quarta-feira, 31 de julho de 2024

O melhor lugar para ver as Olimpíadas, Juca Kfouri, FSP

 Todo jornalista tem de ir aonde a notícia está e para o jornalista que cobre esportes a notícia está em Paris.

E aquele que não está, como este que vos escreve?

Bem, ele senta em frente à TV e vê os Jogos como seria impossível ver se lá estivesse.

Jogo do contente? Faz de conta que não estou nem aí? Inveja dos que estão em Paris?

Não!

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Quer dizer, sim. Ou melhor, talvez.

Vamos por partes.

Público acompanha partida de vôlei de praia
Público acompanha partida de vôlei de praia - Louisa Gouliamaki/REUTERS

De corpo presente, ou o popular in loco, estive em apenas três Olimpíadas e fui feliz nelas —embora na primeira, em Barcelona-1992, tenha ido mais a passeio, com a única missão de, na volta, escrever reportagem para Playboy sobre os bastidores da cobertura.

Como trabalhava também para a Rede Globo, além da Editora Abril, enfurnei-me no centro de imprensa e passei lá, vendo tudo, todos os dias, com enorme satisfação.

A cidade parecia ter treinado para receber o mundo e quis mostrar como pulsava a Catalunha sem o horror da ditadura franquista.

Foram dias rigorosamente sem nenhum percalço, clima permanente de festa.

Até hoje ouço a dupla Sarah Brightman e José Carreras cantando "Amigos Para Sempre", na cerimônia de encerramento.

Entre Barcelona-92 e Londres-2012 transcorreram 20 anos e na capital inglesa me dei conta de que se tivesse ficado em casa veria as Olimpíadas muito melhor.

Escalado para cobrir a seleção masculina de futebol, passei boa parte do tempo dentro de trens para Cardiff, no País de Gales, Manchester e Newcastle, porque só a finalíssima aconteceu no estádio de Wembley. E o Brasil perdeu para o México…

No máximo consegui ver quase todos os jogos da seleção feminina de vôlei, dois jogos da seleção masculina de basquete e uma prova de natação, de onde acabei expulso porque sem credencial.

Verdade que vi Zé Roberto Guimarães ganhar mais uma medalha de ouro, como havia visto com o time masculino em 1992.

A experiência na Rio-2016 foi parecida.

Outra vez atrás da seleção de futebol, só troquei o trem por avião, com óbvia desvantagem: Brasília, Salvador, São Paulo, apenas a semifinal e a final foram no Maracanã, quando, nos pênaltis, contra a Alemanha, enfim o futebol ganhou o ouro e dei por fim a obsessão de testemunhar a conquista que faltava à seleção.

Menos mal que ainda deu para ver Usain Bolt no Engenhão e a final do vôlei masculino entre Brasil e Itália, com ouro para os rapazes.

Tudo isso para dizer que a rara leitora e o raro leitor estão lendo, se chegaram até aqui, mal traçadas linhas escritas por um zumbi tresnoitado e redundante.

Ando esquecido de meu ofício e acordo às quatro da matina para não perder nada do que acontece em Paris.

Aflito com os riscos do skate, enamorado pelas ginastas, frustrado com o handebol e o futebol das mulheres, encantado com o tiro com arco, encharcado pela natação, quase um especialista em judô e sem perder um segundo dos estadunidenses no basquete.

A tal ponto que escrever sobre tanta coisa virou uma impossibilidade, egoísta que fiquei ao curtir cada momento e não querer tirar os olhos da tela, ou melhor, das telas, da TV e do tablet, às vezes até do telefone celular.

Como o mundo seria melhor se os países resolvessem suas diferenças nas quadras, nos gramados, nas piscinas e tatames, para não falar das pistas, onde as provas ainda não começaram.

Que venham!

Olimpíadas: Deputado propõe venda da EBC para financiar vila, FSP

 Motivado pelo resultado brasileiro nas Olimpíadas, o deputado Fernando Máximo (União-RO) apresentou um projeto de lei prevendo a venda da EBC (Empresa Brasil de Comunicação) para que os recursos sejam usados na reforma da Vila Olímpica, no Rio de Janeiro.

Além de melhorias no local, o parlamentar propõe a construção de um centro de treinamento de excelência para atletas que poderia ainda ser usado para eventos esportivos nacionais ou internacionais.

Foto aérea do condomínio Ilha Pura, antiga Vila Olímpica dos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro
Foto aérea do condomínio Ilha Pura, antiga Vila Olímpica dos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli - 16.jul.24/Folhapress

Para o deputado, a privatização ou concessão da EBC seria uma forma de manter sua sustentabilidade financeira e operacional.

O projeto prevê ainda que o Orçamento hoje destinado à empresa pública de comunicação, algo em torno de R$ 600 milhões, seja destinado para um programa de formação de atletas paralímpicos.

Antecedentes

Em 2021, a EBC chegou a ser incluída no Plano Nacional de Desestatização do governo Jair Bolsonaro, mas foi retirada da lista em abril do ano passado.

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Até 2020, a estatal contava com mais de 1.880 funcionários. Além da TV Brasil e da Agência Brasil, a companhia cuida de nove emissoras públicas de rádio pelo país.

Como mostrou a Folha, a antiga Vila Olímpica fluminense, criada para ser vendida no mercado imobiliário, ainda tem quatro dos sete condomínios fechados, sem autorização da prefeitura para habitação.

Dividida em residenciais para venda, o empreendimento, localizado em Jacarepaguá, ocupa uma área de 820 mil m², com 31 edifícios de 18 pavimentos cada um.

Dos mais de 3.604 apartamentos construídos, menos de 40% foram vendidos e a avaliação de agentes do mercado imobiliário é de que a ocupação não ultrapassa 30%.

O BTG Pactual tenta, em negociação com a construtora Carvalho Hosken, comprar os imóveis remanescentes que não foram vendidos.

Com Diego Felix

MPSP recorre para assumir ação que aponta abusos em rede católica de ensino, MPSP

 30 jul 24

Por intermédio da promotora de Justiça Sandra Massud, o MPSP apresentou recurso para assumir a autoria de ação civil pública que aponta supostas violações aos direitos de alunos em escolas administradas pelo grupo católico Arautos do Evangelho. O processo foi ajuizado pela Defensoria Pública, mas extinto após o Judiciário paulista decidir que aquele órgão não poderia propor a ação civil nos termos em que o fez. 

Segundo Sandra, a sentença foi omissa ao não determinar a intimação do Ministério Público para assumir o polo ativo do processo.

"Como sabido, nos termos do art. 127, caput c.c. art. 129, inciso III, da Constituição Federal e art. 5º, inciso I, da Lei 7.347/1985, cabe ao Ministério Público a propositura de ação civil pública para a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis. E, nos termos do art. 5º, § 3º, da Lei da Ação Civil Pública, o Ministério Público assumirá o polo ativo da ação no caso de desistência infundada ou abandono da ação", anotou a promotora nos embargos de declaração.

A petição inicial da ação traz alegações de privação ao convívio familiar e comunitário, rompimento deliberado de vínculos familiares, isolamento do mundo, despersonalização das crianças e exigência de obediência irrestrita à liderança da instituição.

terça-feira, 30 de julho de 2024

Deirdre Nansen McCloskey - Inovação na música ocidental, FSP

 Nos últimos anos, apaixonei-me pela música clássica ocidental. Durante a década de 1960, na universidade, fui obrigada, no estilo dos Estados Unidos, a fazer alguns cursos de "educação geral" na área de ciências humanas.


No último ano escolhi um curso de um ano de "apreciação musical", uma história da música ocidental,
do canto gregoriano até o dodecafônico.

Não sou musicista. Na universidade, eu era uma animada cantora de música folk, mas o melhor que conseguia fazer no violão era tocar os três acordes apropriados. No curso de apreciação musical fui mal, porque no segundo semestre de primavera parei de ir às aulas. Os alunos do quarto ano fazem isso, e eu estava apaixonada.

Festival de Salzburgo
Filarmônica de Viena, Elsa Dreisig, Michael Volle e Christian Thielemann depois da execução do 'Réquiem Alemão' no Festival de Salzburgo - Marco Borrelli/Divulgação

Naquela época, nunca ouvia música clássica. Eu a respeitava —minha mãe tinha sido cantora de ópera na juventude e, de qualquer forma, as pessoas educadas devem respeitá-la. Mas eu não a usava como música de fundo da minha vida. Agora uso.

Eu escuto o dia inteiro a WETA, a excelente estação de música clássica de Washington, e quando viajo sempre tento encontrar a estação de música clássica local, como a Scalla FM 102.9.

A nova paixão surgiu durante o ano em que minha mãe, aos 98, estava morrendo, entre 2020 e 2021, quando ela e eu, em homenagem à sua juventude musical, ouvíamos música clássica no rádio.

Quando me emociono com o concerto para flauta e harpa de Mozart, K. 299, sinto que o espírito de mamãe está comigo.

Mas sou economista e historiadora, e não consigo parar de pensar nesses assuntos. Existe alguma conexão misteriosa entre as inovações surpreendentes de 1776 até o presente na economia e as inovações igualmente surpreendentes de 1600 até o presente na música clássica?

Até onde sei, mesmo a música das cortes da Índia ou da China, digamos, não passou pela elaboração de harmonia, contraponto, modulações de tons e mudanças dinâmicas que ocorreram na Europa.

É claro que o grande enriquecimento afetou a música, trazendo a alta música clássica para a burguesia nas enormes salas de concerto do século 19, e então produzindo a música gravada dos grandes que minha mãe e eu ouvíamos. Mas estou perguntando se há alguma conexão causal mais profunda, sinalizando algo único sobre os primórdios da Europa moderna.

Diga-me você.

Lide - Seminário Transportes e Mobilidade 1 ago 2024

 

Juliano Spyer Judith Butler foi mesmo censurada no Brasil?, FSP

 É razoável dizer que o último livro da filósofa Judith Butler foi retirado das livrarias no Brasil devido à perseguição de uma organização evangélica?

O Brasil é protagonista na história do livro "Quem tem medo do gênero?". Butler o escreveu após ser hostilizada em São Paulo, em 2017. O clima no país estava tenso exatamente um ano antes do pleito presidencial que elegeu Jair Bolsonaro.

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Manifestação em frente ao Sesc Pompeia contra palestra de Judith Butler - Bruno Santos/Folhapress

Foi uma eleição marcada pelo debate sobre moralidade. E Butler influenciou a discussão por teorizar que masculino e feminino são construções sociais e culturais, não apenas biológicas.

Para a Boitempo, a editora que distribuiu e depois precisou recolher o livro de Butler nas livrarias, a perseguição continua. E culpa a Casa Publicadora Brasileira, ligada à Igreja Adventista, por seu prejuízo.

Por meio de um comunicado, a Boitempo diz que a obra de Butler expõe "discursos reacionários" que criam "pânico moral (para) angariar apoio popular a projetos políticos fascistas, autoritários e excludentes". E defende que a CPB usou como pretexto uma infração de direitos autorais para impedir a circulação do livro. Mas a realidade é mais complexa.

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A capa de "Quem tem medo do gênero?" foi feita a partir da fotografia de um protesto de rua. Mas o que aparece no livro é apenas a porção de um cartaz com duas ilustrações em destaque. E uma delas é de um personagem de história em quadrinhos que a editora adventista publica há décadas.

A revista em que o personagem aparece se chama Nosso Amiguinho; é uma espécie de "Turma da Mônica" do mundo cristão. Ela circula inclusive fora da "bolha" adventista por ser mais educativa do que religiosa.

O músico Jônatas Luz folheou 373 edições da Nosso Amiguinho lançadas entre 1952 e 2001 para uma pesquisa. "Por décadas, a seção de aprender a tocar violão só tinha música popular brasileira, samba incluso."

Em seu comunicado, a Boitempo zomba do personagem, dizendo que ele é "desconhecido por nós e por toda a torcida do Flamengo". Mas quem será menos conhecido no campo popular: uma revista cristã ou a produção acadêmica de uma filósofa cuja obra é especialmente difícil de ler?

A Igreja Adventista não está livre de pecados. Assim como quase todas as organizações cristãs do Brasil, se encantou pela perspectiva de ocupar o estado e cristianizar a partir dele. E persegue internamente quem resiste. Esse é o motivo da expulsão do pastor Edson Nunes, um ex-adventista.

Mas este episódio nos ajuda a pensar como o campo progressista pode tratar a academia como igreja, cultivar ídolos a partir de "textos sagrados", e promover cruzadas "do bem" contra um inimigo que odeia sem se dar ao trabalho de conhecer de perto.