Até agora, a briga entre Elon Musk e Alexandre de Moraes é mais barulho do que fatos. E Musk sabe fazer barulho. Já disse que não mais cumprirá decisões judiciais de banir perfis da sua rede, a X, e que tornará públicos os pedidos anteriores de restrição.
Não falta quem duvide das intenções de Musk, que afirma se guiar apenas por princípios. Musk pode ser ou não um gênio dos negócios, um grande blefador, um militante da extrema direita, um seguidor seletivo dos princípios que invoca ou mesmo um pouco de tudo isso. Pode ser; mas nada disso muda o fato de que a questão que ele levanta é real. E é dela que quero falar.
A Justiça brasileira, seja nos inquéritos de ofício relatados por Alexandre de Moraes, seja nas pretensões sempre maiores do TSE de controlar o discurso para impedir fake news, tem tido problemas com a liberdade de expressão.
O contexto é fundamental. Contra quem acusa de vivermos uma ditadura na qual um ministro do Supremo um belo dia decidiu censurar indiscriminadamente, é preciso lembrar que, no governo anterior, vivemos os preparativos para um plano real e concreto de golpe de Estado. Descredibilizar as urnas —por meio de fake news e do uso de má-fé das Forças Armadas para avaliar nosso sistema eleitoral— era parte fundamental desse plano. Tudo isso pode e deve ser aceito.
Mas o fato é que essa ameaça foi desarmada. Agora o momento é outro, e a postura mais proativa dos últimos anos perdeu qualquer justificativa, sem falar que mesmo lá atrás podia causar injustiças. Como o ministro Barroso disse recentemente, passada essa ameaça, "precisamos voltar a um STF que seja menos proeminente". Para que isso ocorra, é preciso que a Justiça seja transparente com as decisões restritivas que estão em vigor, que dê prazo para elas e que leve quem for acusado de crimes a um real julgamento com direito de defesa.
Incluir Musk no inquérito das milícias digitais é o oposto disso: é levar o Supremo para a proeminência global, e não de uma forma boa. Prepara-se o terreno para uma humilhação nacional. Se o STF não conseguiu sequer que os EUA extraditassem o blogueiro Allan dos Santos, por que teria mais sucesso com Musk? Se for além disso e banir o X, além do dano para milhões de usuários brasileiros, colocará o Brasil em descrédito no mundo, um exemplo negativo do que ocorre quando uma autoridade se imbui da tarefa de definidora última da verdade.
A proeminência também segue intacta na resolução do TSE sobre as eleições, que inclui cobrar das plataformas que impeçam a circulação, sem decisão judicial, não apenas posts com informação inverídica como até mesmo aqueles cujas informações, embora verídicas, estejam "gravemente descontextualizadas". Não é preciso muito esforço para perceber que tal grau de subjetividade é porta aberta para a injustiça.
A ideia da Justiça como uma grande saneadora do debate público é indesejável e, na verdade, impossível. Pessoas que erram, exageram, provocam e até mentem fazem parte de todo debate público saudável. Não há regulamentação possível que dê conta de nos levar de volta aos "bons e velhos tempos" em que poucos tinham voz e essas vozes podiam ser devidamente selecionadas.
Em última análise, estamos debatendo qual o caminho pelo qual a viabilidade de nossas instituições deve ser mantida: pela persuasão no debate público ou pela força bruta que impede esse debate. Apenas uma delas é sustentável. A força bruta pode até evitar uma catástrofe no curto prazo, mas ao custo de corroer a credibilidade de que as instituições precisarão para se garantir no longo.
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