sexta-feira, 21 de junho de 2013

Protestos - de onde vêm e para onde irão


21 de junho de 2013 | 2h 20

WASHINGTON NOVAES *
Ao mesmo tempo que se amiúdam na comunicação análises preocupadas com a situação econômica do País, vão-se tornando mais frequentes também manifestações populares de inconformismo e desapreço por governos, de protesto contra preço e qualidade de transportes, custo de vida, insatisfação com a saúde e educação ou ainda por causa do custo de construção de estádios de futebol. Que significado político mais amplo podem ter? Muitos, certamente. Mas índices de inflação e custos de alimentos têm tido presença importante.
Índices de inadimplência de famílias perante o sistema financeiro podem ser, por isso, um dos indicadores, já que em abril (Estado, 11/5) atingiram 7,6%. Já a porcentagem de famílias endividadas subiu, em maio, para 57,1%, a maior desde 2006. E 19,5% delas tinham mais de 50% da renda comprometido com dívidas. Os calotes no sistema bancário subiram para 19,5% em abril. Essa é uma das razões para o índice de confiança do consumidor haver baixado uns 6% desde abril do ano passado.
Segundo artigo de Amir Khair neste jornal (16/6), "o que causou a inflação foram os alimentos in natura", cujo preço cresceu 53% nos últimos 12 meses, inclusive por motivos climáticos (onde nos faltam políticas adequadas). Mas não apenas por isso. Diz a Organização para Alimentação e Agricultura da ONU (FAO) que é alta a perda de áreas plantadas com alimentos no mundo por causa do alto custo dos agrotóxicos e da produção em geral (25/3). No Brasil, arroz e feijão já perderam 50% das áreas plantadas há 25 anos (Folha de S.Paulo, 7/4). O feijão, inclusive por causa da seca no Semiárido, teve a produção reduzida em 7%. E agora os preços subiram 20% em um ano.
Tudo isso pesa muito num país que, embora tenha reduzido a pobreza por meio de programas como o Bolsa Família, de até R$ 70 mensais por pessoa, ainda tem estas e milhões de outras vivendo abaixo da linha da pobreza, que segundo a ONU é de US$ 1,25 (cerca de R$ 2,50) por dia, ou R$ 75 por mês, por pessoa. E nas palavras do papa Francisco (Estado, 2/5), "viver com 38 (pouco mais de R$ 100) por mês é trabalho escravo, vai contra Deus". Em sete regiões metropolitanas a taxa de desemprego nos primeiros meses do ano passou de 10%. E a população ocupada em fevereiro diminuiu 2% (Estado, 29/3). Caíram os índices de ocupação na indústria, na construção e nos serviços (26/4).
Christine Lagarde, dirigente do FMI, chama a atenção (5/6) para o "enfraquecimento da economia mundial em meses recentes". A seu ver, "perde ritmo a expansão econômica dos países emergentes" e no Brasil são "menos brilhantes" as perspectivas de investimentos. Não chega a surpreender. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) adverte (3/5) para os riscos de nova crise bancária na Europa, onde os bancos estão "precariamente capitalizados" e o PIB de 34 países pouco passará de um crescimento de 1% este ano. No Brasil, o superávit nas contas externas, de US$ 1,6 bilhão em 2007, recuou para um rombo de US$ 54,2 bilhões em 2012 (Panorama Econômico, 9/6). Por tudo isso, não são otimistas as projeções do mercado financeiros para o crescimento econômico este ano, juntamente com um "rombo externo" recorde e taxas de juros altas.
É inevitável, assim, retornar à crise econômico-financeira externa e às perguntas que vem suscitando nos últimos anos: quem pagará o custo astronômico das "bolhas financeiras" que explodiram, os bancos ou a sociedade (por meio da redução dos programas sociais e da alta do desemprego)? As classes de maior renda ou as menos favorecidas? Esses custos se limitarão aos países industrializados ou eles também tentam e tentarão repassá-los aos demais? Como tudo isso se traduzirá nos países fora da Europa e da América do Norte?
O desemprego nos EUA continua alto para padrões norte-americanos (7,6%). A crise de 2008 "deixou um déficit de 14 milhões de empregos no mundo, segundo a Organização Internacional do Trabalho; somados aos 16,7 milhões de jovens que chegarão ao mercado de trabalho em 2013, o déficit global será de 30,7 milhões de empregos" (Agência Estado, 4/6). Na Europa, o desemprego já está em 12,2%, ou 19,37 milhões de pessoas. Entre os menores de 15 anos, num recorde de 24,4% - 1 em 4 jovens desempregado; na Espanha, total de 26,7%; Portugal, 17,5%; Grécia, quase 27% (entre jovens, 64%). Não por acaso, 1 milhão de pessoas migraram da Europa desde 2008, o maior êxodo em meio século. Ainda assim, 40 milhões de pessoas no mundo ascenderão à classe C (6/4), o que aumentará o consumo e, certamente, terá reflexos nos preços, principalmente de alimentos.
É preciso dar atenção especial, no Brasil - pelas características da população -, ao quadro dos alimentos. Os preços dos insumos usados na agropecuária, controlados por um cartel global de fabricantes, estão em forte alta e o País é o maior consumidor mundial. O dos herbicidas subiu 71,1%; o dos inseticidas, 66,4%; e o dos fungicidas, 55,3% (IBGE, 13/5). Consumimos mais de 1 milhão de toneladas em 2010, segundo a Anvisa. Cerca de 1/5 do consumo mundial.
É fundamental ter muita atenção nessa área. Inclusive porque os protestos e manifestações de insatisfação recentes mostram que chega também a nós o caminho observado em muitos países da África e do Oriente Médio, de movimentação política não comandada por partidos, e, sim, por redes sociais - sem projetos políticos claros e definidos. Se não reorientarmos nossas políticas - que insistem num desenvolvimentismo à outrance (que inclui, por exemplo, incentivos bilionários à fabricação de automóveis que ninguém sabe onde poderão trafegar), conjugado com heranças da política externa concebida na década de 1960 -, certamente teremos pela frente momentos muito difíceis. Ainda mais com a grande maioria da corporação política praticamente descolada da sociedade, voltada para os interesses diretos de seus membros.
* WASHINGTON NOVAES É JORNALISTA. E-MAIL:

Sra. Rousseff, alguma coisa acontecendo


21 de junho de 2013 | 2h 21

FERNANDO GABEIRA *
Alguma coisa está acontecendo e eu não sei exatamente o que é. Antes dos conflitos de rua no Brasil, recebi o livro de Manuel Castells Redes de Indignação e Esperança. Castells é professor numa universidade da Califórnia e dedica-se ao estudo das redes e sua importância neste início do século. Examinou a Primavera Árabe, o Occupy Wall Street, o movimento dos indignados na Espanha e o caso da Islândia.
Antes mesmo desses movimentos, Castells via nas redes o caminho por meio do qual uma nova geração de ativistas buscaria mudança política fora do alcance dos métodos habituais de controle político e econômico. Segundo Castells, esses movimentos são mais voltados para explorar o sentido da vida do que para conquistar o Estado capitalista.
Essa observação é, para mim, curiosa. Nos anos 60, alguns, como eu, transitaram do existencialismo para o marxismo. Agora, o existencialismo parece estar de volta. De novo, uma parcela da juventude sai em busca do sentido: conectar as mentes, criar significados, contestar o poder é a frase que Castells utilizou para sintetizar o programa dessas redes.
Se isso é verdadeiro para o Brasil, os R$ 0,20 de aumento dos ônibus foram apenas um dos pretextos para expressar a revolta. E os grupos da esquerda clássica, apesar de seu estardalhaço, funcionam aí apenas como aquelas lavagens na pedra que dão aparência de velho ao jeans que acaba de ser fabricado.
Criar significados em política significa também colocá-los na mesa para o debate. Não posso, por exemplo, condenar o Movimento Passe Livre porque no passado apoiei a tese do fim do passaporte no mundo. Até que me deparei com a gigantesca realidade da imigração internacional. A inquietação com o transporte coletivo pode ser existencialmente resolvida com a palavra de ordem passe livre. Mas apenas ela não muda a realidade dos que usam ônibus no Brasil.
O preço é amparado no aumento da inflação, que não deveria ser a única referência. Conforto, pontualidade, respeito ao usuário, condições de trabalho dos motoristas, tudo precisa ser monitorado. Mas existe uma cumplicidade histórica de vereadores e deputados com as empresas de ônibus. No Rio de Janeiro, por anos, houve até pagamento mensal na Câmara. Mensalinho, mensalão, olha pro céu olha pro chão.
Lutar só pelo passe livre nos remete a um ônibus utópico. O que fazer com pessoas esgotadas depois de um dia de trabalho? Dizer, ano após ano, "coragem, irmão, o reino de Deus está próximo"?
A única cidade que adotou o passe livre, Porto Real, no Rio de Janeiro, o fez para atrair grandes empresas que queriam se instalar lá: Coca Cola e Citroën Peugeot. Foi um cálculo econômico e eu vou lá para estudar o caso.
Um dos aprendizados mais importantes para a geração que saiu às ruas no passado é o compromisso com a democracia, o que significa rejeitar a tese de que os fins justificam os meios. A violência derruba as melhores intenções. Ela é o inimigo interno que corrói a simpatia popular e acaba esvaziando as ruas. Em alguns lugares do mundo, governos usam provocadores infiltrados para desmoralizar o adversário.
Conselhos são vistos com desprezo num momento como este. Mas a história não começa do zero. Essa presunção é absurda e só tem validade na cabeça do PT, que acredita ter inaugurado o Brasil, em 2003.
Como as inquietações se transformam em mudanças, se a própria timoneira parece perdida? Dilma diz que está tudo maravilhoso, e tome vaia da torcida. O governo trouxe a Copa do Mundo para o Brasil por achar que isso era uma trunfo eleitoral imbatível. Todos os seus defensores afirmam que foi uma condenação da classe média alta. Como se fosse preciso examinar a renda antes de avaliar o peso de um protesto e como se as ruas de todo o País, de São Paulo a São Gonçalo, estivessem tomadas por gente da alta classe média.
É um momento duro para ela. Mas foi o PT que fez baixar o mais pesado manto de cinismo sobre a vida política brasileira. Dilma afirmou um dia que não tem perfil de candidata. Concordo com sua análise. No entanto, foi eleita num período de crescimento econômico, de esfuziantes gastos oficiais e milhões consumidos na máquina de propaganda.
Isaiah Berlin compara as habilidades de um governante às de um motorista que precisa de reflexos porque se vê, constantemente, diante de situações novas e inesperadas. De nada adiantam erudição e conhecimento histórico nem o batalhão de conselheiros. Há uma solidão inescapável no ofício do estadista.
Dilma foi embriagada pela dose de otimismo que o marketing ministrou. Afirma que são terroristas os que alertam para a inflação. Em seguida, diz que o governo vai dar a volta por cima. Segundo a própria canção, só se dá a volta por cima depois de uma queda e de sacudir a poeira.
Ela lançou uma lei de acesso a informações e proíbe os assessores de divulgar dados sobre suas viagens oficiais, hotéis, comitivas, gastos, sobretudo gastos.
Quando a maré baixa, dizem os analistas econômicos, fica evidente quem está nadando nu. Isso vale para os atores políticos nas grandes viradas históricas.
Lula diz que elegeu postes para melhor iluminar o Brasil. Referia-se a Dilma e a Fernando Haddad. É muito poético, até que se descubra a realidade úmida do poste, quando adotado pelos cachorros da vizinhança.
Para mim, o sistema de dominação que transformou a política brasileira num bordel entrou em declínio.
Na Islândia, que é muito pequena para ser um modelo, as revoltas desembocaram numa substituição do governo, numa nova maneira de gastar o dinheiro e numa Constituição moderna, que busca integrar a participação popular, potencializada pela revolução digital.
Alguma coisa está acontecendo no Brasil. Você pode ser contra, a favor ou mesmo ficar em cima do muro. Mas não pode negar a frase de Galileu Galilei: "Eppur si muove" (ainda se move).
* FERNANDO GABEIRA É JORNALISTA. 

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Indexação - ANTONIO DELFIM NETTO


FOLHA DE SP - 19/06

No dia 16/6, a excelente jornalista Raquel Landim, especializada em assuntos econômicos, escreveu nesta Folha um artigo importante, "Obsessão nacional".

Nele, revela uma das jabuticabas da realidade brasileira: a existência de nada menos que 29 índices construídos por quatro instituições (IBGE, FGV, Fipe e Dieese) para medir no tempo, em setores e no espaço a nossa taxa de inflação. São divulgados nas mais diversas frequências. Até índices diários, exclusivos, pagos à FGV pelos interessados por necessidade de ofício.

Por incrível que pareça, a lista já está desatualizada: a Ordem dos Economistas do Brasil relançou, no último dia 7, o seu Índice de Custo de Vida da Classe Média (ICVM), que inclui 468 bens e serviços.

Se a confusão fizesse sentido, poderíamos dizer que o brasileiro é o cidadão mais bem informado e atualizado do mundo sobre a taxa de inflação. Há aqui, entretanto, um problema trágico. Como a taxa de inflação é uma espécie de radiador que dissipa o calor dos atritos produzidos pelo mau uso dos fatores de produção, o desperdício de tempo e recursos para construir essa multiplicidade de medidas é, ele mesmo, uma causa infinitesimal da inflação!

O artigo chama a atenção para o fato de que, "na Austrália, a inflação é divulgada uma vez a cada três meses". Talvez esta seja uma pequena causa para ajudar a explicar por que lá a taxa de inflação anda às voltas de 2,4% e, no Brasil, ela teima em rodar no limite superior da meta, 6,5%.

Uma das poucas afirmações seguras sobre a taxa de inflação é a de que a inflação de 2013 será igual à "expectativa" de inflação formada pela sociedade, corrigida, positiva ou negativamente, pela política econômica de 2013.

No Brasil, há um fator que mexe com as "expectativas" e, fisicamente, liga a inflação de 2013 à de 2012 de forma inexorável: é o mecanismo de indexação informal e formal do qual não fomos capazes de nos livrar, mesmo com o bem-sucedido Plano Real.

O ilustre e competente professor de econometria da FEA-USP, José Tiacci Kirsten, fez uma análise (ainda não publicada) do novo índice, onde mostra que os bens e serviços indexados representam 36,1% do peso no índice geral. No exercício feito com o mês de maio, 451 dos 468 preços apurados têm alguma forma de indexação (pelo salário mínimo, por sindicatos, pelas administrações públicas, por índices de preços anteriores e "tutti quanti"), o que mostra o pequeno papel do mercado.

O prof. Kirsten conclui que, no "núcleo duro da inflação, cerca de 90% é representado pelos preços dos bens e serviços indexados, o que gera uma inflação inercial cuja barreira será difícil de transpor".