Daiene Cardoso, da Agência Estado
Enquanto a Câmara Federal tem em pauta mais de 3 mil vetos presidenciais para analisar, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) coleciona uma lista de 621 projetos vetados ao longo dos anos pelo Executivo e que não têm perspectiva de serem apreciados pelos parlamentares. Apesar de serem submetidas a todos os trâmites legislativos, incluindo a aprovação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) - responsável pelo estudo da viabilidade técnica do projeto de lei -, cerca de 90% das proposições aprovadas na Casa não passam pela sanção do governador por inconstitucionalidade. Na opinião de alguns analistas, a Assembleia se torna "submissa" ao deixar de apreciar os vetos para não se indispor com o Executivo.
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"A inconstitucionalidade carrega subjetividade. Isso é indiscutível, fosse diferente não teríamos Adins (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) e a própria possibilidade de derrubarmos os vetos. Assim, sempre que conveniente, o governo veta sob tal justificativa e desagrada a parte dos parlamentares", comentou o cientista político Humberto Dantas. "Lembremos, no entanto, e a exemplo do Congresso, que o Legislativo tem sempre a última palavra. E nesse caso, podendo derrubar o veto, por que não o faz? Simples: para não desagradar ao Executivo. Mas por que não desagradar se existe algo errado? Porque o legislador tem no governo uma série de benefícios que não deseja perder: cargos, verbas etc. Têm pouca relevância a CCJ e seu parecer de constitucionalidade", disse o analista.
Com uma pauta recheada de vetos (alguns dos projetos são de 1997), a bancada do PT pretende pressionar o próximo presidente da Casa para discutir em plenário as proposições vetadas. "A gente não tem oportunidade de discutir o veto. Nessa legislatura nunca se votou nenhum veto. Faz muitos anos que não se apreciam vetos", reclamou o deputado estadual Alencar Santana (PT). "O processo legislativo não se fecha se não apreciarmos os vetos. Está faltando essa última etapa", acrescentou.
O deputado cita como exemplo o projeto de lei 122 (de 2005), de autoria do também petista Antonio Mentor, que "obriga as lanchonetes e similares, instaladas nas escolas de ensino fundamental e médio, a seguirem padrões técnicos de qualidade nutricional que assegurem a saúde dos consumidores". Alencar ressalta um parecer de 2012 do relator especial pela Comissão de Justiça e Redação, favorável ao projeto que prioriza a saúde dos alunos da rede estadual, e critica o argumento para o veto. "O governador alegou que a Assembleia infringiu a competência do Executivo, mas o que o deputado quis foi restringir esses produtos. A Assembleia tem responsabilidade sobre o assunto e sua opinião reflete a opinião da população também", disse.
O petista afirma que os projetos aprovados na Assembleia têm base jurídica e são de interesse da população, mas ao barrá-los o Executivo acaba "desrespeitando" o Legislativo. "A partir de uma interpretação constitucional, o governador fundamenta uma vontade política", acredita o deputado. Santana lembra que o governo tem maioria na Casa e acaba impondo seus interesses, conseguindo também limitar o espaço para a votação dos projetos dos parlamentares. "A pauta fica à mercê do que o governador quer", criticou.
O atual presidente da Assembleia, o tucano Barros Munhoz, admitiu que os projetos de interesse do Executivo são priorizados, uma vez que o governo tem maioria na Casa. "É lógico que prevalecem os projetos de interesse do Executivo, é assim em qualquer Parlamento do mundo. É o jogo da política", respondeu o deputado, comparando o equilíbrio de forças na Assembleia paulista com a Câmara dos Deputados, onde o governo federal tem maioria parlamentar.
Limitações. Munhoz destacou que Legislativo sofre um processo de enfraquecimento, uma vez que 90% dos projetos só podem ser propostos pelo Executivo - parlamentares são impedidos de apresentar projetos que aumente ou reduza a receita, por exemplo. "O Legislativo é castrado", afirmou. O próprio governo estadual sofre limitações para propor projetos de lei, já que
90% destes, ressalta Munhoz, são de prerrogativa da União. "Tudo é privativo da União", emendou. O deputado disse que "a pauta da Assembleia está rigorosamente em dia" e que é difícil colocar os vetos em votação por "falta de consenso" entre os líderes. "Milagre não consigo fazer", afirmou.
Segundo o tucano, torna-se comum o governo estadual declarar a inconstitucionalidade dos projetos aprovados na Assembleia. "90% dos projetos aprovados são vetados e 90% deles são vetados com argumentos sólidos", justificou. De acordo com ele, ao não derrubar os vetos, a Casa evita que os desdobramentos cheguem ao Judiciário através de Adins. "Aí o governo ganha", avaliou.
Inconstitucionalidade. Passado o mês de dezembro - quando a Assembleia votou os projetos de iniciativa dos parlamentares - e o prazo para veto ou sanção das leis, o Diário Oficial trouxe uma nova leva de negativas do governador. A maior parte dos vetos é sustentada pelo argumento da inconstitucionalidade das proposições. "Vejo-me na contingência de vetar a medida em face de sua irremissível inconstitucionalidade", alegou o governador, por exemplo, ao barrar a propositura que regularia a publicidade de alimentos e bebidas pobres em nutrientes. "Vejo-me compelido a negar sanção ao projeto, em face de sua inconstitucionalidade", repetiu o texto do veto ao projeto que criaria o "Espaço Família" em shopping centers e hipermercados.
A coordenadora de projetos de Educação Política da ONG Voto Consciente, Rosângela Giembisnky, afirmou que um estudo da entidade sobre a legislatura anterior apontou que em 4 anos apenas 70 projetos relevantes foram sancionados. "Os índices de veto são muito altos", considerou.
Procurada, a Casa Civil do governo estadual, responsável pela análise dos projetos de lei, destacou a independência dos Poderes e disse que não comentaria a quantidade de projetos aprovados na Assembleia e vetados pelo governador. "A Assembleia Legislativa debate cada projeto e cabe ao governador analisar a sua constitucionalidade para, posteriormente, haver sanção ou veto. As relações do governo com a Alesp e com o Judiciário são respeitosas pelo fato de não haver interferência ou ingerência de um sobre o outro", respondeu a coordenação de Comunicação da Casa Civil.
Rosângela, da Voto Consciente, lembrou que, apesar de a Constituição dar pouca margem de ação para as Assembleias e da sequência de falhas no processo legislativo (o que abre brechas para a aprovação de projetos inconstitucionais), a "banalização" do argumento jurídico utilizado nos vetos precisa ser vencida. "Nosso Legislativo é muito fraco. Nós temos uma Assembleia submissa e um governo autoritário. Os deputados precisam votar isso sim, eles precisam enfrentar a questão", disse a coordenadora, que acompanha os trabalhos da Casa desde 1993.
"A situação em São Paulo não é muito diferente de uma série de Estados, cidades e da própria União. É praxe e mostra a distância expressiva entre o que se espera de um parlamento e sua real ação", avaliou Humberto Dantas.
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