Pela primeira vez, o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, então ministro da Defesa de Jair Bolsonaro, foi acusado no domingo, dia 11, publicamente por um colega de farda de omissão no episódio que levou à intentona do dia 8 de janeiro, em Brasília. E quem o fez é o também general e ex-ministro de Bolsonaro Carlos Alberto dos Santos Cruz.
“Quem tinha que defender as Forças Armadas, no nível político, era o Ministro da Defesa”, afirmou à coluna. Sobre os demais generais palacianos, entre eles Walter Braga Netto, Santos Cruz afirmou que, no caso dele, e dos demais “ficava por conta da iniciativa de cada um” agir contra ação golpista, “o que nunca se concretizou”.
Há três semanas, generais da ativa e outros militares deixaram claro seu descontentamento com o papel desempenhado por colegas de farda no ataque às sedes dos Três Poderes, em Brasília. Classificavam como “desleal” a conduta dos colegas bolsonaristas que tentaram incitar coronéis com comando de tropa a ultrapassar os generais que se recusavam a dar o golpe contra posse de Luiz Inácio Lula da Silva.
As críticas, no entanto, evitavam apontar nominalmente os colegas, exceto nos casos em que a disciplina foi esgarçada de forma intolerável, e o xingamento a colegas de turma e a oficiais generais foi feito de forma pública, para além dos muros das casernas. Esse seria o caso de coronéis como Adriano Testoni e José Placídio Matias dos Santos, que alegam inocência.
Depois de fechar suas redes sociais em 2 de fevereiro, o Exército decidiu reabri-las em 30 de abril. Tornou-se alvo de uma campanha gigantesca de radicais bolsonaristas. No Congresso, deputados afinados com o antigo governo, como Ricardo Salles (PL-SP) chegou a dizer que investir nas Forças Armadas seria “desperdício de dinheiro público”.
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Durante um mês espoucaram aqui e ali manifestações de militares que buscavam defender a instituição e esclarecer o público sobre o “papel do Exército nos fatos”. Mas até então ninguém apontara o dedo publicamente para os generais palacianos que acompanharam Bolsonaro nos últimos meses de seu mandato.
Esse tabu caiu ontem, enquanto se comemorava o Dia da Marinha, em Copacabana, no Rio. É inevitável a comparação nessa mesma Avenida Atlântica entre o público de ontem e o de 7 de setembro de 2022, quando as fronteiras entre um desfile militar e um ato de campanha eleitoral se esvaneceram até quase sumir. Se milhares lotavam a orla naquele dia e assistiram à passagem da esquadra, ontem, o carioca parecia mais disposto a fazer seu cooper sem dar atenção à banda dos Fuzileiros Navais e aos seus blindados, que tanta polêmica causaram em 2021, no dia em que o Congresso rejeitou a PEC do Voto Impresso.
“Os covardes nunca estão na linha de frente”, escreveu o general Santos Cruz. Seu artigo foi publicado no canal MyNews. Ex-ministro de Bolsonaro e, depois, um de seus maiores críticos entre os militares, o general não é uma figura qualquer. Quando fala em “linha de frente”, ele sabe o que diz. Entre 2013 e 2016, ele comandou a força multinacional de imposição da paz, na República Democrática do Congo.
Cruz disse que Bolsonaro teve “muito sucesso como cabo eleitoral do seu opositor, sem tirar o mérito próprio do atual presidente”. Para ele, de todas as instituições que o ex-presidente “prejudicou e desgastou, a que mais sofreu, e vem sofrendo, é o Exército brasileiro”.
O general afirmou que os acampamentos na frente dos quartéis foram estimulados após a derrota eleitoral “para pressionar o Exército a tomar decisão política descabida”. Como a instituição não embarcou no golpe, começou a campanha de difamação contra a Força e seus generais. Houve falta de “noção de disciplina, de respeito, e de limites do que é liberdade de opinião”.
Escreveu ainda Santos Cruz e confirmou para a coluna: “Alguns covardes e inconsequentes queriam que, depois de um processo eleitoral, dois turnos e um candidato eleito, o Exército impedisse o prosseguimento normal da vida nacional, tomando uma decisão política absurda. Essa tentativa de transferência de responsabilidade é a mais profunda traição já sofrida pelo Exército.”
O general afirmou que nenhum dos “covardes e fanfarrões que atacavam e atacam atualmente o Exército teve coragem de ir até junto daquelas pessoas acampadas na frente dos quartéis”. “Os covardes nunca estão na linha de frente. Eles estão sempre escondidos nos seus gabinetes, nas suas imunidades, na internet, nos grupos de redes sociais, no anonimato etc. Eles empurram a massa de manobra para fazer besteiras. Os manipulados e os inocentes úteis que se acertem com a Justiça!”
Para Santos Cruz, a responsabilidade por orientar de forma “clara e honesta” quem estava na frente dos quartéis era do presidente e do ministro da Defesa, as autoridades políticas. “O Ministério da Defesa não se manifestou e não defendeu o Exército. O comandante se manteve em atitude disciplinada (...). O Exército engoliu essa barbaridade em nome da disciplina e da institucionalidade.” Santos Cruz terminou seu texto afirmando que “atacar o Exército não é o caminho para a solução dos muitos e graves problemas nacionais”. “Isso é simplesmente oportunismo e covardia!”
Compreende-se a posição do general. Mas, em 11 de novembro de 2022, os comandantes então das três Forças publicaram uma nota conjunta na qual chamavam as manifestações bolsonaristas de “pacíficas” e condenavam “restrições a direitos por parte de agentes públicos” e “excessos cometidos” em atos pelo País – que pudessem “restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a segurança pública”.
A atribuição de responsabilidades – civis, administrativas e criminais – cabe à Justiça. Essa espada está acima da cabeça de muitos dos que se envolveram em ilegalidades durante o governo Bolsonaro. E pode levar, dependendo das condenações proferidas, à expulsão do Exército dos oficiais responsáveis.
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