Gilberto Amendola, O Estado de São Paulo
01 de junho de 2019 | 15h55
“A consolação do paulista é o bar.” A frase é do cartunista Chico Caruso, um dos frequentadores históricos do Riviera Bar, localizado exatamente na esquina da Avenida Paulista com a Consolação. Apesar dos percalços do tempo, fases ruins e interrupções, uma das instituições etílicas mais duradouras da cidade chegou aos 70 anos. “Frequentei tanto que parte do meu doutorado não foi em Harvard, como agora é moda, mas no Riviera”, disse o outro Caruso cartunista, o Paulo.
O bar foi inaugurado em 1949 no térreo de um ícone modernista, o edifício Anchieta (projeto do escritório de arquitetura MMM Roberto). A abertura do processo de tombamento do prédio começou em 2004. Segundo o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental de São Paulo (Conpresp), a oficialização do tombamento está prevista para esse ano.
No início dos anos 1950, o lugar lembrava um salão de chá e era frequentado pela aristocracia da cidade. Apesar do glamour, foram os anos 1960 e 1970 que construíram a mística do bar. “Até hoje quando fico um pouco aborrecido com a vida, vou caminhar pela Consolação, perto do Riviera, para relaxar e ter boas lembranças”, confessou o artista plástico e arquiteto Claudio Tozzi.
No período do regime militar, o Riviera foi uma espécie de extensão da vida estudantil da Rua Maria Antônia, na Vila Buarque. Na ocasião, alunos da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) e do Mackenzie – bem como estudantes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – subiam a Consolação rumo ao bar ou ao cinema, o Belas Artes. “Ia de segunda a segunda. A gente se sentia insegura com o País. E sozinha. Ir ao Riviera era uma oportunidade de encontrar nossa turma. Era nossa válvula de escape. A gente namorava, falava de política e, enfim, vivia”, disse a jornalista Dina Amendola.
O advogado e ex-deputado federal Airton Soares lembra que existia uma espécie de código entre frequentadores. “Quem ficava no andar de baixo, estava lá para debater política ou paquerar. Agora, se você subia acompanhado, era porque o namoro era sério e você queria um pouco de privacidade.” Soares também apontou o fato de a frequência estudantil ter chamado muita atenção dos policiais e militares. “Às vezes, tinha gente lá só para ficar escutando as nossas conversas.”
Carimbo. Não faltam acontecimentos marcantes na vida cultural da cidade com o “carimbo Riviera”. Entre os mais conhecidos estão a festa de Chico Buarque pela vitória de A Banda no Festival da Canção, de 1966 (a música empatou com Disparada, de Geraldo Vandré, em primeiro lugar) e o fato de o fanzine O Balão ser vendido no bar. A publicação contava com nomes como Laerte, Luiz Gê, Angeli e os irmãos Caruso. Angeli, por exemplo, inspirou-se em frequentadoras do Riviera para criar uma de suas personagens mais emblemáticas, a Rebordosa, e muitas outras histórias.
Foi na década de 1990 que o bar começou um processo de decadência. Saíram os estudantes e sobraram funcionários de escritórios. O local perdeu prestígio. As mesas estavam cada vez mais bambas, os garçons, menos marcantes e a cerveja, mais quente. No fim daquela década, ex-frequentadores tentaram reerguer o Riviera, transformando-o em uma espécie de centro cultural.
Infelizmente, a iniciativa não prosperou. O Riviera fechou as portas em 2006. Só sete anos depois, voltou a ser ocupado por iniciativa do empresário Facundo Guerra e do chef Alex Atala. Hoje, é gerido por aquele que já foi conhecido (e ainda é) como o rei da noite paulistana, o empresário José Victor Oliva, que entre os anos 1980 e 1990 (justamente no período em que o antigo Riviera entrava em decadência) fazia sucesso com casas noturnas como The Gallery, Banana Café, Moinho Santo Antônio e Resumo da Ópera.
Repaginado. Hoje, o Riviera está mudado. Não é mais a chamada esquerda estudantil a ocupar suas mesas (que alguns chamavam maldosamente de esquerda festiva). O público se adequou aos novos tempos. No térreo, um balcão vermelho serpenteia o ambiente. Clientes provam coquetéis reconhecidamente bem executados. Pouco se fala de política. No andar de cima, estão as mesas maiores, é possível namorar, fechar negócios, fazer festas de aniversário e apreciar uma visão emblemática da cidade (parte da Avenida Paulista e da Rebouças). Tudo isso, às vezes, ao som de uma banda de jazz.
De vez em quando passa por lá um cliente saudoso: “Quando passo naquela esquina, farol luminoso a orientar a pujança de uma cidade em constante ebulição, é como se voltasse a respirar uma atmosfera de juventude que ficou espalhada pelas paredes daquele bar atemporal”, confessou o músico Toquinho.
5 PERGUNTAS PARA:
José Victor Oliva, empresário, atual dono do Riviera
1. O que é o Riviera para você? Eu trato isso como uma joia, um caso de amor. O Riviera é um dos quatro ou cinco bares mais bonitos, charmosos e sexies que eu conheço. Sabe, essa coisa meio sexy das paredes redondas... Quando desfiz a sociedade com o Facundo Guerra, quis ficar com o Riviera. Ele é importante demais e precisa ser bem mantido.
2. Ele dá lucro? Hoje eu não tenho mais um restaurante desse pelo lucro, mas pelo tesão que é ter o Riviera. É uma obra de arte. É como uma escultura, um carro antigo.
3. Quem é o seu cliente hoje? Gente que gosta de coisa bem feita, de um lugar bacana e alegre. E com esse visual metropolitano, que também lembra Nova York e Tóquio.
4. A noite mudou muito dos tempos do Gallery pra cá? As pessoas mudaram. Hoje, o cliente sabe o que é um bom vinho. Antes, as casas tinham dois ou três rótulos. Tinha vodca, uísque e champanhe. Hoje, a noite é coquetelaria. Antigamente, o barman era alguém que colocava gelo no uísque e, às vezes, um clube soda. Agora, eles são verdadeiros artistas.
5. Sente falta da noite do passado?Eu sinto falta do romantismo. Hoje é difícil achar um lugar para dançar de rosto colado. Não sei quando isso voltará, mas irá voltar. A noite é pendular. Uma hora, o romantismo estará de volta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário