domingo, 6 de outubro de 2013

Solidariedade equivocada - HENRIQUE MEIRELLES


FOLHA DE SP - 06/10

A saída da USP da relação das 200 melhores universidades do mundo carrega forte conteúdo simbólico. Nosso grande desafio é o aumento da produtividade, e não avançaremos com universidades e escolas que não deem aos estudantes condições de atingir o desempenho das economias mais competitivas.

Os EUA, maior economia do mundo, têm 77 universidades entre as 200. E não porque o país é rico --o país é rico porque investe em educação. A segunda maior economia do mundo, a China, expandiu o investimento em educação em dimensão sem paralelo na história recente. Mesmo centrando gastos no ensino fundamental, ela conta hoje com 350.000 profissionais com curso de mestrado e doutorado nas melhores universidades do mundo. O Japão, terceira maior economia, tem história de excelência educacional baseada numa cultura que dá enorme valor à educação.

Os países que valorizam a educação, o professor e o desempenho escolar têm como consequência provada o aumento de produtividade, que gera o crescimento da riqueza.

O processo de melhora da educação é virtuoso. Não só avança o desempenho de cada profissional, mas a qualidade das decisões em todos os níveis, inclusive na estrutura política, dado o maior acesso à informação. A Coreia do Sul, por exemplo, tinha renda per capita menor que a do Brasil. Hoje, após choque de educação, sai do grupo dos emergentes para entrar no de países desenvolvidos. Disciplina na escola e desempenho acadêmico são parte fundamental da cultura coreana. Em muitos aspectos, o que ocorre na Coreia do Sul é o oposto do que ocorre no Brasil. Aqui, tivemos uma relativização do desempenho escolar que gera até discriminação dos melhores estudantes.

Participei de experiência sintomática numa universidade brasileira. Um professor estrangeiro deu aos próprios alunos o poder de decidir as notas, repartindo determinado número de pontos entre os com melhor e os com pior desempenho. Ficou chocado quando a decisão do grupo foi dar nota média a todos, reflexo da grande dificuldade de premiar o melhor e penalizar o pior, uma visão errada de solidariedade.

Para elevar a produtividade, crescer mais e garantir entrada no grupo de países de alta renda, o Brasil precisa perseguir a excelência na educação. Não é só o total do investimento que importa, mas a melhora da qualidade e a busca da excelência acadêmica, que passam pela valorização do professor e do desempenho escolar.

É fundamental levar a sério a queda da USP, e não só atenuá-la questionando critérios. Que sirva como alerta para a necessidade de mudança de cultura, no sentido de demandar cada vez mais desempenho dos alunos e qualidade dos professores.

Gente, o capital maltratado - CLÓVIS ROSSI


FOLHA DE SP - 06/10

Relatório sobre recursos humanos coloca o Brasil em posição ruim de gigante sem qualidade


O Brasil não trata bem seu capital humano. É o que aparece nitidamente no "Relatório de Capital Humano", que acaba de ser divulgado pelo Fórum Econômico Mundial, a entidade que promove, todo janeiro, os encontros de Davos.

O Brasil fica no 57º lugar entre 122 países. Já é um resultado ruim, se se considerar que o país está entre as oito maiores economias do mundo. Quer dizer que tem tamanho, mas não tem qualidade.

Piora as coisas saber que países de bem menor desenvolvimento relativo ficam à frente do Brasil, casos de Costa Rica (35º), Chile (36º), Panamá (42º) e Uruguai (48º), sem falar em Barbados, país caribenho que, na 26ª posição, é o mais bem situado na América Latina/Caribe.

Para fechar o círculo negativo, o que afunda a posição brasileira é educação, um dos quatro pilares que constituem o levantamento. Nesse quesito, que recolhe indicadores quantitativos e qualitativos de todos os três níveis de ensino, o Brasil fica em obsceno 88º lugar.

É claro que sempre cabe um pouco de desconfiança desse tipo de ranking. Mas, no caso do "Capital Humano", parece um sólido compêndio de 51 indicadores, com aparente pouca margem para subjetividade (a íntegra pode ser consultada em www.weforum.org).

Ainda mais que os três primeiros colocados (Suíça, Finlândia e Cingapura) são de fato países em que o capital humano é empoderado, se o leitor me permite usar um termo de que não gosto, mas que entrou na moda.

O objetivo do relatório, diz o Fórum em sua apresentação, é "fornecer uma panorâmica holística e de longo prazo sobre como os países alavancam seu capital humano e estabelecem forças de trabalho que estejam preparadas para as demandas de economias competitivas".

O Fórum leva em conta que "o capital humano de uma nação --as habilidades e capacidades das pessoas postas para uso produtivo-- pode ser um determinante mais importante para seu sucesso econômico a longo prazo do que virtualmente qualquer outro recurso".

Se essa definição está correta, o Brasil está mal preparado, em todos os quatro pilares, que são "saúde e bem-estar" (49º lugar), "força de trabalho e emprego" (45º) e no ambiente para a força de trabalho, ou seja, a moldura legal, a infraestrutura e outros fatores que permitam retorno em capital humano, item em que ocupa o 52º lugar.

Vale observar que, na capa em que a revista "The Economist" faz implodir o foguete Brasil que ela própria lançara aos céus há um par de anos, fatores relativos a capital humano (educação em primeiro lugar) também eram apontados como responsáveis pelo suposto (ou real?) fracasso do Brasil.

Não adianta, portanto, ironizar a "Economist", como fez a presidente Dilma Rousseff, por mais que os problemas conjunturais que ela aponta sejam de fato exagerados, pelo menos do meu ponto de vista.

O fato é que o Brasil tem problemas estruturais que o amarram ao solo faz gerações.

Não é culpa de Dilma ou só de Dilma, mas está na hora de encará-los em vez de chutar o espelho que os mostra.

Retratinho do Brasil - VINICIUS TORRES FREIRE ( ou na boca do estômago da Pnad)


FOLHA DE SP - 06/10

Apesar da boa notícia da alta da renda em 2012, vale notar as perversidades registradas na Pnad


1. O "BRASIL MELHOROU" nos últimos 19 anos, blá-blá-blá. Mas o Brasil ainda é um país ruim, um dos dez mais desiguais e violentos do mundo, mal-educado e, na sua classe de renda, um dos mais perversos. Portanto, ao menos uma vez por ano, assim como a gente faz promessas no dia 31 de dezembro, vale lembrar algumas dessas perversidades. A recém-publicada Pnad, a grande pesquisa sobre as condições de vida no país, pode servir de Réveillon social.

2. Mais de um terço dos brasileiros que trabalhava em 2012 ganhava menos de um salário mínimo.

3. Se a gente leva em conta a renda por cabeça em cada casa, verifica-se que em metade dos domicílios o rendimento mensal médio era de R$ 359 por pessoa. Coma-se, vista-se, estude-se e durma-se com um dinheiro desses.

3. O rendimento médio no Nordeste ainda é apenas 56,6% do rendimento médio no Sudeste. Melhorou, blá-blá-blá. Em 2004, a proporção era pior, de apenas 50,4%. Nesse ritmo, levaríamos 40 anos para igualar as rendas, o que não vai acontecer nem com boa vontade e inteligência. Mas a projeção ilustra a disparidade perversa.

4. O número médio de anos de estudo das pessoas de mais de dez anos no Nordeste é de 6,4. No Sudeste, 8,2 anos. Não é pouca diferença. É brutal. O número médio brasileiro é 7,5 anos. Na pobre e perversa América Latina, estamos na zona do rebaixamento.

5. A gente pode dizer que as novas gerações não vão tão mal de anos de escola, tudo bem. O pessoal de 24 a 29 anos, por exemplo, tem em média 10,6 anos de estudo no Sudeste: dá quase para completar o colegial. Trata-se da turma que nasceu em tempo de pegar a universalização da frequência à escola, incentivada no primeiro governo FHC, diga-se. Ainda assim, a média nacional do pessoal dessa idade é 9,9 anos; no Nordeste, 8,8. Isto é, a desigualdade regional na educação diminui, mas ainda é bruta.

6. Sim, houve boa notícia na pesquisa. A renda média real dos brasileiros cresceu uns 8% de 2011 para 2012, na medida da Pnad. Mas, na medida do PIB per capita, o crescimento em 2012 foi zero. Em tese, as taxas deveriam ser muito parecidas. Economistas ainda estudam o mistério.

7. Há quem atribua o avanço da renda (Pnad) de 2012 ao aumento do salário mínimo. Poderia até ser. Mas isso ainda não explica a diferença da Pnad em relação aos dados do PIB. Não explica muita coisa. Sim, a renda nominal (inflação mais aumento real) subiu uns 14% pela Pnad, mais ou menos o reajuste do mínimo em 2012. O mínimo também reajusta aposentadorias, outros benefícios sociais e serve de referência para outras faixas salariais, num efeito dominó. Mas o dominó vai parando quanto maior é a renda: salários mais altos têm o mínimo como vaga referência.

8. Isto posto, note-se que em 2012 a renda nominal dos mais ricos (1% dos domicílios no topo) subiu 23% (25% de todo aumento da renda das famílias brasileiras foi para esse 1%). A renda dos 5% mais ricos cresceu 15% (34,5% do aumento da renda total foi para esse 5%). A renda dos 10% mais ricos cresceu quase 15% (esses ficaram com 42,6% do aumento da renda). Difícil acreditar que a indexação do salário mínimo tenha escalado toda a alta e íngreme pirâmide social brasileira.