 1 milhão e que expulsaria "sem explicações" os fazendeiros de suas terras.
O pessoal do Movimento dos Sem Teto, variantes e precursores, invadira meia dúzia de prédios do centro paulistano, um terreno da Volks em São Bernardo, acampava diante de empresas estatais de habitação e fazia passeatas pequenas por bairros ricos da cidade, causando menos efeito que os falecidos rolezinhos.
Pastorais sociais católicas davam trela e apoio aos sem-terra e aos sem-teto, que contavam ainda com uma forcinha de partidos nanicos de extrema-esquerda e "punks", talvez tios dos black blocs.
Servidores federais faziam greve e passeatas de 30 mil, 60 mil pessoas. Protestavam contra a reforma da Previdência deles. Um dia, "vândalos infiltrados" nessas passeatas depredaram o Congresso. Noutro, houve tumulto de servidores na Câmara, que chamou a PM, na época um escândalo.
Haveria "infiltrados" nas manifestações? Manipulação política? Assim especulavam governo e oposição, "esquerda" e "direita".
"Não tem risco nenhum. No Brasil, nunca faltou quem quisesse fazer terrorismo por pouca coisa", dizia Lula à Folha, em agosto.
No entanto, o clima estava mesmo tenso. Havia o teatro social das ruas, algum drama raivoso contra a vitória do PT e tragédia econômica.
A renda per capita de 2003 era quase a mesma de 1997, mas, para piorar, o país era ainda mais pobre e desigual do que agora. O desemprego rondava os 12%, ante os 5% de 2013. A massa salarial, o total dos salários pagos, caía mais de 10% nas regiões metropolitanas.
Em agosto daquele ano, o consumo caía mais de 4%, em termos anuais. Em 2013, pior ano desde então, o consumo cresceu mais de 4%.
No fim de maio de 2003, já sentindo a chapa quente, Lula discursaria assim em fábrica da Ford: "Como diria meu lado musical, estamos afinando a orquestra. Logo, logo, o espetáculo do crescimento vai começar". Fracassara o Fome Zero, o Bolsa Família era embrionário.
Sem que ninguém prestasse muita atenção, na época, o país voltaria a crescer logo depois do "caos social". Na verdade, até o final de 2006 quase ninguém perceberia muito bem que o país entrara num surto de crescimento.
Em setembro, o "caos social" minguara. O assunto morreu esquecido mais ou menos na mesma época.
O que a situação de agora tem a ver com a de 2003? Nada, afora a histeria, oportunismos reacionários e a retórica inflada de burrices.