sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Após audiências, Plano Diretor vai mudar para 'blindar' áreas verdes


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EDUARDO GERAQUE
DE SÃO PAULO
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Áreas de convívio social, sejam elas verdes ou não. Plano de estímulo às bicicletas e mais moradia social.
As demandas da população paulistana já começam a se cristalizar, depois de realizadas mais de 60% das discussões públicas sobre a revisão do Plano Diretor.
Milhares de sugestões vieram das audiências públicas feitas neste ano primeiro pelo Executivo e, agora, pelo Legislativo. O cronograma termina em meados de dezembro. Até lá, serão quase 80 debates.
As audiências já resultaram em mudanças. "Sem dúvida, a parte de meio ambiente terá que ser a mais alterada", afirma Nabil Bonduki (PT), relator da revisão do plano na Câmara.
Essa posição encontra eco no Executivo. "Serão precisos alguns ajustes [nessa área]", afirma Fernando de Mello Franco, secretário de Desenvolvimento Urbano.
Na primeira audiência pública temática, sobre meio ambiente, nesta semana, dezenas de paulistanos cobraram mecanismos legais que "blindem" áreas da cidade que deverão receber os parques.
Sem as chamadas zonas de proteção ambiental, que não estão definidas no texto do plano em discussão, é fácil uma área inicialmente prevista para ser um parque ser ocupada ilegalmente ou acabar usada pelo setor imobiliário.
Para Silvio Soares Macedo, coordenador do Laboratório de Paisagem da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, o problema em São Paulo vai muito além da conservação de áreas verdes.
"Existem muitas áreas da cidade, como Santana [zona norte], por exemplo, onde não há espaços livres qualificados, em forma de praças ou até mesmo calçadas."
Macedo defende que o futuro plano crie uma política pública para espaços de convívio social de São Paulo. "As áreas verdes são apenas um item desse problema maior."
Outra proposta, também apresentada pelo grupo da USP, defende a reserva para áreas de convívio de 30% dos terrenos de grandes empreendimentos em áreas de corredores de transporte público.
SEGURANÇA PARA BIKES
Bicicletas têm sido uma demanda forte nos debates. De acordo com Bonduki, não dá mais para pensar São Paulo sem espaços para elas.
Basicamente, os cicloativistas pedem mais segurança para esse meio de transporte na cidade.
No debate sobre moradia social, mais de 3.000 pessoas compareceram à Câmara.
O texto do plano separa 20% a mais de áreas da cidade para casas voltadas às famílias de mais baixa renda.
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País tem 9,6 mi de jovens de 15 a 29 anos que não estudam nem trabalham


A chamada 'geração nem-nem' é formada principalmente por mulheres, muitas com filhos, segundo estudo do IBGE

29 de novembro de 2013 | 10h 00

Luciana Nunes Leal - O Estado de S. Paulo
RIO - Uma população de 9,6 milhões de jovens de 15 a 29 anos que não estuda nem trabalha, formada principalmente por mulheres, muitas delas com filhos, é motivo de preocupação quando se estudam as condições de vida dos brasileiros, mostra estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgado nesta sexta-feira, 29. A Síntese de Indicadores Sociais 2013, com dados de 2012, mostra que um em cada cinco brasileiros (19,6%) nesta faixa etária não trabalhava nem frequentava escola. Na faixa de 18 a 24 anos, o índice é ainda mais preocupante, de quase um quarto (23,4%). "Não significa que são encostados ou que são um bando, mas é um fator preocupante, porque não é possível que pessoas desta idade não estudem nem trabalhem", diz a técnica do IBGE Ana Saboia.
Segundo Ana, os dados não permitem apontar as razões para número tão significativo da chamada "geração nem-nem" (nem estuda nem trabalha), mas, com relação às mulheres, a necessidade de cuidar dos filhos é um fator que contribui para não terem atividades produtivas. A proporção de jovens que não vão à escola e não têm emprego se mantém estável, com pequena redução: nos últimos dez anos: em 2002, eram 20,2% da população nesta faixa etária.
Os indicadores mostram que 70,3% dos jovens que não trabalham e não estudam são mulheres. Dessas jovens que não têm atividade produtiva, 58,4% tinham pelo menos um filho. A maior parte dos jovens "nem-nem" (38,6%) tem ensino médio completo, ou seja, deveria ter seguido para um curso superior ou ingressado no mercado de trabalho.
No outro extremo, um porcentual também alto, de 32,4%, sequer completou o ensino fundamental. O Nordeste é a região com maior proporção de jovens que não estudam nem trabalham, em todas as faixas etárias estudadas. Na faixa de 18 a 24 anos, Alagoas tem nada menos que 35,2% da população que não estuda nem trabalha. Na região metropolitana do Recife, o índice também é preocupante: 31,8% dos jovens de 18 a 24 anos não têm atividade produtiva.

Artigo-Jango e a reforma agrária

Xico Graziano
A exumação do corpo do ex-presidente João Goulart atiça o passado político. Naquela época, quando se buscava um caminho alternativo para o desenvolvimento, estava na moda xingar o latifúndio. Sem reforma agrária o Brasil não progrediria. A História, porém, desmentiu a pregação nacionalista.
Era 13 de março de 1964. Enorme multidão, estimada em 150 mil pessoas, aglomerou-se na Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Convocado por movimentos populares, sindicais e estudantis, o grande comício a favor das "reformas de base" prometia mudar o rumo do País. Horas antes o presidente havia assinado o Decreto 53.700/63, dando à Superintendência de Política Agrária (Supra) poderes para iniciar as desapropriações de terras. Com voz entoada, discursou Jango: "Trabalhadores, acabei de assinar o decreto da Supra com o pensamento voltado para a tragédia do irmão brasileiro que sofre no interior de nossa Pátria. Ainda não é aquela reforma agrária pela qual lutamos. Ainda não é a reformulação de nosso panorama rural empobrecido. Ainda não é a carta de alforria do camponês abandonado. Mas é o primeiro passo: uma porta que se abre à solução definitiva do problema agrário brasileiro".
Sempre prometida, porém jamais concretizada, começaria finalmente a famigerada reforma agrária. O arrojo de Jango ultrapassou as expectativas: "Espero que dentro de menos de 60 dias já comecem a ser divididos os latifúndios das beiras das estradas, os latifúndios ao lado das ferrovias e dos açudes construídos com o dinheiro do povo, ao lado das obras de saneamento realizadas com o sacrifício da Nação. E, feito isto, os trabalhadores do campo já poderão, então, ver concretizada, embora em parte, a sua mais sentida e justa reivindicação, aquela que lhe dará um pedaço de terra para trabalhar, um pedaço de terra para cultivar". Aplausos fizeram tremer o palanque.
Jango argumentava com consistência. Ele prometia distribuir as terras valorizadas, economicamente viáveis, próximas dos centros de consumo, com transporte fácil para o escoamento da produção. Citando os casos do Japão de pós-guerra, da Itália, do México e da Índia, países que promoveram bem-sucedidas reformas fundiárias, o presidente reforçava sua convicção sobre o sucesso da empreitada.
Buscou, ademais, um argumento econômico: "Os tecidos e os sapatos sobram nas prateleiras das lojas e as nossas fábricas estão produzindo muito abaixo de sua capacidade. Ao mesmo tempo que isso acontece, as nossas populações mais pobres vestem farrapos e andam descalças, porque não têm dinheiro para comprar. Assim, a reforma agrária é indispensável não só para aumentar o nível de vida do homem do campo, mas também para dar mais trabalho às indústrias e melhor remuneração ao trabalhador urbano". Uma aliança operário-camponesa.
Nos anos de 1960 a maioria da população brasileira ainda morava na roça. À cidade, entretanto, também deveria interessar a redistribuição agrária. Assim estabelecia o receituário do marxismo tupiniquim: acabar com o latifúndio estimulava, via elevação de renda das famílias, o mercado interno. Em consequência, a ruptura com a oligarquia agrária deveria seduzir os empresários nacionais. Fazia sentido.
O comício da Central repercutiu imensamente. Dois dias depois, Jango encaminhava ao Congresso Nacional mensagem pleiteando mudanças constitucionais para permitir ao Estado pagar pelas desapropriações de terras com títulos de longo prazo, e não mais em dinheiro. A confusão política aumentou. Uns, da esquerda, enxergavam a aurora do socialismo. Outros, da direita, conspiravam dentro das Forças Armadas. Em 31 de março, apenas 18 dias após o discurso da reforma agrária na praça, Jango estava destituído por um golpe militar.
Muitos analistas imputam ao radical gesto de Jango um fenomenal erro de avaliação política. Ao acirrar a briga contra os partidos conservadores, que participavam da coalizão governamental, provocou a ruptura que o derrubaria. Em outras palavras, cutucou a onça com vara curta. Se tivesse sido mais conciliador, ou preparasse melhor sua tacada, talvez os fatos se passassem de forma diferente. Vai saber.
Surpreendentemente, uma das maiores ironias da História estava por vir. Os militares, ao invés de esquecerem a reforma agrária, logo a impulsionaram. Sob a coordenação do poderoso Roberto Campos, então ministro do Planejamento, um grupo de trabalho, recrutado entre os melhores quadros, avançou na formulação da proposta reformista. Em 10 de novembro de 1964 a Emenda Constitucional n.º 10 passava a permitir a desapropriação de terras com pagamento em títulos especiais da dívida pública. Passados 20 dias, em 30 de novembro, o Congresso aprovava o Estatuto da Terra, a mais avançada lei agrária do mundo. A esquerda quedou boquiaberta: os milicos haviam roubado sua maior bandeira.
Não a utilizaram, todavia. A rápida industrialização e urbanização, abrindo a posterior globalização da economia, junto com a consequente expansão do capitalismo, desmentiram a tese agrarista: o Brasil passou por uma incrível modificação produtiva no agro sem alterar sua concentrada estrutura fundiária. Mais importante que o tamanho da fazenda, a tecnologia começou a mandar no campo. A revolução verde elevou a produtividade rural, abastecendo as cidades.
Amortecida por duas décadas, a reforma agrária ressurgiu em 1985. Incluída na agenda social da redemocratização, perdeu sentido econômico. Comandada pelos invasores de terras, realizada tardia e açodadamente, os assentamentos revelaram-se um fracasso produtivo. João Goulart faleceu em 1976. Jamais imaginaria ver a reforma agrária favelizando o campo.
AGRÔNOMO, FOI SECRETÁRIO
DE AGRICULTURA E SECRETÁRIO DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO
DE SÃO PAULO. E-MAIL:
XICOGRAZIANO@TERRA.COM.BR