domingo, 27 de fevereiro de 2011

Troca tributária


26 de fevereiro de 2011 | 16h00
Celso Ming
A presidente Dilma Rousseff só anunciou a parte boa. Anunciou que vem aí a desoneração da folha de pagamentos. O objetivo é aumentar a competitividade da empresa brasileira e, também, incentivar o emprego formal (com carteira assinada), desestimulado pelo alto custo dos encargos sociais.
Mas não disse ainda como vai compensar a perda de arrecadação da Previdência Social, já que a ideia é substituir uma tributação nociva por outra, preferencialmente menos nociva.
jose_patricio.JPG
Dilma. Falta a parte ruim (FOTO: José Patricio/AE)
Uma das propostas que surgiram por aí é a taxação por meio do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), sobre uma base ainda a ser definida. O problema é que o IOF é um tributo regulatório, ou seja, serve para calibrar fluxos financeiros e não para arrecadar. Por exemplo, o IOF de 6% na entrada de capitais destinados às aplicações de renda fixa foi determinado com o objetivo de conter a entrada de recursos.
Em princípio, o uso de um tributo regulatório com o objetivo arrecadatório não seria impedimento definitivo. Mas seria uma distorção que complicaria sua utilização quando fosse necessário aplicar uma regulagem qualquer.
A proposta de aumentar as alíquotas do PIS/Cofins e/ou da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) esbarra na objeção irrespondível de que seria desonerar o setor produtivo de um lado para onerá-lo, logo em seguida, de outro.
Outra lembrança recorrente é a volta da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). É a opção preferencial do governo, porque é o imposto mais fácil de arrecadar: cai diretamente na conta do Tesouro a cada movimentação bancária, sem necessidade de declaração e sem esforço de coletoria.
As distorções que provoca são conhecidas. É um imposto cumulativo (incide em cascata sobre todas as fases da produção e da distribuição); onera o produto de exportação; incentiva a desintermediação financeira, na medida em que leva o contribuinte a pagar “por fora” para fugir do imposto; e é uma permanente tentação para que o governo aumente a alíquota a cada pleito por mais verbas.
Dia 22, o advogado Ary Oswaldo Mattos Filho, em fórum sobre simplificação tributária realizado na sede do Sindicato da Indústria da Construção Pesada, defendeu a volta da CPMF. O argumento dele é o de que o efeito cascata da CPMF é bem menos acentuado do que o dos encargos sociais sobre a folha de pagamentos. E o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel entende que a permanente tentação ao aumento de alíquota poderia ser eliminada por meio de imposição de uma trava, do tipo “não pode passar de X%”.
Os políticos querem a CPMF não para substituir um tributo, mas para aumentar a arrecadação. Na segunda-feira passada, por exemplo, em encontro com a presidente Dilma Rousseff, os governadores do Nordeste defenderam a volta da CPMF alegadamente para “financiar a saúde”. É uma desculpa velha de guerra e é sempre canalha porque todos sabem que as despesas com saúde são financiadas por dotação orçamentária. E o resultado da arrecadação de uma CPMF qualquer acaba sempre no caixa do Tesouro.
Em todo o caso, os cães de guarda contra a fúria arrecadatória que se preparem. Terão trabalho nas próximas semanas, quando o governo definir como vai substituir a arrecadação sobre a folha de pagamentos. Provavelmente não vai se limitar a trocar um imposto por outro. Se ninguém reagir, pretende arrecadar mais.
CONFIRA
Reservas na infraestrutura? O leitor Sérgio Bresciani pergunta: se o carregamento de reservas é tão caro para o País (foi de R$ 26,6 bilhões em 2010), por que, em vez de aplicá-las em títulos do Tesouro dos Estados Unidos, que rendem menos de 2% ao ano, não usar essa moeda estrangeira para comprar equipamentos de portos ou para montar a infraestrutura de que o Brasil tanto precisa, o que, de quebra, poderia reduzir os custos produtivos de toda a economia?
É ou não é? Aí há dois problemas. O primeiro é de conceito. Reserva é reserva. Não é para usar nem em despesa corrente nem em investimento. Tem de ficar disponível para as horas de necessidade e de crise.
Questão de demanda. Em segundo lugar, se é para importar equipamentos para infraestrutura e se o importador não comprar dólares internamente para pagá-los, a demanda por moeda estrangeira ficará mais baixa e o real poderia se valorizar ainda mais.

Tecnologia e logística em águas profundas, por Norman Gall


NORMAN GALL - O Estado de S.Paulo
As descobertas em águas profundas na Bacia de Santos estão levando a Petrobrás a dar saltos para o futuro, abordando desafios pioneiros de tecnologia e logística, numa escala sem precedentes na indústria mundial de petróleo.
Cientistas e engenheiros do Cenpes, centro de pesquisas da Petrobrás, tentam encontrar uma maneira de instalar plantas de processamento automatizadas para separar o gás, o petróleo e a água no leito marinho, a cerca de dois mil metros de profundidade. Essas plantas funcionarão movidas por geradores elétricos submarinos que também bombearão petróleo e gás, através de dutos instalados no fundo do Atlântico Sul, para estações coletoras a centenas de quilômetros de distância.
"Nossa meta para os próximos dez anos é não necessitar de plataformas de produção na superfície do oceano", disse o diretor da Cenpes, Carlos Tadeu Fraga, para o jornal Valor Econômico. "Em termos de inovação, há um raciocínio que muda a capacidade das pessoas de realizarem algo novo, dependendo da pergunta feita. Ao abordar uma ideia nova, há duas formas de reagir. Uma é: "Por quê?". Outra é "por que não?""
Existem muitos "por que não" à medida que a Petrobrás tenta contornar obstáculos para produzir óleo e gás a sete mil metros de profundidade no Atlântico Sul. Embaixo do leito marinho, com furos atravessando três mil metros de rochas que cobrem uma camada de sal com dois mil metros de espessura, foram achados micróbios fossilizados, transformados pelo calor e a pressão em petróleo e gás durante milhões de anos.
Os técnicos da Petrobrás falam em construir plataformas totalmente automatizadas. Mas, até agora, no setor petrolífero, plataformas não manejadas por humanos estão situadas principalmente em campos mais antigos e em águas rasas, como no Golfo do México e no Mar do Norte norueguês. Todas localizadas mais próximas da costa do que os poços na Bacia de Santos.
Transferir os equipamentos de produção para o leito do mar já é meta da indústria global do petróleo, que explora em águas cada vez mais profundas. O sal embaixo distorce as ondas sonoras sísmicas, que se propagam muito mais rapidamente através do sal do que pelas rochas em torno, mudando as imagens da mesma maneira que um lápis parece ficar torto quando colocado dentro de um copo de água, "como uma imagem de TV embaçada, nebulosa", disse um geofísico. Uma inovação da empresa independente Anadarko, usando ondas sísmicas em 3D processadas por supercomputadores para detecção de estruturas geológicas promissoras, levou à descoberta do campo de Mahogany pela Phillips em 1993 e a uma nova onda de exploração no subsal do Golfo do México. "Estamos na aurora da jogada subsal global", disse Clint Moore, que criou o processo de ondas sísmicas da Anadarko nos anos 90. "Agora que temos uma nova ferramenta para ver embaixo e dentro das bacias de sal do mundo, isso fará uma enorme diferença na quantidade de petróleo e gás que poderá ser descoberta nessas bacias geológicas complexas." A Petrobrás absorveu essas novas técnicas nas suas descobertas em águas profundas.
A Petrobrás gera apenas 6% da sua produção diária em seus projetos internacionais no Golfo do México, África Ocidental, América do Sul e Austrália, mas ela ganha conhecimento técnico e geológico com esses atividades em parceria com outras companhias. Assim, a Petrobrás avançou numa mistura de nacionalismo e internacionalismo, absorvendo tecnologia e técnicos do exterior e enviando centenas de brasileiros para universidades de outros países para criar uma equipe técnica de gabarito mundial.
Até agora, a maior conquista na instalação de equipamentos de produção no leito do mar é a plataforma de Perdido, da Shell, de US$ 3 bilhões, no Golfo do México, montada sobre um cilindro de aço flutuante na mesma distância da costa como as descobertas de Tupi. "Perdido abriu uma nova fronteira na produção de petróleo em águas profundas", disse Tyler Priest, historiador da indústria do petróleo na Universidade de Houston. "É a instalação mais avançada no mundo." Em Perdido é feita a perfuração, coleta e separação do óleo e gás de 35 poços espalhados numa área de 80 quilômetros quadrados no leito mar. Equipamentos sensíveis ficam dentro de um hangar fechado, do tamanho de um campo de futebol, fincado no leito do mar para proteção das correntes e avalanches submarinas. Os dados do metabolismo do complexo de Perdido, como também do projeto BC-10 da Shell na Bacia de Campos, são monitorados num centro de controle remoto em Nova Orleans, nos Estados Unidos. No campo do Parque das Conchas, na Bacia de Campos, a Shell instalou em 2009 o primeiro sistema de bombeamento e separação de gás e petróleo submarino, mesmo antes da tecnologia ser usada no complexo de Perdido, cujas operações começaram em 2010.
Para produzir petróleo em águas profundas a 350 quilômetros da costa na Bacia de Santos, a Petrobrás terá de superar problemas técnicos e logísticos mais difíceis do que aqueles enfrentados pelas companhias no Golfo do México, que hoje respondem por um quarto da produção de petróleo dos Estados Unidos, onde os depósitos de sal submarino cobrem 85% da plataforma continental.
As camadas de sal na Bacia de Santos são muito espessas, chegando em alguns lugares a cinco mil metros. São plásticas, móveis e heterogêneas, contendo tipos diferentes de sal, mudando de posição à medida que as perfurações são realizadas. "Perfurar esses reservatórios de pré-sal implica desafios gigantescos", observaram os engenheiros da Petrobrás durante a Offshore Technology Conference (OTC), em Houston. "De todos esses desafios, o deslizamento do sal é o mais comum e mais difícil de administrar." As camadas de sal são tão instáveis que podem engolir as brocas de perfuração e derrubar a carcaça que envolve o tubo de perfuração. "Os reservatórios de microcarbonatos ainda são pouco conhecidos", disse um engenheiro veterano. "O petróleo sai do reservatório muito quente para chegar a um ambiente frio, com apenas 4º centígrados, e congela para virar cera, bloqueando o tubo, a menos que produtos químicos especiais sejam adicionados e esse tubo seja continuamente lubrificado." A instabilidade das camadas de sal impede a perfuração horizontal para aumentar a recuperação dos reservatórios imediatamente abaixo do sal.
Na superfície do oceano existem mais problemas logísticos e de engenharia. "Nas descobertas de pré-sal, temos dois tipos de problemas logísticos", disse o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, numa entrevista. "O primeiro tem a ver com pessoas, e é um problema de distância. Na Bacia de Campos, agora nossa principal área de produção, fazemos 60 mil viagens de helicóptero ao mês para transportar pessoas entre as plataformas e a costa. Mas os blocos de pré-sal na Bacia de Santos podem estar a uma distância de 300 quilômetros, longe demais para transportarmos tanta gente por helicóptero. Assim, precisamos, em primeiro lugar, reduzir o número de pessoas trabalhando nas plataformas e aumentar a automação. Precisamos colocar plataformas a meio caminho entre a costa e as descobertas de pré-sal para servirem como centros logísticos e também como dormitórios, de modo que os trabalhadores que chegam por barcos possam ser distribuídos por helicópteros para as plataformas de produção depois de passarem a noite no centro logística. O segundo problema é a entrega de material para as operações em alto-mar. É preciso transportar produtos químicos, máquinas, eletricidade. Provavelmente teremos plataformas especiais para geração de eletricidade e outras para a mistura de substâncias química para os fluidos de perfuração."
Guilherme Estrella, diretor de exploração e produção da Petrobrás, imagina 50 plataformas operando na área das descobertas iniciais, cada uma consumindo 100 megawatts de eletricidade, totalizando 5 mil megawatts de capacidade, gerada por 200 turbinas movidas a gás, o equivalente ao consumo de energia na região da Grande São Paulo, com aproximadamente 20 milhões de habitantes. Na Bacia de Santos, bases para grandes frotas de helicópteros e navios de apoio devem mudar a ecologia do litoral, com o porto de Santos se tornando um novo centro de gerenciamento das explorações em alto-mar.
Uma dificuldade para criar essas plataformas logísticas é garantir a estabilidade em mar agitado para permitir a atracação segura, como também a chegada e saída de navios e helicópteros. "Já nos ofereceram até porta-aviões para servir como centros," disse José Formigli, diretor de operações do pré-sal da Petrobrás. "Mas os porta-aviões têm o mau hábito de virar de um lado para outro. Sua carcaça é fina, pois têm de ter velocidade, e assim, quando estão parados, eles balançam e os helicópteros não conseguem aterrissar."
A Petrobrás enfrenta desafios de engenharia para aumentar a produção além dos 20 mil barris diários obtidos no teste realizado no seu campo de Tupi, rebatizado Lula, e além dos 100 mil barris diários no projeto-piloto com um barco perfurador em Angra dos Reis, que começou a operar em outubro de 2010. Uma nova expansão desse cluster vai exigir a instalação de mais 10 plataformas em 2016. Um gasoduto no leito do mar enviaria o gás a 300 quilômetros para o Terminal de Cabiúnas, no Estado do Rio de Janeiro. A Petrobrás avalia a possibilidade de liquidificar o gás natural em alto-mar, para exportar.
O cluster do campo de Lula é só uma das várias descobertas sendo avaliadas. Na conferência da OTC em Houston, em 2009, José Formigli, diretor de operações do pré-sal, explicou porque a Petrobrás precisa inovar para desenvolver o cluster do pré-sal, por causa da escala de produção e das "características singulares" da área: águas ultraprofundas, locais remotos, contaminantes na produção dos fluidos, alto conteúdo de gás, etc". Um grande obstáculo, disse Formigli, é a falta de espaço nos deques de superpetroleiros convertidos (FPSOs), usados como plataformas de produção, por causa da quantidade de equipamento especial necessário para separar e processar o gás natural contido no óleo cru, remover contaminantes e recolocar grandes quantidades de gás, dióxido de carbono e água de volta no reservatório para manter a pressão do poço. Por isso, a indústria procura instalar mais equipamentos no leito do mar.
Formigli comparou a escala de produção no imenso campo de Lula com a do campo gigante de Marlim, na Bacia de Campos, que produzia 645 mil barris diários em 2002, mas declinou para menos de 300 mil em 2010. Enquanto o campo de Marlim foi desenvolvido com sete plataformas, ou FPSOs, produzindo 130 poços, o campo de Lula precisaria de 15 a 25 FPSOs alimentados por 2 mil poços, usando os mesmos conceitos de desenvolvimento do campo de Marlim, "o que resultaria em projetos não econômicos".
Um estudo feito pelo banco de investimentos Credit Suisse alertou para os ganhos decrescentes das novas descobertas, uma vez que a base de recursos da Petrobrás "cresceu a tal ponto que as descobertas marginais têm um valor muito baixo, uma vez que os campos existentes já são suficientes para garantir uma reserva com mais de 50 anos de vida". Mas as estimativas das reservas, a partir de dados nebulosos sobre as novas descobertas na Bacia de Santos, variam muito. Estão baseadas em informes de duas consultoras internacionais divulgados pouco antes da capitalização de US$ 67 bilhões da Petrobrás, em setembro passado, num ambiente pré-eleitoral muito politizado.
As descobertas no pré-sal parecem alimentar muitos mitos. Que escondem questões inquietantes. José Gabrielli declarou em reuniões públicas que o programa de investimento da Petrobrás para 2010-2014, de US$ 224 bilhões, está absorvendo anualmente um décimo da formação de capital fixo bruto do Brasil, num país com uma das mais baixas taxas de investimento público na América Latina. O Brasil precisa realmente investir no pré-sal nessa rapidez e escala? Esses investimentos acelerados não criarão distorções por si sós? Esses investimentos no petróleo são mais importantes para o futuro do país do que investir mais em escolas, portos, aeroportos, geração e transmissão de energia elétrica, comunicações, saneamento básico e infraestrutura de transporte? Futuros artigos desta série abordarão algumas dessas questões. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO 

Escolhas fundamentais

Gouverner c’est choisir - governar é fazer escolhas -, dizia o intelectual e político francês Mendez-France, primeiro-ministro daquele país na segunda metade dos anos 50.
O governo Dilma está diante de escolhas. Não falo das que fazem parte da rotina de qualquer governo, a qualquer tempo, em qualquer lugar. Falo das que podem definir rumos para o País. A demanda global crescente por minerais, petróleo e, principalmente, alimentos - tendência estrutural que não deve esmorecer tão cedo e em grande medida nos favorece - gera receita e oportunidades para os setores produtores de commodities, ao mesmo tempo que cria pressões sobre o meio ambiente e a indústria de transformação.
Não são propriamente questões novas. Já estavam aí. Tornaram-se, no entanto, mais prementes. E menos suscetíveis de decisões que representem puro compromisso circunstancial. Dilma terá de impor com mais nitidez limites às muitas agendas setoriais em disputa dentro do seu governo. E sinalizar rumos com mais clareza, em questões centrais e conflituosas que pedem decisão.
Tremendo desafio político, considerando a diversidade das forças que compõem a base de apoio construída por Lula para a sua eleição.
Em artigo recente neste espaço, André Nassar apresentou estimativas sobre o aumento do consumo global de um conjunto de produtos agropecuários. Vale a pena citá-lo: "A FAO nos diz, com base em cenários de demanda, que a produção de carnes precisa crescer 48% de hoje a 2030 e mais 21% de 2030 a 2050. O milho (...) terá de crescer 30%, no primeiro período, e mais 17%, no segundo. Oleaginosas, como a soja, (...) terão de crescer 43% e 37%, respectivamente. Açúcar, 60% e 15%, levando em conta iguais períodos. Mesmo o arroz, produto menos dinâmico, terá de crescer 19% e 4%. De hoje a 2050 o mundo terá de produzir mais 1 bilhão de toneladas de milho e oleaginosas, sendo necessários 90 milhões de hectares a mais; 60% dos quais terão de estar em produção até 2030 (só para essas culturas)".
Em todos os produtos mencionados, acrescenta Nassar, a produção brasileira tem ampliado a sua fatia na produção mundial. E aqui ainda há terras disponíveis, de boa qualidade e relativamente baratas, a despeito da valorização recente. Não surpreende, portanto, que o investimento na compra de terras para produção agropecuária venha crescendo no Brasil, atraindo, entre outros, grandes fundos de investimento estrangeiros.
Nas últimas duas décadas, a produção agrícola brasileira cresceu praticamente sem expansão da área plantada, indicando ganhos significativos de produtividade, sobretudo em grãos. Segundo os especialistas, no entanto, será difícil que os futuros ganhos de produtividade acompanhem o crescimento da demanda por alimentos. Já a pecuária se expandiu de forma extensiva, sendo a principal responsável pelo desmatamento nesse período. Tem muito a ganhar em produtividade.
Será possível abocanhar parte significativa da demanda global por alimentos nas próximas décadas "apenas" substituindo pastagens degradadas por área plantada e intensificando o uso da pecuária nas pastagens de boa qualidade, sem desmatamento adicional algum? Ou valeria a pena incorporar novas áreas do Cerrado, sabidamente aptas à agricultura, ainda que com o sacrifício de alguma cobertura vegetal? São questões que a controversa mudança do Código Florestal não esgota e que exigirão do governo, se quiser enfrentá-las, e não apenas empurrá-las com a barriga, o uso do capital político recebido das urnas, seja qual for a escolha que vier a ser feita.
Chegou a hora também de fazer escolhas sobre o futuro da indústria brasileira. Desde os primórdios da abertura da economia ergueram-se vozes contra a suposta "desindustrialização" do País. Choradeira da "velha indústria" acostumada com a proteção estatal? Em boa parte, sim: descontados problemas metodológicos, que engrandecem artificialmente a perda de participação da indústria de transformação no PIB, ela até aqui se mostrou capaz de responder aos desafios da competição, mesmo em condições adversas, como indica, por exemplo, o fato de que não caiu, na pior das hipóteses, o emprego total na indústria de transformação, desde meados dos anos 90, a despeito de sua redução nas áreas metropolitanas.
Houve, porém, uma quebra estrutural nas condições do jogo global, com a entrada em campo da China e outros produtores competitivos de manufaturas, na contraface do aumento global da demanda por commodities. E essa quebra se vem aprofundando. A queda da participação dos manufaturados na pauta exportadora do País nos últimos anos chama a atenção, assim como o número de empresas que reportam perda de mercados para competidores chineses, aqui e lá fora, em pesquisa recente da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Para Antonio Barros de Castro, diretor e assessor do BNDES no governo Lula, a indústria brasileira, quando vista da ótica global, é quase toda ela "descartável". Tudo aponta na direção de uma veloz especialização da economia brasileira em recursos naturais. Isso nos favorece no longo prazo, em matéria de emprego e progresso técnico, portanto de desenvolvimento e bem-estar futuros? A resposta não é simples, mas implicará escolhas. De imediato, cabe perguntar: haverá desoneração da folha de pagamento da indústria de transformação, para toda ela ou para alguns setores? E, se houver, novos cortes de despesa deverão ser feitos? A médio prazo, é preciso saber se vale a pena apostar tantas fichas numa atividade baseada na exploração de um recurso natural não renovável - o petróleo -, grande emissora de gases de efeito estufa, toda ela articulada em torno da Petrobrás e que certamente absorverá grande quantidade de recursos financeiros e fatores de produção. Também não há respostas claras para essas perguntas. Mas uma coisa é certa: escolhas deverão ser feitas, e não será possível satisfazer a todos.
DIRETOR EXECUTIVO DO iFHC, É MEMBRO DO GACINT-USP E-MAIL:SFAUSTO40@HOTMAIL.COM