quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Governo de SP veta 90% dos projetos aprovados pela Assembleia


Daiene Cardoso, da Agência Estado
Enquanto a Câmara Federal tem em pauta mais de 3 mil vetos presidenciais para analisar, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) coleciona uma lista de 621 projetos vetados ao longo dos anos pelo Executivo e que não têm perspectiva de serem apreciados pelos parlamentares. Apesar de serem submetidas a todos os trâmites legislativos, incluindo a aprovação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) - responsável pelo estudo da viabilidade técnica do projeto de lei -, cerca de 90% das proposições aprovadas na Casa não passam pela sanção do governador por inconstitucionalidade. Na opinião de alguns analistas, a Assembleia se torna "submissa" ao deixar de apreciar os vetos para não se indispor com o Executivo.
"A inconstitucionalidade carrega subjetividade. Isso é indiscutível, fosse diferente não teríamos Adins (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) e a própria possibilidade de derrubarmos os vetos. Assim, sempre que conveniente, o governo veta sob tal justificativa e desagrada a parte dos parlamentares", comentou o cientista político Humberto Dantas. "Lembremos, no entanto, e a exemplo do Congresso, que o Legislativo tem sempre a última palavra. E nesse caso, podendo derrubar o veto, por que não o faz? Simples: para não desagradar ao Executivo. Mas por que não desagradar se existe algo errado? Porque o legislador tem no governo uma série de benefícios que não deseja perder: cargos, verbas etc. Têm pouca relevância a CCJ e seu parecer de constitucionalidade", disse o analista.
Com uma pauta recheada de vetos (alguns dos projetos são de 1997), a bancada do PT pretende pressionar o próximo presidente da Casa para discutir em plenário as proposições vetadas. "A gente não tem oportunidade de discutir o veto. Nessa legislatura nunca se votou nenhum veto. Faz muitos anos que não se apreciam vetos", reclamou o deputado estadual Alencar Santana (PT). "O processo legislativo não se fecha se não apreciarmos os vetos. Está faltando essa última etapa", acrescentou.
O deputado cita como exemplo o projeto de lei 122 (de 2005), de autoria do também petista Antonio Mentor, que "obriga as lanchonetes e similares, instaladas nas escolas de ensino fundamental e médio, a seguirem padrões técnicos de qualidade nutricional que assegurem a saúde dos consumidores". Alencar ressalta um parecer de 2012 do relator especial pela Comissão de Justiça e Redação, favorável ao projeto que prioriza a saúde dos alunos da rede estadual, e critica o argumento para o veto. "O governador alegou que a Assembleia infringiu a competência do Executivo, mas o que o deputado quis foi restringir esses produtos. A Assembleia tem responsabilidade sobre o assunto e sua opinião reflete a opinião da população também", disse.
O petista afirma que os projetos aprovados na Assembleia têm base jurídica e são de interesse da população, mas ao barrá-los o Executivo acaba "desrespeitando" o Legislativo. "A partir de uma interpretação constitucional, o governador fundamenta uma vontade política", acredita o deputado. Santana lembra que o governo tem maioria na Casa e acaba impondo seus interesses, conseguindo também limitar o espaço para a votação dos projetos dos parlamentares. "A pauta fica à mercê do que o governador quer", criticou.
O atual presidente da Assembleia, o tucano Barros Munhoz, admitiu que os projetos de interesse do Executivo são priorizados, uma vez que o governo tem maioria na Casa. "É lógico que prevalecem os projetos de interesse do Executivo, é assim em qualquer Parlamento do mundo. É o jogo da política", respondeu o deputado, comparando o equilíbrio de forças na Assembleia paulista com a Câmara dos Deputados, onde o governo federal tem maioria parlamentar.
Limitações. Munhoz destacou que Legislativo sofre um processo de enfraquecimento, uma vez que 90% dos projetos só podem ser propostos pelo Executivo - parlamentares são impedidos de apresentar projetos que aumente ou reduza a receita, por exemplo. "O Legislativo é castrado", afirmou. O próprio governo estadual sofre limitações para propor projetos de lei, já que
90% destes, ressalta Munhoz, são de prerrogativa da União. "Tudo é privativo da União", emendou. O deputado disse que "a pauta da Assembleia está rigorosamente em dia" e que é difícil colocar os vetos em votação por "falta de consenso" entre os líderes. "Milagre não consigo fazer", afirmou.
Segundo o tucano, torna-se comum o governo estadual declarar a inconstitucionalidade dos projetos aprovados na Assembleia. "90% dos projetos aprovados são vetados e 90% deles são vetados com argumentos sólidos", justificou. De acordo com ele, ao não derrubar os vetos, a Casa evita que os desdobramentos cheguem ao Judiciário através de Adins. "Aí o governo ganha", avaliou.
Inconstitucionalidade. Passado o mês de dezembro - quando a Assembleia votou os projetos de iniciativa dos parlamentares - e o prazo para veto ou sanção das leis, o Diário Oficial trouxe uma nova leva de negativas do governador. A maior parte dos vetos é sustentada pelo argumento da inconstitucionalidade das proposições. "Vejo-me na contingência de vetar a medida em face de sua irremissível inconstitucionalidade", alegou o governador, por exemplo, ao barrar a propositura que regularia a publicidade de alimentos e bebidas pobres em nutrientes. "Vejo-me compelido a negar sanção ao projeto, em face de sua inconstitucionalidade", repetiu o texto do veto ao projeto que criaria o "Espaço Família" em shopping centers e hipermercados.
A coordenadora de projetos de Educação Política da ONG Voto Consciente, Rosângela Giembisnky, afirmou que um estudo da entidade sobre a legislatura anterior apontou que em 4 anos apenas 70 projetos relevantes foram sancionados. "Os índices de veto são muito altos", considerou.
Procurada, a Casa Civil do governo estadual, responsável pela análise dos projetos de lei, destacou a independência dos Poderes e disse que não comentaria a quantidade de projetos aprovados na Assembleia e vetados pelo governador. "A Assembleia Legislativa debate cada projeto e cabe ao governador analisar a sua constitucionalidade para, posteriormente, haver sanção ou veto. As relações do governo com a Alesp e com o Judiciário são respeitosas pelo fato de não haver interferência ou ingerência de um sobre o outro", respondeu a coordenação de Comunicação da Casa Civil.
Rosângela, da Voto Consciente, lembrou que, apesar de a Constituição dar pouca margem de ação para as Assembleias e da sequência de falhas no processo legislativo (o que abre brechas para a aprovação de projetos inconstitucionais), a "banalização" do argumento jurídico utilizado nos vetos precisa ser vencida. "Nosso Legislativo é muito fraco. Nós temos uma Assembleia submissa e um governo autoritário. Os deputados precisam votar isso sim, eles precisam enfrentar a questão", disse a coordenadora, que acompanha os trabalhos da Casa desde 1993.
"A situação em São Paulo não é muito diferente de uma série de Estados, cidades e da própria União. É praxe e mostra a distância expressiva entre o que se espera de um parlamento e sua real ação", avaliou Humberto Dantas.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

O contrato coletivo nacional - EDITORIAL O ESTADÃO


O contrato coletivo nacional - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 12/02


Em 1975, mais de 85% da produção automobilística brasileira saía do ABC. Duas décadas e meia depois, de cada 100 veículos produzidos no Brasil, apenas 25 são fabricados no ABC. A redução decorreu da decisão das montadoras de cortar custos, transferindo linhas de produção para o Rio Grande do Sul, Paraná, Rio de Janeiro e Bahia - Estados onde a média salarial dos metalúrgicos é mais baixa do que em São Bernardo e São Caetano.

Propiciada pelo avanço da tecnologia, que tornou as fábricas menores e mais flexíveis, essa mudança é chamada de "processo de relocalização industrial" pelos economistas. Com folhas de pagamento menores, as empresas podem reduzir o preço final de seus produtos, o que as torna mais competitivas na disputa pelo mercado. Na Europa, por exemplo, empresas inglesas e francesas transferiram fábricas para o Leste Europeu. Na França o salário mínimo é de 1,3 mil euros, enquanto na Eslováquia não passa de 120 euros.

No Brasil, o exemplo mais recente da "relocalização industrial" está ocorrendo no Vale do Paraíba, onde a General Motors (GM) fechou algumas linhas de produção em São José dos Campos, por causa do radicalismo dos sindicalistas da região. Além de construir uma fábrica de motores em Santa Catarina, a empresa voltou a investir no ABC. Dos 7,5 mil funcionários da GM no Vale do Paraíba, 1,5 mil pode perder o emprego.

Controlado pelo PSTU, um pequeno partido de esquerda radical, o Sindicato dos Metalúrgicos de São José faz reivindicações salariais irrealistas e rejeita a flexibilização da jornada de trabalho proposta pela GM, com a criação do banco de horas. Esse mecanismo é amplamente utilizado por outros setores da economia. Por meio dele, a jornada diminui nos períodos em que as vendas caem e as horas não trabalhadas são repostas nos períodos em que o mercado está aquecido, sem necessidade de contratação de mais operários. O banco de horas permite às empresas ajustar o quadro de pessoal à demanda do mercado.

Para evitar que as montadoras continuem transferindo fábricas para outras regiões do País, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) reivindica um Contrato Coletivo Nacional, com base em cinco cláusulas sociais - auxílio para creche, acesso dos sindicatos ao local de trabalho, formação de comissões de prevenção de acidentes, acompanhamento das demissões por dirigentes sindicais e controle da jornada de trabalho. Elas beneficiariam todas as bases da CUT, independentemente das especificidades regionais. Em Manaus, o piso salarial dos metalúrgicos é 131% menor do que o do ABC. Nesta região, um montador começa ganhando R$ 1.560 ante R$ 716, em Manaus. O salário médio dos metalúrgicos do ABC é de R$ 4,1 mil, enquanto a média nacional é de R$ 3,5 mil.

A CUT representa 30% da categoria, que tem 2,3 milhões de trabalhadores. Sua proposta já será apoiada pela Força Sindical, que representa 1,4 milhão de metalúrgicos. As duas entidades alegam que as cinco cláusulas sociais do contrato coletivo nacional são corriqueiras nas regiões industrializadas, mas não costumam ser consagradas nos dissídios das regiões mais atrasadas.

O principal ponto de resistência das empresas à adoção desse tipo de contrato é salarial. Para as montadoras, não faz sentido adotar entre os metalúrgicos do Nordeste e do Norte os salários pagos no ABC. Por seu lado, a CUT alega que os metalúrgicos do Norte e do Nordeste têm uma jornada de 44 horas - ante a jornada de 40 horas a que estão submetidos 80% dos metalúrgicos do ABC. Também acusam as montadoras de vender carros pelo mesmo preço em todo o País, sem respeitar as diferenças regionais.

Para vencer a resistência patronal, a CUT e a Força Sindical propuseram colocar as cláusulas sociais na frente das cláusulas econômicas, nos próximos dissídios dos metalúrgicos. Mas, como as empresas deixaram claro que veem poucas vantagens no contrato coletivo nacional, as negociações entre as montadoras e os metalúrgicos devem ser difíceis e morosas, mesmo com a CUT atuando em parceria com a Força Sindical.

vaivém da moeda - EDITORIAL FOLHA DE SP


O vaivém da moeda - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 13/02

Um real forte demais decerto prejudica ao menos parte da indústria brasileira, pois barateia a compra de produtos importados.

Um real fraco demais tem efeito inflacionário, pois contribui para elevar ainda mais os preços domésticos. Na média, eles passam a avançar para um nível próximo do teto da meta oficial de inflação (ou 6,5%, uma vez que ela é de 4,5% ao ano, com tolerância de dois pontos percentuais).

A descrição dos efeitos mais simples e imediatos da variação do preço da moeda brasileira demonstra os limites da utilização da taxa de câmbio, apenas, como instrumento para lidar com as dificuldades da economia brasileira.

Alarmado com a pressão sobre os preços brasileiros de um dólar caro, que chegou a quase R$ 2,10, o Banco Central atuou no mercado para fortalecer o real.

Preocupado com a possibilidade de o dólar descer para um patamar próximo de R$ 1,85, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, informou que intervirá de modo a impedir tamanha valorização da moeda brasileira.

Dado este cabo de guerra, o dólar deverá variar em torno de um limite estreito, perto de R$ 2. É o que indica o Ministério do Desenvolvimento, que denominou o modelo de "câmbio vigilante", parente muito remoto do regime flutuante, extinto de fato entre 2011 e 2012.

Na prática, o preço do dólar não depende apenas das vontades do governo brasileiro. A redução dos juros, por exemplo, contribuiu para a desvalorização do real, com a queda na demanda pela moeda brasileira em consequência da saída de investidores estrangeiros (interessados em lucrar com a diferença entre a alta taxa brasileira e as de outros países, baixas).

Seja qual for o determinante da taxa de câmbio, porém, o preço da moeda por si só não é capaz de dar conta das insuficiências da política econômica. Não é possível controlar a inflação quando os juros estão baixos e os gastos são altos, ou tentar baixar custos desvalorizando o real e estimulando altas de salários.

Tais contradições só não resultam imediatamente em problemas críticos devido a remendos como controles de preços disfarçados (combustíveis, transportes públicos urbanos, reduções localizadas de impostos).

Remendos, por definição, são provisórios, assim como será provisório esse equilíbrio precário da nova política econômica. A conta chegará, um dia, por meio de juros mais altos, redução do consumo ou gradual deterioração das condições macroeconômicas do país.