quinta-feira, 29 de abril de 2021

Vamos limpar gavetas, Marco Aurélio?, Conrado Hübner Mendes, FSP

 

ministro Marco Aurélio é um frasista orgulhoso. Tem mesmo talento para isso. “Autoridade na rua é o guarda, não o desembargador. Somos autoridades no tribunal, com a capa nas costas. Na rua, somos cidadãos.” Um excelente recado para a magistocracia, o grupo social com maior vocação ao abuso de autoridade no Estado brasileiro. A frase deveria compor juramento de carreira. É elementar, mas a magistocracia pede regras elementares. E vigilância.
Em discurso na posse de Luiz Fux na presidência, Marco Aurélio olhou para o colega e disse: “A missão sublime de julgar há de estar sempre desvinculada de coloração política”. Aproveitou que Bolsonaro se sentava ao lado e soltou: “Vossa Excelência foi eleito com 57 milhões de votos. Mas é presidente de todos os brasileiros. Continue na trajetória vivida, busque corrigir as desigualdades sociais que tanto nos envergonham”.
Costuma dizer que processo não se julga pela capa, mas pelo conteúdo. Essa disposição republicana destoa do comportamento judicial brasileiro. Basta olhar o padrão discriminatório de nossa casuística criminal em todas as instâncias (não foi Moro que inventou o lava-jatismo, que continua a superlotar nossas prisões).
Seu comportamento, contudo, nem sempre encarna os ideais de virtude que suas frases expressam. Nomeado ao STF pelo primo Fernando Collor de Mello, acha que pagou um “preço injusto” pela crítica, afinal já tinha trajetória na advocacia e na magistratura. Parentesco era detalhe. Trabalhou pela nomeação de sua filha para desembargadora: “Jamais pedi voto, só telefonei depois que ela os visitou para agradecer a atenção a ela.”
Na cena mais grosseira de sessão do STF já transmitida pela TV Justiça, interrompeu jovem advogada, no meio de sua fala, para adverti-la a tratar os ministros por Vossas Excelências. Priorizou a liturgia da hierarquia à liturgia da boa educação e do respeito.
Seu traço mais distintivo como juiz é o apego à liturgia do individualismo, em prejuízo da colegialidade. Isso se manifesta na verborragia pública, que lhe permite praticar opinionismo político sobre conjuntura ao primeiro microfone que apareça e também agredir colegas. Só nesses meses, chamou Fux de “autoritário”, Alexandre de Moraes de “xerife” e autor de “ato nefasto”.
Seu estilo anticolegial também se destaca pela frequência extraordinária de seus votos vencidos, ponto fora da curva mesmo em um tribunal de baixa colegialidade. Em mais de 70% das decisões por maioria de que participou, esteve na minoria, sozinho em 55% das vezes (segundo estudo de Fabiana Luci de Oliveira).
Apaixonou-se por uma visão romântica de voto vencido, que “está a frente de seu tempo” e deixa “sementes de grandes transformações”, como os “great dissenters” da Suprema Corte americana. Tornou-se, na prática, um divergente empedernido (que “great dissenters” como Holmes e Harlan nunca foram). Vê virtude na sua indisposição de se deixar persuadir por outros argumentos, uma “vitória da democracia” e das “minorias”, uma fantasia quixotesca.

Marco Aurélio se aposenta em dois meses. Teve o mandato mais longevo da história do STF junto com Celso de Mello, os únicos que cruzaram a linha dos 30 anos. Tem dito que, nesses “tempos estranhos”, “não há espaço para retrocessos, não há campo para os saudosistas, democracia veio para ficar e o STF é a última trincheira na garantia da democracia.”

Nesses dois meses, tem provavelmente sua última responsabilidade histórica. Será substituído por um ministro terrível (evangélico ou não). Perguntado sobre qual mensagem daria para seu substituto, recomendou que percebesse a “envergadura da cadeira” e que “tenha presente que a coragem cívica é a síntese de todas as virtudes”.
O novo ministro usará a envergadura para outra coisa e coragem não estará entre suas virtudes. Para um “gran finale” de sua carreira judicial, Marco Aurélio poderia limpar suas gavetas daqueles casos que o novo terrível gostará de herdar para mostrar serviço ao bolsonarismo. Começaria pela ação que trata das prisões brasileiras (ADPF 347). A lista não é pequena.

Justiça manda Uber assinar carteira de motorista e pagar salário de R$ 3 mil, do site da CUT

O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15), em Campinas, no interior de São Paulo, reconheceu o vínculo trabalhista entre um motorista e a empresa Uber e determinou o pagamento ao trabalhador de salário equivalente a R$ 3.000 mensais.

Os juizes da 6ª Turma da 11ª Câmara do TRT afirmaram que a CLT equipara os efeitos jurídicos da subordinação exercida por meios telemáticos e informatizados àquela empreendida por meios pessoais e diretos. Disseram, ainda que "a liberdade quanto ao cumprimento da jornada de trabalho não é óbice ao reconhecimento do vínculo de emprego".

Os clientes atendidos pelo aplicativo são da Uber e não do motorista, sendo vedado qualquer contato entre as partes até o momento da corrida, entenderam os os magistrados, que consideraram a análise dos procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) neste sentido.

Uber manipula jurisprudência

Os juízes criticaram a tentativa da plataforma de manipular a  jurisprudência porque, menos de 24 horas antes do julgamento, as partes juntaram petição requerendo homologação de acordo e, consequentemente, a retirada do processo da pauta de julgamento. Os pedidos foram indeferidos.

A Uber, em um número considerável de demandas, "tem se disposto a celebrar acordo apenas nos casos em que se visualizam razões suficientes para se supor que o órgão julgador decidirá em sentido contrário ao seu interesse", apontaram os juízes.

"Tal postura deixa transparecer uma possível estratégia de se evitar a formação de jurisprudência no sentido do reconhecimento de vínculo empregatício, interferindo, desta maneira, que os Tribunais cumpram sua missão de unificar a jurisprudência por intermédio dos instrumentos processuais destinados a esse fim", segue a decisão.

Por isso, a turma considerou que a postura da Uber se configura como abuso de direito e viola o princípio da paridade de armas — já que, no exercício do contraditório, o julgador pode entender que a jurisprudência seria uníssona.

Além disso, em uma análise processual do acordo, os juízes entenderam que o valor pactuado (R$ 35 mil) não é razoável e que ele previa isenção de recolhimento tributário, o que é vedado pela legislação. 

A ação do motorista contra a Uber chegou ao TRT-15 depois que o trabalhador perdeu o processo em 1ª instância. Ele pedia para ser reconhecido como empregado da empresa, nos períodos de 10 de agosto de 2017 a 17 de julho de 2018 e de 26 de julho de 2019 a 24 de setembro de 2019.

Agora, o caso deverá voltar à 1ª instância, para que sejam analisados outros pedidos do motorista.

Com informações do Conjur

e do TRT-15