segunda-feira, 9 de julho de 2012

Famílias têm de conviver com lodo retirado do Tietê


Cerca de mil moradores de Carapicuíba estão espremidos entre lagoa com detritos do rio, antigo lixão e estação de transbordo

08 de julho de 2012 | 3h 02
ARTUR RODRIGUES - O Estado de S.Paulo
Uma favela tóxica. Assim pode ser definida a comunidade do Porto de Areia, na Grande São Paulo. Os cerca de mil moradores estão espremidos entre a Lagoa de Carapicuíba, que recebe os detritos retirados no desassoreamento do Rio Tietê, um antigo lixão e uma estação de transbordo de lixo.
Descalças, crianças fazem do solo contaminado seu quintal. O chorume brota do chão dos barracos. A água da lagoa, que também recebe esgoto da cidade, avança sobre as moradias próximas das margens. Doenças respiratórias, de pele e intestinais já fazem parte da rotina dos moradores, assim como a convivência com ratos e baratas.
A lagoa, feita artificialmente após décadas de escavações para retirada de areia por mineradoras, voltou a receber o lodo do Tietê no ano passado. A ideia do governo é que, com o desassoreamento, o rio passe a ter a mesma vazão de 2005, diminuindo as chances de enchentes.
O Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee) afirma que fez testes que provam que os resíduos não estão contaminados. "Depois da peneiragem, é retirado todo o material estranho", garante o chefe de gabinete do Daee, Giuliano Savioli Deliberador. Após muita polêmica e proibição da Justiça, o Daee conseguiu licença da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) para o descarte no local, resultado de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público, envolvendo o poder público e as mineradoras donas do terreno.
Deliberador admite que ninguém deveria estar vivendo ali. E, apesar da garantia de que a lodo não é tóxico, a população afirma que a vida piorou com o despejo. "Depois dessa obra, o cheiro ficou muito pior. E agora a água avança para as nossas casas", reclama a manicure Gleide Maria, de 40 anos, sem saber de onde vinha a terra que era despejada perto de sua casa.
O despejo no local está atrelado a uma série de contrapartidas previstas no TAC, que incluem resolver a situação das pessoas que vivem nos arredores. "Eu acompanho a execução do acordo, que prevê a remoção das famílias para um conjunto habitacional", afirma o promotor Marcos Lira. No entanto, a resolução do problema não parece estar nem perto de acontecer.
A Secretaria de Estado da Habitação informou que tem parceria com o programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, mas que precisa que a prefeitura de Carapicuíba apresente um projeto habitacional antes. A administração municipal, no entanto, nem sequer localizou um terreno disponível para onde as pessoas possam ser transferidas. Mãe de quatro crianças, a dona de casa Iranildes da Silva, de 34 anos, conta que já havia sido retirada de outra favela da cidade havia cinco meses. "Me deram só R$ 3 mil. Não tinha nenhum lugar melhor para ir."

Não sei se verei a São Paulo de meus sonhos, por Ignácio Loyola Brandão


O Estado de S.Paulo
Cheguei com 21 anos e já estou há 54 em São Paulo. Desde meus primeiros dias, vivo um problema que existe até hoje e compartilho com todo mundo. Não dirijo. Ando de táxi, ônibus, metrô e caminho muito. Sou pedestre e sofro como pedestre. Desloco-me e sofro com os transportes urbanos.
Como pedestre conheço a tragédia das calçadas. Até que agora há um movimento para se pavimentar melhor, mas é um esforço pequeno, em alguns bairros. Quem caminha torce o pé em buracos, tropeça em desníveis de todos os tipos, precisa olhar para baixo o tempo inteiro. Não há calçadas uniformes, planas, planejadas, cuidadas. É um sobe e desce continuo, há degraus inesperados, cada dono constrói seu trecho de calçada segundo sua fantasia. Que nunca combina com o do vizinho. Há gosto, bom gosto e muito mau gosto, breguice, kitsch.
Há nesta cidade um milhão de tipos de pisos. Cada um faz como quer ou como pode. Há pisos de pedras, paralelepípedos, lajotas cerâmicas, tijolos, cimento cru, concreto, pedras portuguesas, até já vi dormentes. Isso quando tem calçada. Não garanto que a variedade contribua para uma cidade criativa e original, divertida. Ao contrario, é um mix desordenado de excrescências. Tem quem faça um jardim na calçada, o que é bonitinho, mas reduz a área de circulação. As nossas calçadas já são as menores do mundo. E aqueles que no jardim colocam plantas cheias de espinhos, para dar uma certa "segurança"?
Tenho inveja das cidades civilizadas em que as calçadas sofrem a ação severa da municipalidade que principalmente dá o tom: calçadas são para se andar. Para os pedestres circularem com segurança, desenvoltura, prazer. Lembro-me das calçadas de Berlim, larguíssimas, sendo que a maioria contém uma ciclovia. Ai de você se andar pela ciclovia! Pode ser atropelado por uma bicicleta e ainda será processado. Em Berlim as calçadas são lisas como mesa de bilhar. Claro, boas mesas de bilhar, não essas de bibocas da nossa periferia. Calçadas lisas e limpas, dá gosto andar pela cidade. Que é profundamente arborizada.
Aqui em São Paulo, torci o pé quatro vezes, uma com gravidade (e eu era muito mais moço), sendo que minha mulher, aqui na rua onde moro, João Moura, simplesmente quebrou o pé num desnível inesperado. Fosse um País justo, a Prefeitura seria acionada e pagaria todas as despesas que tivemos com ortopedista, raios X, medicamentos, fisioterapia. Dia desses, um senhor tropeçou e foi ao chão, se ralou todo, na minha frente. Por causa de pedras soltas. Alguém já caminhou durante uma chuva ou após? Formam-se poças, lagos, lagoas, igarapés nos quais metemos os pés, nos molhamos, afundamos. Sim, afundamos, porque buracos se abrem e as águas nos enganam. Mais do que uma aventura, é uma odisseia de perigos caminhar pela cidade.
Não posso omitir a vegetação - sim, a palavra é essa, vegetação abundante - que cresce entre os interstícios das pedras. Parece uma trilha de mato. Outra coisa, há calçadas estreitas cuja largura diminui quando você passa na frente de garagens cujos portões fazem uma "barriga", roubando espaço. São o que chamo de portões grávidos. Como a área interna é mínima e o carro não cabe, o portão ganha uma saliência que avança para a calçada, atrapalhando. Essas saliências deviam pagar IPTU...
Problemas pequenos? Parecem. Somem, vejam os prejuízos dos pedestres, dos passantes, dos chamados transeuntes. Acrescento que esta é uma cidade cuja arborização é constituída pelos mais diferentes tipos de árvores. Quando tem verde. E quando as árvores conseguem resistir aos vândalos, temos espécies desiguais que crescem lentamente, que não crescem, que tem troncos finos, frágeis, deixando a ideia de que um semeador louco foi passando e lançando sementes a torto e a direito, mais a torto do que a direito.
Tenho uma doméstica (parece que pelo politicamente correto não posso usar essa palavra, mas não me lembro da correta) e tenho uma faxineira que trabalha por dia. Elas me contam as agruras de quem toma ônibus. Experiência que tenho tido pessoalmente. Algum secretário de Transportes já andou de ônibus? Já tentou decifrar os itinerários? Já chegou em um ponto e viu ali afixada uma informação das linhas que passam por aquele ponto? Alguém que coordena (ou descoordena) os transportes públicos ficou um dia inteiro num ponto, cronometrando as passagens, chegadas e partidas? Anotando atrasos, veículos lotados que não param, veículos vazios que não param porque o ponto está escuro? E qual ponto tem iluminação?
Algum coordenador tentou fazer uma viagem num coletivo cheio, em dia de calor, janelas fechadas? Porque um abre, outro reclama e fecha, o motorista breca, todos cambaleiam, são arremessados para trás e para a frente. Algum já viajou esmagado, prensado, sufocado, o ar faltando aos pulmões, sentindo o cheiro do suor de um povo que trabalhou o dia inteiro e volta para casa?
Vivo nesta cidade há 54 anos e caminhei milhares de quilômetros e viajei outro tanto nestes transportes. Metrô? Sim, tem o metrô, mas tente viajar nos horários de pico. Ah! Aí, sim, se vê por que é uma selva. O famoso clichê. Bicicletas? Roleta russa. Moto? Sabem que existem dois tipos de motoqueiros? Os que já caíram e os que vão cair.
Sonho com utopias. A São Paulo ideal teria calçadas largas contendo uma ciclovia e árvores. E a infernal fiação enterrada sob o solo. Leitos carroçáveis (bem, a palavra vem do tempo das carroças: mudaram os carros, permanecem os leitos) remendados, colchas de retalhos continuamente perfuradas pela Sabesp, Comgás e outras. E árvores para nos refrescar. E bueiros que deem vazão às águas das chuvas. E um povo que não varra folhas para dentro dos bueiros. E que tenha recipientes para se depositar o lixo. A São Paulo ideal teria prédios de no máximo oito andares e praças e jardins e parques. E principalmente projetos e planos diretores que olhassem o futuro, e não o presente imediato e eleitoreiro. E administradores que olhassem com carinho para com ela, afinal, eles também moram aqui.

A luta por uma economia não cartelizada


coluna do Luís Nassif
Coluna Econômica - 09/07/2012

Há dois desafios para a política econômica: um, de curto prazo, o de recuperar a dinâmica do crescimento; outro, muito mais relevante, o de desenhar o país para as próximas décadas.
Esse desafio implica superar uma pesada herança de quase trinta anos: a desindustrialização, fruto de um trabalho pertinaz de desconstrução; e a cartelização interna da economia.
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Do plano Real para cá, passando pelos dois governos de FHC e de Lula, a economia viveu um período de aumento da carga tributária, câmbio defasado, taxas de juros sem paralelo na história, burocracia e uma competição crescente dos produtos importados, especialmente asiáticos.
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Nesse quadro inóspito, prosperaram dois grupos de empresas: grandes grupos com poder de cartel e grupos que floresceram a salvo da economia formal.
Junto com a abertura da economia, no início dos anos 90, vieram as preocupações com a concentração econômica, que levaram à reestruturação do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). No entanto, já na gestão de Gesner de Oliveira – o primeiro da nova leva – houve a completa desmoralização do órgão a partir do episódio Ambev.
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Da abertura para cá, novos grupos se consolidaram no país. Saindo das brumas da sonegação fiscal, criaram-se grandes frigoríficos; do submundo do transporte público, surgiram grandes companhias aéreas; do crime organizado do centro-oeste, o financiamento para novas indústrias e para muitas grandes propriedades do agronegócios. E da economia formal, grandes grupos.
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Não se está entrando em julgamento moral, mas explicando a dinâmica de acumulação de capital.
O grande problema é que, em nenhum momento, houve políticas expressas para evitar a concentração econômica, a cartelização.
Por falta de ferramentas adequadas de crédito para médias propriedades, no centro-oeste grandes propriedades se valeram de seu maior poder de captação de recursos para comprar as menores. Na laranja, uma devastação entre os fornecedores. Na pecuária, uma concentração irresponsável em frigoríficos, patrocinado pelo BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) de Luciano Coutinho.
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Há sinais de mudança de rota, alguns promissores, outros mais tímidos.
Esta semana, o novo Plano de Safras significou um avanço enorme no fortalecimento das médias propriedades rurais. Houve aumento de recursos, metas ambiciosas de safra, com redução de juros, aumento dos limites individuais, melhoria do seguro e reforço do Pronamp (Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural).
Há mudanças também na área de direito econômico, tentando recuperar as funções do CADE e do Secretaria Nacional de Direito Econômico.
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Falta apenas Coutinho, no BNDES, deixar de lado a síndrome da LCA (Luciano Coutinho e Associados) e pensar mais como construtor de país.
Como lembrava dia desses o ex-Ministro Antônio Delfim Neto, papel imprescindível do BNDES sempre foi o de fortalecer novos setores, estimular o mercado de capital ajudando a reduzir o risco de investimentos em novas empresas.
Não tem cabimento suas incursões nos setores de varejo, frigoríficos, siderurgias, financiando fusões e aquisições.