domingo, 31 de março de 2019

Fase Racional de Tim Maia chega ao streaming, OESP

Além dos discos Racional 1, 2 e 3, que já estão disponíveis, um álbum inédito gravado em espanhol deve chegar ainda neste mês às empresas de consumo digital; período é considerado um dos musicalmente mais inspirados do artista

Julio Maria, O Estado de S.Paulo
31 de março de 2019 | 05h00
Tim Maia já havia aspirado todos os pós e entornado todos os líquidos naquele ano de 1975, quando se sentou com o amigo Tibério Gaspar em um fim de semana. Depois de mandar uma mescalina para dentro, passou a folhear um livro indicado pelo amigo, cheio de conceitos sobre os quais jamais havia escutado. Universo em Desencanto, Mundo Racional, Racional Superior, Cultura Racional,
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Tim Maia nos anos 70, só permitia que usassem branco Foto: ARQUIVO PESSOAL
Energia Racional. A história assim: todos os viventes da Terra vieram de um outro planeta. A Terra é nosso exílio, nos sujando e nos magnetizando, submetendo-nos a todo tipo de sofrimento. A saída? Ler o livro Universo em Desencanto e seguir os ensinamentos do emissário Manoel Jacintho Coelho até atingirmos o estágio da Imunização Racional e sermos resgatados pelos seres extra terrenos que nos levarão de volta ao mundo original. Quando fechou o livro, Tim já era outro homem.
Uma das fases místicas mais vasculhadas de um artista brasileiro, a conversão de Tim Maia à Cultura Racional, rendeu ao todo três álbuns execrados à época pela crítica mas considerados hoje cálices sagrados de colecionadores e fãs da soul music brasileira. Embriagado pelos mandamentos do livro, Tim parou com o álcool, com a cocaína e com a carne vermelha. Ele e seus músicos deveriam usar branco, praticar sexo apenas para a procriação, pintar seus instrumentos de amarelo e, como cláusula inegociável, ler o livro. E quem não gostasse perigava tomar um tapa no pé do ouvido e ser demitido da banda. “Eu não sei se acreditávamos ou não, mas fazíamos o que ele queria. A gente estava tocando com o cara”, lembra Serginho Trombone, um dos músicos da tropa racional.
O devoto Tim entregou ao Universo Racional o que ele tinha de melhor. Músicas que já haviam sido terminadas em 1974 sobre a base mais influenciada pelo soul e o funk norte-americanos que criou em toda a sua biografia tiveram suas letras modificadas e adaptadas ao discurso das elevações espirituais. O primeiro álbum saiu em 1975 e o segundo em 1976. Um terceiro projeto, chamado Racional 3, gravado também em 1976, só seria lançado 35 anos depois. No momento em que o registrava, Tim passou por uma espécie de desimunização racional. Não se sabe ao certo o que viu, mas boa coisa não foi. Ao chegar em casa, comeu um filé de brotossauro mal passado, acendeu um baseado, rasgou as roupas brancas e se dirigiu à janela de casa, nu, para gritar palavras nada elegantes ao ex-mestre. “Pilantra”, “ladrão” e “tarado” estavam entre elas. Os discos foram imediatamente amaldiçoados e se tornaram um pesadelo.
“As letras se tornaram um atestado de otário para Tim”, diz Nelson Motta. Proibidos pelo autor, com suas prensagens descontinuadas, os álbuns se tornaram peças arqueológicas. “O vinil dos dois primeiros sai por, no mínimo, R$ 1 mil cada. O terceiro pode ter um valor menor”, diz o jornalista Ramiro Zwetsch, da loja Patuá Discos.
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O filho Carmelo Maia, devidamente vestido de Cultura Racional Foto: Arquivo Pessoal
E então, o universo encantado dos streamings. Esses, como muitos outros discos de Tim, não estavam ainda disponíveis nas grandes plataformas de música – algo como dizer que não existiam para uma geração inteira. Depois de uma negociação conduzida por Carmelo Maia, filho e único representante legal do cantor, as músicas passaram a fazer parte dos catálogos há uma semana. Racional 1, 2 e 3 estariam completos se não fosse por um detalhe. Três músicas ficaram de fora, por uma falta de entendimento legal com as suas respectivas editoras. São elas O Caminho do Bem (talvez a maior falta), Cultura Racional (ambas do volume 2) e Lendo o Livro (do volume 3). 
Quase ao mesmo tempo, um outro Tim Maia ainda desconhecido virá à tona, segundo as previsões, ainda neste semestre. São gravações de seus sucessos em espanhol que ele nunca lançou. Carmelo explica. “Meu pai, depois de ficar desiludido no Brasil, foi para os Estados Unidos e ficou por lá cinco anos, recebendo influências de latinos e norte-americanos. Nos anos 90, gravou uma série de discos, entre 1994 e 1998 (ele morreria em março deste ano), com uma produção que não era nada comum. Em dois anos, fez cinco CDs de uma vez. E um desses, que nunca lançou, traz essas músicas em espanhol, comoPrimaveraAzul da Cor do Mar e Cristina.”
Há uma questão delicada nos relançamentos feitos à revelia de artistas que não estão mas presentes para vetá-los ou não. O cantor e compositor Hyldon já se pronunciou contrário, considerando um desrespeito trazer à luz uma fase que Tim teria renegado à escuridão. Carmelo fica possesso. “O problema é que existe muito cacique para pouco índio e as pessoas se esquecem de que, nessa tribo, só existe um cacique que se chama Carmelo Maia. Se quiserem decidir sobre as questões do meu pai, posso repassar a elas também os 413 processos que Tim deixou para eu resolver.”
Carmelo diz que Tim já vinha em um processo de aceitação das músicas. “Ele já tocava Racional Culture nos shows dos anos 90. Eu tenho isso gravado. Mas falar de Tim Maia é como falar de Seleção Brasileira em Copa do Mundo, todo mundo vira técnico. Eu estou aqui seguindo os mandamentos Maia.”
O próprio Carmelo é ele mesmo um fruto dos Maia vindo ao mundo em plena era da Cultura Racional. “Em nasci em 24 de janeiro de 1975, em pleno Universo em Desencanto.” A foto que está abaixo, enviada por ele à reportagem, é prova disso. O pai o vestia de branco com o símbolo da crença no peito. “E eu não podia usar outra roupa.” Seu nome foi uma sugestão do guru Manoel Jacintho, que veio a Tim com três opções assim que o menino nasceu: 1. Robson. O nome, traduzido, seria algo como filho de Roberto (son é filho em inglês). Filho de Roberto era o último nome que Tim colocaria em um rebento seu naqueles anos em que ainda amargava a esnobada de Roberto Carlos no início de sua carreira, quando pediu ajuda para ser lançado mas não teve atenção. “Filho de Roberto é o c...., mermão.” Não foi o que ele disse ao honorável guru, mas foi o que desabafou em casa. 2. Telmo. Tim lembrou na hora de San Telmo, um santo espanhol, e decidiu ali mesmo. “Meu filho jamais vai ser santo, mermão.” Carmelo era a terceira opção, e ela pegou no coração de Tim. O nome lembrava Nossa Senhora do Monte Carmo e, por associação, levava à sua mãe, que ele tanto respeitava. Tim levou o filho ao cartório e o registrou: Carmelo Maia. Quando voltou para casa, o apresentou: “Aqui está mãe, esse aqui é o Telmo.” Não se sabe porque, se fez confusão ou se arrependeu do registro, mas o fato é que, em família e na escola, Carmelo virou Telmo. 
Tim realizou sua fase espiritual confirmando um comportamento artístico quase unânime. “As fases espiritualistas costumam render grandes discos”, levanta Ramiro Zwetsch. Álbuns históricos foram feitos sob o manto da fé, seja lá no que for. Baden Powell e Vinícius de Moraes mergulharam nos terreiros para realizar, em 1966, a antologia do Afro-Sambas. John Coltrane queria toda a verdade do universo e a proximidade com seu criador ao gravar A Love Supreme, em 1965. Os Beatles entregaram-se à meditação transcendental do mestre indiano Maharishi Mahesh Yogi e foram à Índia para criar músicas que usariam em várias álbuns, como Dear Prudence, Norwegian Wood e Across The Universe. Aretha Franklin desceu às origens cristãs batistas e gravou Amazing Grace, em 1972, dentro de um templo de Los Angeles. Raul Seixas fundou ele mesmo, ao lado de Paulo Coelho, um irmandade, ou uma Sociedade Alternativa, lançada no disco Gita, de 1974, baseada em pensamentos do ocultista britânico Aleister Crowley: “Faze o que tu queres, há de ser tudo da Lei.” Uma espécie de liberdade anti-Cultura Racional. Quando Tim o encontrou, a conversa dos dois começou a ganhar um rumo perigoso. Tim queria levar Raul para a sua seita sob argumentos não muito espiritualísticos: “Tu toma cuidado, hein, magrelo. Nego cheira cocaína e fica logo com vontade de dar o… Cocaína afrouxa o brioco, mermão!”
Há um elo perdido no horizonte de Carmelo. Ele diz ser um sonho descobrir, afinal, onde estariam as gravações que Tim Maia fez com a JB Band, a banda de James Brown, nos Estados Unidos. Por ora, não se sabe nem se elas existem mesmo. Outro projeto que o herdeiro diz estar negociando é a montagem de um musical sobre Tim Maia, desta vez, na Broadway. Ele diz já ter tido contato com produtores norte-americanos que querem um projeto só com atores estrangeiros.
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A falsa boa ideia, Ruy Castro, FSP

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Algumas ideias, quando nos ocorrem, parecem boas. Mas só parecem

Rita Lee contou certa vez que, um dia, em Londres, viu-se diante da porta da sala de John Lennon no prédio da Apple, a corporação que geria os negócios dos Beatles. Emocionada, não vacilou: lambeu a maçaneta da porta sagrada. Era o mais perto que podia chegar de um membro de John —no caso, os dedos que ele usava para abrir a maçaneta. Não lhe ocorreu que John Lennon não abria portas —todo mundo fazia aquilo por ele. Donde Rita lambeu a maçaneta em vão. Na hora, parecia uma boa ideia. Mas era uma falsa boa ideia.
Outra aparente boa ideia foi a do artista Alfredo Volpi, de pintar uma série de bandeirinhas usando gema de ovo. O resultado ficou deslumbrante. Ele só não contava com que, tempos depois, o ovo usado na tela atraísse certos insetos cascudos apreciadores da dita gema, os quais comeram suas bandeirinhas. Outra falsa boa ideia.
O compositor Ronaldo Bôscoli, então noivo de Nara Leão, resolveu namorar secretamente Maysa, a fim de atrair a cantora para a bossa nova. Também parecia uma boa ideia. Maysa gravou “O Barquinho”, dele e de Roberto Menescal, e empolgou-se com a bossa nova. Mas empolgou-se também com ele e, para terror de Bôscoli, anunciou à imprensa que iriam se casar. Imagine o choque de Nara ao ler no jornal que seu noivo estava noivo de Maysa. Nara rompeu o noivado, abandonou a bossa nova e se juntou à música de protesto. Ali Bôscoli descobriu a falsa boa ideia.
Eu também já cometi várias no gênero. Uma delas, nos anos 70, foi a de escrever um romance. Até aí, tudo bem. Só que tive a ideia de escrever a história ao contrário —como um filme que rodasse de trás para frente. Escrevi 60 páginas e pedi a um amigo, o romancista Marcos Santarrita, que lesse e me desse sua opinião. Ele fez isto e foi franco: “É a pior coisa que já li”. 
Reli o material. Concordei com ele e joguei tudo fora. Era uma falsa boa ideia.
Ronaldo Bôscoli e Maysa, em Buenos Aires
Ronaldo Bôscoli e Maysa, em Buenos Aires - Reprodução do livro 'Maysa'
Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.

Empresas já projetam que retomada da economia virá apenas em 2020, FSP

Desarticulação do governo fragiliza confiança, o que inibe investimentos e geração de empregos

Arthur Cagliari
SÃO PAULO
Passado o primeiro trimestre do ano, o setor empresarial abandona a expectativa de viver uma retomada vibrante em seus negócios ainda em 2019. Sedimenta-se a certeza de que o crescimento vai ficar para 2020, principalmente no setor industrial.
A avaliação é que nem a aprovação da reforma da Previdência conseguiria mudar o cenário a esta altura.
Parte da projeção leva em consideração que a confiança, já frágil, sofreu novo golpe com a desarticulação política do governo no início de mandato. A troca de farpas entre o presidente JairBolsonaro (PSL) e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), agravou a sensação de instabilidade política.
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“Quando acontecem fatos beligerantes entre Executivo e Legislativo, o povo tira o pé do acelerador, para não dizer que botou o pé no freio”, afirma o presidente da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), José Carlos Martins.
“O conflito entre Poderes causa ruído e desvia o foco do que é fundamental neste momento: precisamos da aprovação de projetos para o país”, diz Fernando Pimentel, presidente-executivo da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e Confecção).
 
A leitura é que houve perda de tempo. Daqui para a frente será preciso esperar ações concretas para que os novos investimentos sejam desengavetados.
“Desanuviando esse ambiente pesado que nós estamos vivendo hoje e avançando a reforma da Previdência, haverá mais confiança, o que puxa investimentos. Mas não vai ter um boom de investimentos agora. Em termos práticos, isso ficaria para 2020”, afirma Pimentel.
No caso da indústria, o movimento de retomada também precisa superar uma limitação operacional: a grande capacidade ociosa nas linhas de produção.
Segundo dados da FGV (Fundação Getulio Vargas), a ociosidade média da indústria brasileira está na casa de 26% —patamar muito elevado.
Fernando Figueiredo, presidente-executivo da Abiquim (Associação Brasileira da Indústria Química), conta que, no ano passado, a capacidade ociosa nas empresas do setor foi de 23%, o que não abre espaço para investimentos.
“A previsão de investimentos da indústria química do Brasil até 2022 é de US$ 1 bilhão [cerca de R$ 3,9 bilhões]. É o mesmo que você escrever investimento zero”, diz Figueiredo.
“Para ter uma ideia, no mesmo período, a previsão de investimento do setor nos Estados Unidos é de US$ 220 bilhões”, afirma ele.
A reversão desse quadro será lenta, mesmo se a reforma da Previdência for aprovada, diz o presidente-executivo da Eletros (Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos), José Jorge do Nascimento Junior.
“Se a reforma da Previdência for aprovada até o meio do ano e houver uma recuperação do otimismo, em meio a momentos que costumam ser marcados por uma alta no consumo, como Black Friday e Natal, a capacidade ociosa pode começar a diminuir em setembro, mas crescimento mesmo viria apenas em 2020”, diz ele.
Sem investimentos nas operações já existentes ou na abertura de novas unidades neste ano, o cenário no mercado de trabalho também se deteriora.
 
A taxa de desocupação no país voltou a subir nos três meses até fevereiro, informou, na sexta-feira (29), o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
 
No período, atingiram patamares recordes o número de desalentados (pessoas que desistem de procurar trabalho) e o número de trabalhadores subutilizados (pessoas que trabalham menos do que poderiam).
O setor da construção, espécie de locomotiva na criação de vagas, é um exemplo da anemia que contagia o mercado de trabalho.
Após amargar o fechamento de 974 mil postos entre 2014 e 2018, as contratações voltam em um ritmo muito lento.
Em janeiro e fevereiro, o saldo entre fechamento e abertura de vagas foi positivo em 26 mil —número muito aquém do saldo de 109,5 mil gerado no mesmo período em 2009, momento áureo em obras.
Para voltar a investir e a contratar com força, o setor empresarial também aguarda medidas que possam melhorar o ambiente econômico, explica Martins, da construção civil.
“Você investiria as suas reservas econômicas em um projeto que começa dar resultado daqui a dez anos, sem saber o que vai vir pelo caminho? Nenhum de nós é louco de fazer isso, muito menos o investidor internacional. Antes de chegar a isso, é preciso ter um cenário econômico futuro razoavelmente definido”, afirma ele.
Outras medidas para destravar a economia foram defendidas e apresentadas a Bolsonaro e aos ministros Paulo Guedes (Economia) e Onyx Lorenzoni (Casa Civil), na segunda-feira (25), por executivos que compõem a coalizão indústria.
No encontro, os empresários entregaram uma agenda econômica para o país, mas sempre reforçando a importância de dar prioridade à aprovação da reforma da 
Previdência.
“Para o país avançar, é preciso arrumar a casa. Isso é o ajuste fiscal. Mas, além da reforma da Previdência, precisamos de outras reformas, como a tributária”, afirma Marco Polo de Mello Lopes, presidente-executivo do IABr (Instituto Aço Brasil).
Os executivos reforçaram que a construção civil, as obras de infraestrutura e as exportações têm uma importante contribuição para o crescimento econômico.
Para que esses setores ganhem fôlego, dizem, dependem da redução da burocracia, do aumento do crédito e de uma abertura comercial —conjunto de medidas que podem ser agilizadas com a melhoria do ambiente regulatório com base em ajustes legais feitos pelo governo.
A coalizão reúne representantes dos setores automotivo, químico, têxtil, plástico, do aço, de brinquedos, de calçados, do comércio exterior, de máquinas e equipamentos, da construção civil e de eletrônicos.
Para dimensionar o potencial da coalizão, Lopes apresenta números. O grupo representa 39% do PIB [Produto Interno Bruto] da indústria, movimenta R$ 485 bilhões na economia do país e é responsável por 30 milhões de empregos diretos e indiretos.