quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Papai

11 de agosto de 2010 | 0h 00
    Roberto da Matta - O Estado de S.Paulo
Um papel social importante é regularmente assinalado. Na semana que passou, comemoramos o seu lado positivo. Mas mesmo vivido pelo avesso, o papel é discutido, como ocorre nos tristes casos em que o pai destrói o filho, que o castiga em excesso ou, pior que isso, que o renega. No lado simbólico e exemplar, invocamos o Pai para glorificá-lo na sua projeção como o Pai Eterno que tudo criou; ou o pai mortal que, sendo regular e mediocremente bom e mal, como é o caso em geral, ajuda - é certo - a vender cuecas e gravatas, mas também a pensar em certas coisas...
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De papai guardei duas memórias. Ele não foi um homem de palavras ou canções. Pouco disse, muito agiu. Sempre no sentido de preservar e cuidar da família ("nada pode faltar na minha casa!"); jamais pulou a cerca: foi o maior marido "caixão branco" que vi na minha vida; nada me disse quando, um dia, tive uma dificuldade sexual corriqueira (e fundamental) que nos torna ternamente meninos diante das mulheres; mas, um dia, quando notei a janela do meu quarto ser forçada, testemunhei sua coragem quando ele, de um salto, escancarou-a no intuito de pegar o ladrão que tentava violar o nosso lar.
Quando entrei no ginásio numa Juiz de Fora de bondes e apenas duas piscinas (a do Sport e a da casa do Mario Assis onde, com o Mauricio Macedo e o saudoso Naninho, tomávamos banho depois de peladas de basquetebol), meu pai, um tanto solene, presenteou-me com uma caneta Parker. Nela, estava incrustado o meu nome. Aquela caneta me levou à escrita - um desejo e comando ocultos daquele pai provedor e elegante. Ali eu recebi a pena que me livra, com as mentiras que conto, de todas as penas desta vida.
Quando, nos idos de 1963, para o risco de Harvard, ia partir para uma Nova Inglaterra fria e desconhecida, papai me presenteou com um sóbrio sobretudo que era uma confirmação de autonomia, era um voto de sucesso para a carreira que tomava corpo e era, eis o que vejo hoje com olhos marejados de lágrimas, a definitiva, a tão necessária - a tão magnânima Bênção paterna. Pois o que é a "bênção" senão a prova explícita de um amor incondicional e, por isso mesmo, pronto para sair de cena?
Esse casaco me agasalhou nas nevascas. Deu-me o calor e o conforto moral contra as covardias da minha insegurança. Usei-o quando fiz meus exames para o doutoramento; vesti-o quando caminhava nas ruas de Cambridge e, solitário, aprendia a ser antropólogo. Ou antropófago dos fatos da vida. Ao escrever e tentar me proteger, estou com papai. Bonito, forte, amante da praia e dos esportes. Fiel à sua família e à sua casa. Tão honesto e puro que, mesmo sendo fiscal do consumo, só nos legou uma casa. Nós, seus cinco filhos e filha, o enterramos com um choro de orgulho e amor. Fôramos todos abençoados por esse baiano que, entre muitas coisas, jamais visitou os Estados Unidos, pois - como me disse uma vez - jamais poderia pôr os pés num país que não gostava de negros.
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Um dia eu virei e - digo-o porque é importante - jamais deixei de ser pai. Estava escrito e a despeito de minhas dúvidas, determinado. Segui a mesma sina e tive dois filhos e uma filhinha. A metade da prole paterna, como manda o figurino de um rapaz que queria ser pai e tinha aspirações politicointelectuais. Como politicointelectual queria ser a luz dos explorados e era favorável ao que então se chamava de "reformas de base" e hoje dizem ser o PAC. E que jamais saem do papel. Tinha fantasias de ser um grande "conscientizador" (eis uma outra palavra da época) e sair pelo mundo, renunciando-o, para exercer a carreira dos comunistas que - naquele momento - figuravam como andarilhos e santos. Não sei aonde foram parar. Como pai e marido, segui o pai e como pai fui menos calado e certamente tão insatisfatório e faltoso quanto Renato, meu genitor. Pois quem como pai é pleno, se a plenitude supõe uma igualdade que o papel de doador da vida, instaurando uma dívida inafiançável, suprime de saída? Como ser pai (ou mãe) se num momento de nossas vidas fomos deuses e o nosso êxtase - num leito que também é o Jardim do Éden - produziu o sopro da vida?

Quando meu filhos nasceram, eu me senti mais como um deus do que como um mero reprodutor. Tinha uma consciência tão forte, tão brutalmente presente da minha capacidade de conceber vidas que esse dom englobava a mera paternidade social e cartorial de dar apenas o nome, ao lado da transformação de marido em papai.

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Sou hoje avô, ou como falamos carinhosamente no Brasil, sou pai duas vezes. De fato, testemunhar o nascimento dos filhos dos filhos é uma bênção: um raro e bíblico privilégio. Os filhos dos filhos nos fazem reviver o dom da vida sendo reproduzida pelos que fizemos. Pode haver algo mais gracioso?
Mas em verdade eu vos digo, queridos leitores, não há nada, mas nada mesmo mais abençoado do que ter a consciência de ser um doador de vidas e por elas responder. De ter o poder de distribuir a Bênção do amor e de assim desejar, do fundo do coração, que todos os seus filhos tenham uma longa vida e sejam muito - sejam eternamente felizes. 

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terça-feira, 10 de agosto de 2010

Sayad explica planos a conselho da TV Cultura


Presidente da instituição anunciou o fim de alguns contratos, extinção de programas e a estratégia para diminuir déficit e aumentar produtividade

10 de agosto de 2010 | 0h 00
    Jotabê Medeiros - O Estado de S.Paulo
Conselheiros da Fundação Padre Anchieta, reunidos ontem de manhã na sede da TV Cultura, sabatinaram o presidente da instituição, João Sayad, a respeito das mudanças que ele planeja fazer na programação e na gestão da emissora. Sayad apresentou seus planos de reformulação da programação e enxugamento da estrutura da TV Cultura.
Cerca de 27 conselheiros participaram, entre eles Danilo Miranda, do Sesc São Paulo, o embaixador Rubens Barbosa e o poeta Jorge da Cunha Lima.
Sayad anunciou a extinção de programas (como o Manos & Minas e Login), o encerramento dos serviços terceirizados da fundação (gravações, por exemplo, para a TV Assembleia, TSE, Procuradoria da República e TV Justiça), o encerramento de contratos e seu plano para a diminuição dos déficits da TV, além do aumento da produtividade. Segundo Sayad, em 24 horas de programação, a TV Cultura só produz atualmente 6 horas de conteúdo próprio, o que é considerado muito pouco para o tamanho da folha salarial.
Os conselheiros resolveram, ao final da explanação, conceder uma espécie de "crédito" de seis meses para que o plano de Sayad surta resultados. Ao final desse período, haverá uma reavaliação das modificações. Sayad também teve de ouvir algumas advertências e recomendações. O conselho não concorda que ele extirpe totalmente da programação de música erudita as transmissões de orquestras brasileiras - o presidente preferiria exibir, como o núcleo central do programa, orquestras internacionais em apresentações consagradas.
Segundo um conselheiro, que preferiu não se identificar, foi sugerida a manutenção, pelo menos, das apresentações da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp). Outro conselheiro sugeriu que Sayad abandone a pretensão de exibir daqui por diante apenas os documentários da mostra É Tudo Verdade, organizado pelo crítico Amir Labaki - para uma ala da fundação, é importante manter a exibição dos documentários financiados pelo programa Doc-TV, que Sayad pretendia diminuir drasticamente.
Cortes. O conselho deu carta branca ao dirigente porque avaliou que Sayad está cumprindo à risca os compromissos que firmou ao ser eleito para a presidência, entre eles o de comunicar previamente aos diversos comitês do colegiado, com antecedência, todos os seus passos. Os conselheiros não abordaram o tema das demissões, mas é certo que vai haver cortes na folha da fundação, hoje com cerca de 1,9 mil funcionários. Esses cortes, entretanto, avalia um executivo da emissora, só poderão ser realizados a partir do ano que vem. Até lá, deverão ser afastados apenas funcionários que mantêm contratos como pessoas jurídicas - não há uma estimativa de quantos seriam na TV.
O debate foi pontuado pelos gráficos e pela longa explanação de João Sayad, economista com reputação de rígido e metódico. O déficit de R$ 10 milhões no orçamento da emissora, este ano, não foi considerado desastroso pela administração, que pode buscar recursos em outras fontes para tapar o buraco. "O prestígio da TV Cultura depende de uma boa programação", disse Jorge da Cunha Lima. "Ninguém vai se incomodar com dívidas de sentenças trabalhistas se a emissora estiver cumprindo bem sua função. Na minha avaliação, a TV Cultura é uma emissora de conhecimento, com a missão de formar pessoas, não entreter."

PARA LEMBRAR
Emissora foi fundada em 1960
A TV Cultura foi fundada em 1960, ainda sob propriedade do grupo Diários Associados, de Assis Chateaubriand. Em 1967, o então governador de São Paulo, Roberto de Abreu Sodré, criou a Fundação Anchieta e comprou a TV Cultura. A emissora foi reinaugurada em 1969. É mantida pela Fundação, que é dirigida por uma Diretoria Executiva com o apoio de um conselho formado por representantes de universidades, institutos de pesquisa, entidades culturais e dos poderes Legislativo e Executivo. 

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

SP terá 1º incinerador de lixo doméstico


Pioneira no País, usina vai produzir energia e recuperar área ameaçada por risco de explosão e deslizamento em São Bernardo do Campo

05 de agosto de 2010 | 0h 00
    Eduardo Reina - O Estado de S.Paulo
A cidade de São Bernardo do Campo, na região do ABC paulista, terá a primeira usina de incineração de lixo doméstico do Brasil. A estrutura vai ocupar a área do antigo Lixão do Alvarenga, na beira da Represa Billings, e vai gerar 30 megawatts por hora de energia elétrica. Ao lado, será criado um parque e haverá remoção de parte da população que hoje mora em cima do antigo lixão, uma área de risco de explosão e deslizamentos.
A usina terá capacidade para receber 1 mil toneladas de resíduos domésticos por dia. A energia gerada - 30 megawatts/hora - será suficiente para abastecer diariamente uma cidade de 300 mil habitantes. A obra inclui um setor de separação dos resíduos orgânicos e para reciclagem e está orçada em R$ 220 milhões.
Hoje na cidade de São Paulo há duas usinas de geração de energia por meio do lixo, nos aterros Bandeirantes (zona norte) e São João (zona leste). No entanto, esses funcionam com aproveitamento de gás metano gerado pelos resíduos. A novidade é o incinerador de lixo doméstico. Existem apenas usinas para incinerar lixo hospitalar e industrial no País.
"O sistema, além de fazer a queima da parte do lixo que não pode ser aproveitada, tem também o reaproveitamento de todo resíduo possível, até da fração orgânica", explica o professor Elcires Pimenta Freire, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo e coordenador do plano de resíduos sólidos da cidade. O modelo escolhido mescla tecnologias da Alemanha, Holanda e Espanha.
O secretário de Planejamento Urbano de São Bernardo, Alfredo Buso, diz que o edital deve ser lançado em breve. A expectativa do prefeito Luiz Marinho (PT) é que o início da operação seja em 2012. A cidade gasta R$ 14 milhões por ano para descartar 650 toneladas de lixo por dia num aterro sanitário no município de Mauá. Para Buso, os gastos não serão superiores aos de hoje.
Remediação. A área do bairro Alvarenga no limite com Diadema abrigou um lixão de 1971 a 2001. No dia 13 de abril, o Estado lembrou que o bairro tem condições similares às do Morro do Bumba, em Niterói, que deslizou por causa da chuva e do acúmulo do lixo. Em Niterói, 51 pessoas morreram. Em São Bernardo do Campo, centenas de famílias temem o mesmo destino.
A área de 700 mil metros quadrados nunca teve um sistema de condução dos efeitos colaterais do acúmulo de lixo sob a superfície: gases e chorume. O metano também fica preso no solo, aumentando a cada dia o risco de explosões. Já o líquido que resulta da decomposição dos resíduos vai direto para a Represa Billings, a 200 metros do local.
O projeto de construção da usina e do parque atende a medida judicial que condenou as prefeituras de São Bernardo e Diadema e os donos do terreno a remediar o problema ambiental. Parte das 200 famílias que moram no terreno será removida.
A prefeitura estima que sejam necessários R$ 20 milhões para fazer a canalização de drenagem dos gases e captação do chorume. Os trabalhos devem começar em setembro, com conclusão prevista para o fim de 2011.
O ambientalista Virgílio Alcides Farias, que defende a desativação do Lixão do Alvarenga, acredita que a criação da usina é uma boa notícia. "Está dentro do que se chama de ação sustentável. Mas é preciso manter um monitoramento contínuo e seguir as normas existentes de controle, principalmente na emissão de gases." A prefeitura afirma que o modelo de usina de São Bernardo segue as diretrizes estaduais para o tratamento térmico de resíduos sólidos.

LÁ TEM...
Áustria
A usina de Viena é uma das mais modernas da Europa. Tem capacidade para queimar 720 toneladas/dia.
Alemanha
Há duas unidades em Ingolstadt, que processam 600 toneladas/dia cada.
Inglaterra
Em Marchwood, a usina local incinera 560 toneladas/dia.
França
Uma das maiores da Europa fica em Paris, com capacidade para 1,6 mil toneladas/dia.
Estados Unidos
A maior do país está em Miami e chega a 4,2 mil toneladas/dia.

Energia
5 horas
é o período em que um computador poderia funcionar com a queima de um quilo de lixo
24 minutos
duraria um secador de cabelo ligado, segundo Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe)