Considerado um dos minerais mais valiosos do mundo, o nióbio é exemplo da falta de política industrial no Brasil: dono das maiores reservas do mundo, o País desperdiça a chance de se tornar uma potência nas indústrias tecnológica e aeroespacial
Reforma da Previdência, terceirização do trabalho e abertura de setores estratégicos a conglomerados estrangeiros. A lista de maldades preparada pelo agora presidente, Michel Temer, avalizada pelo mercado financeiro e bancada pelo Congresso faz parecer que o Brasil, finalmente, coloca a economia nos eixos ao cuidar do “dever de casa”. Mas por trás da enxurrada de medidas liberais esconde-se a ausência de projetos que valorizem o potencial nato do País em alguns setores econômicos, como o mineral e, por tabela, o tecnológico – um dos mais promissores do século XXI. A falta de uma estratégia industrial tem como símbolo o nióbio, um mineral praticamente desconhecido do brasileiro, embora as maiores reservas do mundo fiquem no País, valham uma fortuna e sejam consideradas estratégicas… pelos Estados Unidos.
Em 2010, o WikiLeaks vazou um documento do Departamento de Estado Americano que incluía as minas brasileiras na lista de locais “imprescindíveis” aos planos dos Estados Unidos para infraestrutura. Um ano depois, a única empresa brasileira que extrai o mineral, a CBMM (Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração), vendeu 30% de seu capital a um grupo de empresas chinesas, japonesas e sul-coreanas por US$ 4 bilhões (R$ 13 bilhões). O interesse internacional não se deve ao acaso. O mineral é indispensável para a fabricação de ligas metálicas utilizadas em turbinas de avião e tubos de gasoduto, por exemplo. A adição de apenas 0,1% de nióbio ao aço é suficiente para a fabricação de ligas levíssimas capazes de suportar altas temperaturas e resistir à corrosão. Perfeito para a fabricação de satélites e carros de alta performance. “Aquela chama da combustão nas turbinas dos foguetes só é possível em função dessa liga”, explica Roberto Galery, professor de Engenharia de Minas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O nióbio foi descoberto em 1801 pelo químico inglês Charles Hatchett, que encontrou o elemento ao analisar um mineral da coleção do Museu Britânico. O pesquisador o batizou de columbium. Quarenta e cinco anos depois, o químico alemão Heinrich Rose voltou a encontrar o elemento em rochas de tântalo, e o chamou de nióbio. Os dois nomes coexistiram por mais de cem anos, quando, em 1949, o elemento foi oficialmente reconhecido, e seu nome, nióbio, ratificado. Aproximadamente 98% das reservas conhecidas do mineral estão no Brasil, entre Minas Gerais (75%), Amazonas (21%) e Goiás (3%). Segundo Galery, “a região de Araxá (MG) é uma chaminé vulcânica” que por muito tempo funcionou como uma panela de pressão. “Esses elementos estavam no magma e, com seu resfriamento lento, precipitaram.” Com reservas avaliadas em 842,4 milhões de toneladas, o Brasil tem sob o solo um patrimônio equivalente a R$ 123 trilhões, suficiente para quitar 41 vezes a dívida pública, hoje em R$ 3 trilhões, ou cobrir os gastos com educação por 1.194 anos, se considerado o orçamento de 2016, de R$ 103 bilhões.
As exportações do mineral representam 5% de todas as vendas brasileiras do setor. Parece pouco, mas renderam US$ 2 bilhões (R$ 6,5 bilhões) em 2015. O ferro, responsável por 80% da pauta exportadora, significou ganhos de US$ 31 bilhões (R$ 101,37 milhões) no mesmo período. Enquanto o nióbio sai a R$ 147 o quilo, a mesma quantidade de ferro é comercializada a R$ 51, 188% mais barato. “A falta de uma política de desenvolvimento acaba sendo um teste para a nossa economia. Exportamos in natura, recebemos alguns componentes pré-industrializados para montarmos aqui e vendermos novamente. Todo esse processo poderia ser feito no Brasil”, lamenta o geólogo Daniel Nava.
É que além de fonte para a indústria aeroespacial, automobilística e energética, as jazidas de nióbio produzem como subproduto as chamadas terras-raras. Consideradas por muitos “o ouro do século XXI”, são metais extremamente magnetizáveis, condutores de calor e eletricidade, perfeito para a fabricação de produtos de alta tecnologia. “São usadas para construir superimãs, lâmpadas de led e chip”, enumera o professor. Em alguns países do mundo, a existência do nióbio e das terras-raras seria suficiente para a formulação de um polo de desenvolvimento, integrando a extração mineral às indústrias aeroespacial e tecnológica. Se o Brasil pode fazer uma fortuna exportando minérios, por que não vender também satélites, peças de avião e placas de computador? “Falta posicionamento estratégico”, responde Galery. “Se temos interesse em tecnologia de satélite, GPS, é bom dominar essa tecnologia e ganhar dinheiro com ela.” Para isso, o professor defende o fomento estatal com os impostos revertidos para o próprio setor. “O que o governo brasileiro não faz é o que os países asiáticos fizeram: investiram pesado em educação e tecnologia. O Brasil desperdiça a chance de ser um seleiro tecnológico. Nos falta vontade política.”
Ex-secretário de Mineração, Geodiversidade e Recursos Hídricos do Estado do Amazonas, Nava acredita que a falta de políticas para o setor torna o País refém do mercado internacional. “Como brasileiros, temos uma dificuldade grande em reconhecer as riquezas que dominamos e possuímos. Deveria ser um elemento básico na formação educacional brasileira”, acredita. “Não temos, por exemplo, uma cadeia produtiva que relacione a Embraer (indústria de aviação), o nióbio e o setor mineral.”
Um esboço de um programa industrial integrado quase saiu do papel nos tempos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, especialmente quando a ministra de Minas e Energia era Dilma Rousseff. Entre 2003 e 2007, Nava foi superintendente regional da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais na Amazônia, o serviço geológico brasileiro responsável pela região. Ele descreve com entusiasmo o papel desempenhado pela então ministra, mas desanima quando fala de sua atuação na área ao assumir a Presidência. “Ela foi muito boa ministra, mas se esqueceu de todo o trabalho feito no setor depois que virou presidente.” Ainda na esplanada, ela mandou que se fizesse um levantamento básico mineral do Brasil para mapear todas as reservas e indicar aquelas que poderiam fomentar uma política industrial, logística e energética. Em 2005, recorda-se, Lula visitou uma mina no Pará dizendo que inaugurava ali “uma estrada para o desenvolvimento”. Sua intenção era justamente associar diferentes indústrias a fim de criar uma cadeia de produção e empregos. “Não se pode pensar no desenvolvimento do País sem unir esses setores, mas, infelizmente, continuamos planejando nossas políticas como no século XX: pensamos cada área isoladamente”, garante. Tudo começou a ruir já naquele ano, quando ela foi substituída por Silas Rondeau e levada para a Casa Civil.
Dilma venceu sua primeira eleição em 2010, mas não retomou a política tocada por ela própria sete anos antes. A consequência, diz o geólogo, é que o Brasil está à mercê do mercado internacional, embora seja uma potência mineradora. Mais preocupante, só as políticas do governo interino. Galery desconfia que ocorra às jazidas o mesmo que está para acontecer aos campos de petróleo na região do pré-sal. Temer trabalha para a aprovação de um projeto de lei, do agora chanceler José Serra, que tira da Petrobras a exclusividade da exploração. “Deixar na mão de político dá nisso. Eu fico arrepiado em pensar na privatização do nióbio”, diz.
“SE ANTES HAVIA SEGURANÇA AOS INVESTIDORES, HOJE O FUTURO É INCERTO. DESCOBRE-SE UMA ÁREA E LOGO ELA ENTRA EM LICITAÇÃO”
Hoje analista no Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), Nava compara a visão estratégica tupiniquim com a chinesa. Enquanto o empresariado nacional defende a participação cada vez maior do capital externo, a China decidiu que não vai vender 10% de suas terras-raras, como cogitado. “Ao mesmo tempo, deram as boas-vindas às indústrias que quisessem se instalar no país para produzir lá, e muitas fizeram isso.” O especialista defende o mesmo para o Brasil: uma política de atração de grandes companhias para produzir em território nacional e exportar bens manufaturados, de valor agregado maior em relação às commodities. Enquanto o Ministério de Minas e Energia fecha os olhos a esse potencial, “os relatórios americanos falam nas reservas brasileiras”, lembra o geólogo. “São interesses estratégicos naturais porque nós simplesmente não utilizamos o nióbio para atrair empresa estrangeira.”
As más notícias do setor não se restringem ao nióbio. A criação de um novo Marco Regulatório da Mineração (MRM) é promessa que se arrasta desde 2010, ano em que começou a ser elaborado. Depois de entregue ao Congresso, recebeu nada menos do que 372 emendas. É o MRM quem decide, por exemplo, quais são as regras para requerer uma área de exploração, quem pode participar, como registrar uma jazida ou pesquisar o potencial de uma mina. A partir de então, um ponto de interrogação paira sobre o futuro da mineração brasileira, afugentando investidores e, com eles, bilhões de dólares. A expectativa de especialistas é que os prejuízos serão percebidos ao longo dos próximos anos. É o caso da pesquisa mineral. Em 2011, a mesma pasta paralisou os processos de concessão para os alvarás de pesquisa por acreditar que o marco regulatório seria aprovado rapidamente. Milhares de pedidos de pesquisa acabaram engavetados, cancelando investimentos. Os prejuízos alcançaram a geologia e laboratórios, causando demissões. Mas o pior ainda está por vir. As minas que deixaram de ser descobertas farão falta quando as jazidas em produção se esgotarem. A consequência é que o Brasil deve importar metais e minerais que deveria exportar. “Quando as regras não são claras, ninguém investe mesmo”, acredita Galery. “Se antes havia segurança aos investidores, hoje o futuro é incerto. Você descobre uma área e amanhã ela entra em licitação.”
Enquanto o MRM não sai e o nióbio é tratado pelo Brasil como lenda, o governo segue repetindo a fórmula de crescimento dos anos 1990. A ortodoxia de Michel Temer já elegeu sua principal medida “para fazer o Brasil voltar a crescer”. Seu governo quer votar até o fim do ano uma Proposta de Emenda à Constituição que limita, por 20 anos, o aumento do gasto público à variação da inflação do ano anterior, o que significa que setores essenciais para o desenvolvimento de um país, como saúde e educação, ficarão sem investimento real por quase uma geração.
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