domingo, 25 de dezembro de 2016

Passos à frente - EDITORIAL FOLHA DE SP


FOLHA DE SP - 23/12

Era consensual, embora vaga, a ideia de que o escândalo da Petrobras superava qualquer outro caso de corrupção ocorrido no Brasil.

Agora, com o anúncio dos termos do acordo de leniência entre a Odebrecht e o Departamento de Justiça dos EUA, constata-se a dimensão inédita, mesmo no plano internacional, das irregularidades já conhecidas —e de muitas outras.

Em 2008, acordo semelhante levou a Siemens a pagar US$ 800 milhões a autoridades americanas e europeias. Um recorde que deve ser batido em breve, pois as compensações devidas pela Odebrecht podem atingir o triplo dessa quantia.

Revela-se que a rede de propinas tecida pela empreiteira e por sua subsidiária pertroquímica, a Braskem, espraiava-se por 12 países. No Brasil, foram US$ 599 milhões (R$ 1,9 bilhão no câmbio atual) destinados a servidores públicos, políticos e partidos.

Argentina (US$ 35 milhões), México (US$ 10,5 milhões), Peru (US$ 29 milhões) e Venezuela (US$ 98 milhões) são alguns dos países que conheceram operações do gênero.

Sistematiza-se assim, graças ao concurso de autoridades americanas, um cálculo que vinha sendo feito de forma fragmentada no Brasil, ao sabor de vazamentos e testemunhos ainda por confirmar.

É que, ao lado de alguns exemplos de precipitação acusatória, o conjunto das delações premiadas se faz sob segredo de Justiça. Foi também longo, ao inverso do que ocorre nos EUA, o processo de negociação dos ex-funcionários da Odebrecht com a Lava Jato.

Reconheça-se que a apuração criminal do envolvimento de políticos e executivos brasileiros não está no foco das preocupações americanas, o que impõe aos trâmites em Curitiba e em Brasília outro gênero de cuidados e salvaguardas.

Não resta dúvida, em todo caso, que ainda falta muito para que o Brasil disponha de técnica investigativa, de jurisprudência e de cultura institucional capazes de rivalizar com as dos Estados Unidos.

Seja como for, torna-se cada vez mais difícil que procedimentos escusos por parte de empresas venham a prosperar, tanto no ambiente externo como no interno.

Com suas ações negociadas em Nova York, a Braskem se vê submetida a regras de transparência e de lisura que os padrões brasileiros a haviam habituado a desconsiderar. Equaliza-se aos poucos, felizmente, a legislação internacional sobre acordos e delações.

O intercâmbio entre autoridades de diversos países conheceu avanços significativos. Diminui a tolerância com o que, algum tempo atrás, considerava-se prática usual. Num ano carente de boas notícias, não é exagero manifestar algum otimismo nesse campo.

“Brasília virou uma cloaca”, Brasileiros

“Brasília virou uma cloaca”

O ex-governador de São Paulo Cláudio Lembo critica o Legislativo desgastado, o Judiciário desacreditado e o Executivo ocupado após o impeachment, que considera “uma tragédia” para a democracia. Tudo misturado na capital federal: “É a cidade do lobby, da prostituição política, econômica”
Foto: Luiza Sigulem
Foto: Luiza Sigulem

Cláudio Lembo é homem de respostas curtas, incisivas. E não parece ter dúvidas: “O Brasil é um país reacionário, conservador, extremamente retrógrado”. De acordo com sua análise, depois que a Constituição foi promulgada, em outubro de 1988, o País vivenciou “um exercício” de democracia, que funcionou enquanto a economia estava bem, mas embrenhou-se por um período sombrio quando os números passaram a ser negativos. Um dos entraves à democracia, afirma Lembo, é o fato de os três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – estarem imiscuídos em Brasília, frequentando os mesmos espaços, trocando ideia dia e noite: “O maior erro do Juscelino (o ex-presidente Juscelino Kubitschek) foi transferir a capital. Destruiu o Rio de Janeiro e construiu uma cloaca”.
Outro aspecto que influencia na cristalização desse cenário é, para Lembo, o controle do poder político, da comunicação, por grupos hegemônicos que atuam em defesa exclusiva de seus interesses. Aos 82 anos, o ex-governador, professor de Direito Constitucional da Universidade Mackenzie, em São Paulo, e presidente do Centro de Estudos Políticos e Sociais (Cepes) afirma que não tem esperança de mudanças em curto prazo, mas acredita na possibilidade de reversão no futuro distante: “É claro que em longo prazo o País vai se recompor e efetivamente vencer esse grande obstáculo”.
Quanto à queda de braço entre o Legislativo e o Judiciário, ele acredita que a tendência é o arrefecimento: “A opinião pública, e particularmente a Internet, vai fazer com que todos caiam na real, percebam a forma ridícula que estão agindo.” Lembo é apontado como político conservador desde os tempos em que estreou na política, na segunda metade dos anos 1970, como secretário de Negócios Extraordinários do prefeito de São Paulo Olavo Setubal. Quando esta repórter entrou em seu escritório de advocacia, nas imediações da avenida Paulista, em São Paulo, ele acabava de ouvir, pelo celular, um áudio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E fez questão de reiniciar o arquivo do celular.
Cláudio Lembo – Não sei se você ouviu isso aqui. Está certo o Lula. Ouça a gravação: “É que você tem em Curitiba um agrupamento especial de pessoas ungidas por Deus para salvar o mundo. Eles têm noção de quanto a Operação Lava Jato já causou de prejuízo na economia deste País? Eles têm noção de quantos desempregos já causou?”. Ele está certo. Essa operação parou o Brasil.
Brasileiros – O senhor então concorda com o ex-presidente Lula?
Sim. E a Lava Jato está cometendo excessos, particularmente quando a Polícia Federal, com autorização do Poder Judiciário, realiza conduções coercitivas de pessoas. É uma agressão contra os direitos humanos.
Antes de a Operação Lava Jato começar, como funcionava no Brasil o instrumento de condução coercitiva?
Era raríssimo, muito raro, pois não se deve usar condução coercitiva. Uma testemunha não pode ser conduzida debaixo de vara. É um absurdo. Se a testemunha tem endereço, tem profissão, uma estrutura familiar, ela vai comparecer ao depoimento. Ela não vai fugir, tanto que ninguém fugiu. Portanto, conduzir coercitivamente é uma desnecessidade. Está havendo violência no Brasil.
A testemunha precisa, na verdade, ser convocada para depor?
Ser convocada, intimada. E ela vai depor espontaneamente. Só se ela não comparecer, aí sim, pode ser conduzida coercitivamente. Mas fazer uma primeira intimação de forma coercitiva é uma agressão.
É o que diz a lei?
É o que diz a lei. É também o bom senso. É o artigo quinto da Constituição, que está sendo violado a todo momento.
O que acontece que as instâncias superiores não interferem?
É o temor da opinião pública. A opinião pública está totalmente envolvida por uma ideia de vingança absoluta. Isso é complexo porque vai levar a uma paralisia total da sociedade, como já está acontecendo.
Já se detecta isso na economia, não é mesmo?
A economia parou. O País está parado. Quem correr a cidade de São Paulo vai ver que toda ela está ou à venda ou para alugar, o que é dramático. É uma situação patética. O Brasil nunca viveu algo igual. E, como eu disse, não há esperança, porque não existem instituições que mereçam o respeito da sociedade.
Como o senhor avalia essa situação?
Com muita amargura. Confesso que, na altura dos meus 82 anos, nunca vi o Brasil tão mal. Não há esperança. E a pior coisa que pode acontecer com uma sociedade é viver sem esperança.
Qual é a origem desse quadro?
Uma série de elementos. Primeiro, o desgaste dos políticos, que se desmoralizaram. Segundo, os excessos do Ministério Público, que envolve também a Polícia Federal. Tudo isso levou um ar de depressão e de fragilidade de toda sociedade.
Na sua opinião, também não há uma pessoa que possa liderar uma mudança?
Neste momento, não vejo ninguém. Vai surgir inevitavelmente, mas neste momento ainda não temos ninguém.
E existe o risco de a extrema direita, de um político como Jair Bolsonaro, crescer ainda mais?
Pode crescer, mas não creio que ele vá chegar lá. Acredito, porém, que o espaço da direita é inevitável. O conservadorismo vai ser um caminho futuro.
Em sintonia com o resto do mundo?
Ontem a Itália, anteontem os Estados Unidos, anteriormente outros países, e assim vai. Só houve um pouquinho de ar na Áustria, onde não ganhou a direita.
Com a recente vitória de um progressista sobre o candidato ultranacionalista na disputa presidencial?
Exatamente, mas o resto do mundo caminha para o conservadorismo. Talvez o excesso do politicamente correto tenha criado o antagonismo. Houve um excesso de desrespeito a algumas instituições em favor dos direitos humanos. Com isso, houve a contrapartida. Vai surgir um equilíbrio, mas ainda vai demorar.
Como assim?
É muito simples. Houve, por exemplo, um desgaste imenso das forças policiais. Elas foram agredidas de todas as maneiras. Talvez elas agissem com excesso, e isso fez com que perdessem o controle da sociedade. Então agora está se montando o equilíbrio, sabendo que é preciso haver instrumentos policiais, para que a sociedade viva em equilíbrio e com capacidade de dialogar. Depois da redemocratização, o Brasil passou por uma busca do ideal. Como o ideal não existe, caiu no que estamos vivendo hoje.
Com relação às forças policiais, elas agem de forma dúbia. Quando a manifestação é da direita, fazem selfie com os manifestantes. Quando é da esquerda, batem.
O que é errado. Há um desequilíbrio. A polícia está se recompondo para a vida em uma sociedade democrática, o que é difícil. O Brasil nunca foi democrático. O Brasil é um país reacionário, conservador, extremamente retrógrado. Então, ele sofre muito quando tem um período longo de democracia.
O período a partir de 1988?
Da Constituição para cá, foi um exercício de democracia. Enquanto a economia ia bem, a democracia funcionou. Agora que a economia vai mal, há interrogações a respeito da democracia em todo o mundo e no Brasil.
Então não tem saída?
Não tenho esperança em curto prazo. É claro que em longo prazo o País vai se recompor e vai efetivamente vencer esse grande obstáculo. Mas no momento não há esperança, porque não há personalidades. O Congresso desgastado. O Judiciário desacreditado. As polícias objeto de censura. O que sobrou do Brasil? Não tem instituições.
E a queda de braço entre o Legislativo e o Judiciário?
Os dois estão errados. O Legislativo deveria ter compostura e examinar a legislação no equilíbrio e bom senso. E o Judiciário deveria falar menos. O que falam hoje os ministros do Supremo é uma incoerência. É um absurdo que ministro fale tanto. Ele deveria falar nos autos ou quando em debate judicial, no interior da corte. Hoje eles falam sobre tudo. Eles não foram escolhidos para isso. Aliás, foram escolhidos politicamente. São, portanto, instrumentos políticos de outras forças.
E não parece que a disputa vá arrefecer.
Arrefece, porque todos vão apanhar muito. A opinião pública, e particularmente a Internet, vai fazer com que todos caiam na real, percebam a forma ridícula que estão agindo.
As mesmas redes sociais que ajudam a aguçar conflitos podem também acalmar?
Sim, porque mostram com tal clareza as inconsequências e a fraqueza dos poderes que eles vão ter que se recompor.
O senhor já tinha visto no Brasil manifestações de ódio iguais às que temos visto nos últimos tempos?
São individuais. É próprio de pessoas, não do coletivo. São pessoas que se revoltam e partem para agressões muito estúpidas.
Mas hoje em todos os ambientes, até em família, há conflitos por causa de questões políticas, ideológicas.
O que é bom. No passado, todos eram silenciosos. O Brasil sempre viveu sob a égide do Concílio de Trento (reunião convocada pelo papa Paulo III em meados do século XVI, que reafirmou os dogmas da fé católica, em reação à Reforma Protestante de Martinho Lutero). Então, ninguém podia falar. Tinha uma religião única, uma vontade única, um absolutismo pleno. O Brasil está sendo recomposto. Vai ser duro, mas nós temos que sofrer isso.
Para recompor, vai ter antes que desmoronar?
Ah, sim. Vai ter que refazer as estruturas e as instituições. O que está aí vai ter que mudar. É inevitável. Ninguém mais aceita. Ninguém aceita esse Parlamento como ele é, as formas de eleger, a escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal e dos outros tribunais federais. Tem que alterar.
Como deveria ser a escolha de um ministro de tribunal superior?
Deveria haver um concurso público, uma exposição pública das personalidades. O ministro não poderia ser escolhido jamais pelo Executivo. Porque ele fica vinculado ao Executivo, queira ou não, se não nos seus votos ao menos moralmente. Tem que pensar em formas novas. Há país da América Latina que está adotando concurso público televisionado para ministro das cortes superiores.
Qual?
O Equador. Lá os candidatos fazem concurso. Não é como no Brasil, onde os amigos do rei é que viram ministros do Supremo e depois se acham donos do Brasil.
Aliás, o Supremo ganhou tanto protagonismo que está havendo uma judicialização da política.
Exato, o que é um grande equívoco, um grande problema. O Supremo está saindo dos seus parâmetros, dos seus limites e invadindo outras áreas. Tem violado a Constituição. Agora leva à prisão sem condenação em última instância, não recorrível. A Constituição é clara. Ou a presunção da inocência foi para o espaço? Se for assim, muda a Constituição. O mesmo em relação ao aborto. Tem que perguntar à sociedade. O Supremo não pode decidir por conta própria. Eu sou pela descriminalização do aborto, mas não sei se a sociedade quer. Tenho minhas dúvidas.
Questões que afetam a vida…
Tem que perguntar para a sociedade.
Por meio de plebiscito?
Óbvio. A sociedade responde. Ela sabe o que quer. Ela não é interditada. O Supremo pensa que nós somos todos interditados. Eles decidem como deuses. Não são deuses. São pessoas comuns, que têm talvez um pouco de nível intelectual.
E a delação premiada como está sendo usada?
Pessoas presas estão sofrendo uma tortura psicológica. E fazer a delação leva a uma situação extremamente grave. Pode-se dizer que sem prender não há delação, mas com isso também cria-se um grande constrangimento.
Sem isso, as construtoras não abririam o jogo, digamos assim.
Mas não precisaria, porque todo mundo sabe que as construtoras são responsáveis pela corrupção no Brasil. Só os ingênuos não sabem. Ou os imbecis. Qualquer um que passa pela vida pública sabe que as empreiteiras foram sempre imorais no Brasil.
O caminho que a Lava Jato vem escolhendo parece sem volta, mas há medidas que são inconstitucionais e muitos não percebem isso.
Não percebem o risco que estão passando, porque no fundo todos estão querendo a violação dos direitos humanos e esquecem que também são titulares desses mesmos direitos humanos, que poderão ser violados. É um problema interessante. Há uma revolta quase ingênua da sociedade. Ela não está percebendo os riscos que está passando. E ninguém fala. Então, continuam todos correndo riscos.
O senhor acredita que a mídia tem culpa no cartório?
Uma culpa muito grande. A grande mídia deveria esclarecer a situação. Ela tem interesses, não é isenta. Ninguém que tem um instrumento de comunicação é absolutamente isento, tem posição, uma posição subjetiva que passa objetivamente pelos meios de comunicação. A queda da Dilma foi um trabalho midiático. Não tinha base jurídica.
Agora começaram os pedidos de impeachment em relação ao Temer.
Ele corre o risco, porque o clima é de exigência de uma justiça quase primitiva. E isso pode fazer com que ele e o grupo dele caiam em um novo impeachment, porque a partir de 1º de janeiro a eleição vai ser direta pelo Congresso. Estão preparando candidatos.
O PSDB inclusive?
É só ver o que faz o presidente Fernando Henrique, a todo momento dando entrevista de candidato. E já foi lançado por um correligionário dele (o ex-deputado Xico Graziano, que foi chefe de gabinete da Presidência no governo FHC), em um artigo de jornal extremamente estranho.
E a PEC do teto dos gastos, que abarca um prazo de 20 anos?
Eu me preocupo com o prazo. Mesmo sem esperança no momento, espero que daqui a 20 anos o Brasil seja outro. Eu vou estar longe, mas o Brasil deve ser outro. Vinte anos é um período muito longo. Nenhum país do mundo fez isso. É uma visão de Cassandra (profetisa da mitologia grega, amaldiçoada pelo deus Apolo, para que ninguém acreditasse em suas previsões).
Há muita preocupação com as áreas da saúde e da educação.
Com a saúde, que já está tão mal, vamos ter problemas. A educação não vai tão mal, é razoável, na perspectiva de um país de Terceiro Mundo. Agora a situação da saúde é extremamente grave, principalmente porque os instrumentos para preservação da saúde estão cada vez mais tecnológicos e, portanto, mais onerosos.
Depois de aprovada a PEC, tem jeito de voltar atrás?
Claro que tem. É fazer outra PEC. No Brasil tudo se resolve.
Ao promover esse tipo de mudança, o governo Temer não está indo com muita sede ao pote?
Acredito que ele foi extremamente capitaneado pelos interesses financeiros. A Itália fez há pouco um plebiscito. O “não” ganhou. O povo italiano disse que quem elaborou esse projeto foram os bancos italianos e os interesses econômicos. A PEC do Temer está no mesmo caminho italiano. Foi elaborado pelos grandes interesses financeiros. Ela cai. Cai no futuro breve. Outros instrumentos vão ter que ser imaginados.
Essa PEC pode fragilizar ainda mais o governo dele?
Acredito que sim. Ela pode ser útil a curto prazo, mas a médio prazo não prevalece. O povo se revolta. O Delfim Netto, que é muito sarcástico, disse muito bem. Com essa PEC, Temer está preparando o próprio impeachment. Ele não vai cumprir a PEC. E cai.
O senhor citou a Itália ao falar sobre a PEC. E em relação à Operação Lava Jato?
Também na Itália foi um fracasso. Nasceu Berlusconi (o ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, que ascendeu na política italiana e mais tarde protagonizou diversos casos de corrupção). Sinal de como o povo é muito complexo. Ele é muito sensível, muda de acordo com as circunstâncias. Isso tudo que se vê nas ruas pode mudar.
Na Itália, ao final da Operação Mãos Limpas, o sistema político estava desmantelado.
Destruiu tudo. E agora ainda tem o Beppe Grillo (líder do Movimento 5 Estrelas), que é um demagogo, um populista.
Qual a saída?
A saída é ouvir o povo. Eles não ouvem o povo. Em Brasília, querem fazer tudo sozinhos. Brasília virou a cloaca do Brasil. É uma vergonha, um constrangimento. É uma cidade de lobby, de prostituição política, econômica. Uma tragédia. O maior erro do Juscelino (o ex-presidente Juscelino Kubitschek) foi transferir a capital. Destruiu o Rio de Janeiro e construiu uma cloaca.
Por quê?
Porque estão imiscuídos entre eles o Judiciário, o Executivo e o Legislativo. Todos trocam ideia dia e noite, nos mesmos bares, nos mesmos restaurantes, nos mesmos salões. Não pode.
Se a capital continuasse no Rio seria a mesma situação.
Mas o Rio era a corte. Sempre foi corte. As cortes têm mais experiência. Tinha uma sociedade muito mais estruturada. E destruiu o Rio porque favelou a cidade. Lá, a sociedade era muito mais qualificada, com um bom nível cultural. O Rio sempre teve boas cabeças. Brasília não tem nada. Brasília é uma cidade deserta. No final de semana é uma tragédia. Uma cidade da fuga. Vão para passar horas e fogem. O Parlamento não tem vida em Brasília.
Como o senhor viu o impeachment de Dilma Rousseff?
Uma tragédia para a democracia brasileira.
E existe outro impeachment no horizonte.
Vai virar uma moda latino-americana. A nova forma de dar golpe na América Latina é o impeachment.
Qual a perspectiva do senhor para o País em 2017?
Depressão.
Diante das más notícias de 2016, muitos estão se referindo a ele como “annus horribilis”, expressão usada pela rainha Elizabeth em 1992. O senhor está de acordo?
Não é o ano. É a década.
Quando começou essa década?
No segundo governo Dilma Rousseff, mas as raízes vêm de antes. Começou no segundo governo Dilma e vai longe.
Em referência a seu comentário anterior, de o Brasil não ser um País democrático?
Não foi democrático. Está tentando ser e encontra dificuldades. Está difícil porque há grupos hegemônicos que têm o domínio das formas de comunicação, do poder político. Para recompor tudo isso é complicado.
Por causa de uma minoria, que o senhor definiu em 2006 como “elite branca”?
É a que domina. Domina e só pensa em seus próprios interesses. Não pensa no Estado, na nação, na sociedade. E não vejo perspectiva de mudança. Está tudo errado. O Brasil vai sofrer por uns dez, 20 anos. Disso não tenho dúvida nenhuma.
Uma parte da esquerda critica o ex-presidente Lula argumentando que ele deveria ter promovido reformas profundas quando con­­­tava com grande aprovação popular.
Claro que deveria ter feito. O Lula se embeveceu com a burguesia. Ele se encantou. Ele era amigo de todos os empreiteiros. Não pode. Eu passei pelo governo e nunca quis receber empreiteiro. É pecaminoso. Lula ficou íntimo, coitado. Foi envolvido.
O senhor acredita então que ele deveria ter feito as reformas da mídia e a política?
Lógico. Ele aceitou tudo o que a burguesia queria. Deu nisso que está aí. Não é nem esquerda, nem direita nem centro. Não é nada. Fui simpático ao Lula e à Dilma, mas ele errou. Lula aceitou todos os salamaleques da burguesia. E, como ele não é burguês, eles usam e não aceitam. Eles usam e atiram depois no lixo. É doloroso, mas esta é a verdade. Todo mundo levou vantagens. Só ele que não.
Falamos antes de annus horribilis. E o contrário? O que o Brasil precisa fazer para conquistar um annus mirabilis?
Procurar um psiquiatra de boa qualidade, que não seja charlatão. 
Link curto: http://brasileiros.com.br/fj0iT

O ouro ignorado por tolos, in Brasileiros


Considerado um dos minerais mais valiosos do mundo, o nióbio é exemplo da falta de política industrial no Brasil: dono das maiores reservas do mundo, o País desperdiça a chance de se tornar uma potência nas indústrias tecnológica e aeroespacial
Extração  Mina de nióbio em funcionamento em Araxá, Minas Gerais - Foto: Reprodução/ZJ Mineração
Extração
Mina de nióbio em funcionamento em Araxá, Minas Gerais – Foto: Reprodução/ZJ Mineração

Reforma da Previdência, terceirização do trabalho e abertura de setores estratégicos a conglomerados estrangeiros. A lista de maldades preparada pelo agora presidente, Michel Temer, avalizada pelo mercado financeiro e bancada pelo Congresso faz parecer que o Brasil, finalmente, coloca a economia nos eixos ao cuidar do “dever de casa”. Mas por trás da enxurrada de medidas liberais esconde-se a ausência de projetos que valorizem o potencial nato do País em alguns setores econômicos, como o mineral e, por tabela, o tecnológico – um dos mais promissores do século XXI. A falta de uma estratégia industrial tem como símbolo o nióbio, um mineral praticamente desconhecido do brasileiro, embora as maiores reservas do mundo fiquem no País, valham uma fortuna e sejam consideradas estratégicas… pelos Estados Unidos.
Em 2010, o WikiLeaks vazou um documento do Departamento de Estado Americano que incluía as minas brasileiras na lista de locais “imprescindíveis” aos planos dos Estados Unidos para infraestrutura. Um ano depois, a única empresa brasileira que extrai o mineral, a CBMM (Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração), vendeu 30% de seu capital a um grupo de empresas chinesas, japonesas e sul-coreanas por US$ 4 bilhões (R$ 13 bilhões). O interesse internacional não se deve ao acaso. O mineral é indispensável para a fabricação de ligas metálicas utilizadas em turbinas de avião e tubos de gasoduto, por exemplo. A adição de apenas 0,1% de nióbio ao aço é suficiente para a fabricação de ligas levíssimas capazes de suportar altas temperaturas e resistir à corrosão. Perfeito para a fabricação de satélites e carros de alta performance. “Aquela chama da combustão nas turbinas dos foguetes só é possível em função dessa liga”, explica Roberto Galery, professor de Engenharia de Minas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O nióbio foi descoberto em 1801 pelo químico inglês Charles Hatchett, que encontrou o elemento ao analisar um mineral da coleção do Museu Britânico. O pesquisador o batizou de columbium. Quarenta e cinco anos depois, o químico alemão Heinrich Rose voltou a encontrar o elemento em rochas de tântalo, e o chamou de nióbio. Os dois nomes coexistiram por mais de cem anos, quando, em 1949, o elemento foi oficialmente reconhecido, e seu nome, nióbio, ratificado. Aproximadamente 98% das reservas conhecidas do mineral estão no Brasil, entre Minas Gerais (75%), Amazonas (21%) e Goiás (3%). Segundo Galery, “a região de Araxá (MG) é uma chaminé vulcânica” que por muito tempo funcionou como uma panela de pressão. “Esses elementos estavam no magma e, com seu resfriamento lento, precipitaram.” Com reservas avaliadas em 842,4 milhões de toneladas, o Brasil tem sob o solo um patrimônio equivalente a R$ 123 trilhões, suficiente para quitar 41 vezes a dívida pública, hoje em R$ 3 trilhões, ou cobrir os gastos com educação por 1.194 anos, se considerado o orçamento de 2016, de R$ 103 bilhões.
As exportações do mineral representam 5% de todas as vendas brasileiras do setor. Parece pouco, mas renderam US$ 2 bilhões (R$ 6,5 bilhões) em 2015. O ferro, responsável por 80% da pauta exportadora, significou ganhos de US$ 31 bilhões (R$ 101,37 milhões) no mesmo período. Enquanto o nióbio sai a R$ 147 o quilo, a mesma quantidade de ferro é comercializada a R$ 51, 188% mais barato. “A falta de uma política de desenvolvimento acaba sendo um teste para a nossa economia. Exportamos in natura, recebemos alguns componentes pré-industrializados para montarmos aqui e vendermos novamente. Todo esse processo poderia ser feito no Brasil”, lamenta o geólogo Daniel Nava.
É que além de fonte para a indústria aeroespacial, automobilística e energética, as jazidas de nióbio produzem como subproduto as chamadas terras-raras. Consideradas por muitos “o ouro do século XXI”, são metais extremamente magnetizáveis, condutores de calor e eletricidade, perfeito para a fabricação de produtos de alta tecnologia. “São usadas para construir superimãs, lâmpadas de led e chip”, enumera o professor. Em alguns países do mundo, a existência do nióbio e das terras-raras seria suficiente para a formulação de um polo de desenvolvimento, integrando a extração mineral às indústrias aeroespacial e tecnológica. Se o Brasil pode fazer uma fortuna exportando minérios, por que não vender também satélites, peças de avião e placas de computador? “Falta posicionamento estratégico”, responde Galery. “Se temos interesse em tecnologia de satélite, GPS, é bom dominar essa tecnologia e ganhar dinheiro com ela.” Para isso, o professor defende o fomento estatal com os impostos revertidos para o próprio setor. “O que o governo brasileiro não faz é o que os países asiáticos fizeram: investiram pesado em educação e tecnologia. O Brasil desperdiça a chance de ser um seleiro tecnológico. Nos falta vontade política.”
NIÓBIO Grande parte das reservas do minério está concentrada em Minas Gerais, Amazonas e Goiás - Foto: Wikipedia/Commons
NIÓBIO Grande parte das reservas do minério está concentrada em Minas Gerais, Amazonas e Goiás – Foto: Wikipedia/Commons

Ex-secretário de Mineração, Geodiversidade e Recursos Hídricos do Estado do Amazonas, Nava acredita que a falta de políticas para o setor torna o País refém do mercado internacional. “Como brasileiros, temos uma dificuldade grande em reconhecer as riquezas que dominamos e possuímos. Deveria ser um elemento básico na formação educacional brasileira”, acredita. “Não temos, por exemplo, uma cadeia produtiva que relacione a Embraer (indústria de aviação), o nióbio e o setor mineral.”
Um esboço de um programa industrial integrado quase saiu do papel nos tempos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, especialmente quando a ministra de Minas e Energia era Dilma Rousseff. Entre 2003 e 2007, Nava foi superintendente regional da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais na Amazônia, o serviço geológico brasileiro responsável pela região. Ele descreve com entusiasmo o papel desempenhado pela então ministra, mas desanima quando fala de sua atuação na área ao assumir a Presidência. “Ela foi muito boa ministra, mas se esqueceu de todo o trabalho feito no setor depois que virou presidente.” Ainda na esplanada, ela mandou que se fizesse um levantamento básico mineral do Brasil para mapear todas as reservas e indicar aquelas que poderiam fomentar uma política industrial, logística e energética. Em 2005, recorda-se, Lula visitou uma mina no Pará dizendo que inaugurava ali “uma estrada para o desenvolvimento”. Sua intenção era justamente associar diferentes indústrias a fim de criar uma cadeia de produção e empregos. “Não se pode pensar no desenvolvimento do País sem unir esses setores, mas, infelizmente, continuamos planejando nossas políticas como no século XX: pensamos cada área isoladamente”, garante. Tudo começou a ruir já naquele ano, quando ela foi substituída por Silas Rondeau e levada para a Casa Civil.
Dilma venceu sua primeira eleição em 2010, mas não retomou a política tocada por ela própria sete anos antes. A consequência, diz o geólogo, é que o Brasil está à mercê do mercado internacional, embora seja uma potência mineradora. Mais preocupante, só as políticas do governo interino. Galery desconfia que ocorra às jazidas o mesmo que está para acontecer aos campos de petróleo na região do pré-sal. Temer trabalha para a aprovação de um projeto de lei, do agora chanceler José Serra, que tira da Petrobras a exclusividade da exploração. “Deixar na mão de político dá nisso. Eu fico arrepiado em pensar na privatização do nióbio”, diz. 

“SE ANTES HAVIA SEGURANÇA AOS INVESTIDORES, HOJE O FUTURO É INCERTO. DESCOBRE-SE UMA ÁREA E LOGO ELA ENTRA EM LICITAÇÃO”

Hoje analista no Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), Nava compara a visão estratégica tupiniquim com a chinesa. Enquanto o empresariado nacional defende a participação cada vez maior do capital externo, a China decidiu que não vai vender 10% de suas terras-raras, como cogitado. “Ao mesmo tempo, deram as boas-vindas às indústrias que quisessem se instalar no país para produzir lá, e muitas fizeram isso.” O especialista defende o mesmo para o Brasil: uma política de atração de grandes companhias para produzir em território nacional e exportar bens manufaturados, de valor agregado maior em relação às commodities. Enquanto o Ministério de Minas e Energia fecha os olhos a esse potencial, “os relatórios americanos falam nas reservas brasileiras”, lembra o geólogo. “São interesses estratégicos naturais porque nós simplesmente não utilizamos o nióbio para atrair empresa estrangeira.” 
As más notícias do setor não se restringem ao nióbio. A criação de um novo Marco Regulatório da Mineração (MRM) é promessa que se arrasta desde 2010, ano em que começou a ser elaborado. Depois de entregue ao Congresso, recebeu nada menos do que 372 emendas. É o MRM quem decide, por exemplo, quais são as regras para requerer uma área de exploração, quem pode participar, como registrar uma jazida ou pesquisar o potencial de uma mina. A partir de então, um ponto de interrogação paira sobre o futuro da mineração brasileira, afugentando investidores e, com eles, bilhões de dólares. A expectativa de especialistas é que os prejuízos serão percebidos ao longo dos próximos anos. É o caso da pesquisa mineral. Em 2011, a mesma pasta paralisou os processos de concessão para os alvarás de pesquisa por acreditar que o marco regulatório seria aprovado rapidamente. Milhares de pedidos de pesquisa acabaram engavetados, cancelando investimentos. Os prejuízos alcançaram a geologia e laboratórios, causando demissões. Mas o pior ainda está por vir. As minas que deixaram de ser descobertas farão falta quando as jazidas em produção se esgotarem. A consequência é que o Brasil deve importar metais e minerais que deveria exportar. “Quando as regras não são claras, ninguém investe mesmo”, acredita Galery. “Se antes havia segurança aos investidores, hoje o futuro é incerto. Você descobre uma área e amanhã ela entra em licitação.”
Enquanto o MRM não sai e o nióbio é tratado pelo Brasil como lenda, o governo segue repetindo a fórmula de crescimento dos anos 1990. A ortodoxia de Michel Temer já elegeu sua principal medida “para fazer o Brasil voltar a crescer”. Seu governo quer votar até o fim do ano uma Proposta de Emenda à Constituição que limita, por 20 anos, o aumento do gasto público à variação da inflação do ano anterior, o que significa que setores essenciais para o desenvolvimento de um país, como saúde e educação, ficarão sem investimento real por quase uma geração.