quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Fernando Schüler A pauta esquecida das reformas institucionais, FSP (definitivo)

 

Sempre leio o Pedro Fernando Nery e aprendo muito com ele. Até por isso é bom divergir de vez em quando. Pedro colocou na pauta a chamada “votação Demery”, que sugere dar aos pais o direito de votar pelos filhos ainda crianças.

A ideia foi originalmente proposta pelo demógrafo Paul Demery e propõe mudar a regra “um homem, um voto”, base de nossas democracias, propondo que os pais tenham um voto a mais para cada filho menor de 16 anos. Um filho, um voto. Dez filhos, dez votos. O argumento é de que precisamos de políticas de longo prazo, focar nas crianças e nada melhor do que dar às mães um maior poder político.

Há um caminhão de problemas aí. Os cidadãos não decidem políticas públicas e sim elegem políticos. Os políticos vão à televisão, distribuem promessas, santinhos, e as pessoas votam. A engenharia proposta por Demery supõe o seguinte: vendo seus bebês bem cuidados ou soltos em uma rua com esgoto a céu aberto, as mães saberão identificar, no mar de “cabecinhas” (nome que a filhinha de um amigo dava aos candidatos, na TV), quem melhor representa políticas que, uma vez implementadas, melhorarão a vida das futuras gerações.

As mães saberiam separar o joio do trigo, comparando o discurso e o histórico de cada candidato, e quem sabe fariam também alguma comparação internacional sobre boas e más políticas públicas. Sua condição se traduziria em discernimento político.

O maior equívoco disso tudo é desconsiderar um detalhe sobre o mundo político sobre o qual nos alertou Anthony Downs: a informação política tem um custo brutalmente alto. Nosso voto vale nada ou quase nada em uma eleição (mesmo alguém votando pelos cinco filhos). E ninguém será responsabilizado se votar errado. Mesmo porque é parte da democracia que ninguém saiba exatamente o que é certo ou errado em uma eleição.

Nessas condições, pouca gente irá gastar muito tempo analisando políticas públicas. A tendência é a alienação e a irresponsabilidade. Vem daí boa parte da bobageira que inunda a internet. Se a minha influência sobre o processo é nula e eu posso socializar o custo do meu erro, por que exatamente eu agiria, na política, com a atenção que dou ao remédio que meu filho precisa tomar em uma noite de febre?

A engenharia com direitos individuais anda na moda (no tema identitário, em especial), mas não acho que nossas democracias estariam dispostas a trocar uma questão de princípio (a igualdade política) pela expectativa vaga de se obter um melhor resultado (temos acordo sobre isto?) na escolha pública.

Vai também aí certo mecanicismo sociológico que imagina alguma correspondência objetiva entre ideias e condição social. Os mais velhos apostariam em políticas de curto prazo, jovens nas de longo prazo, mulheres em políticas feministas e assim por diante. Feito o raciocínio, a tarefa é descobrir a melhor equação para “ajustar” os colégios eleitorais e obter os resultados que desejamos.

Não é por aí. Nosso foco deveria se concentrar na qualidade do debate e nos incentivos à boa governança pública.

A virtude da provocação feita pelo Pedro é chamar atenção para reformas institucionais que o país precisa fazer. Há três temas que o país deveria discutir com serenidade: mandatos de cinco anos, sem reeleição, voto distrital misto e voto facultativo.

Por diferentes razões. Fim da reeleição e mandatos mais longos podem ajudar a conter o populismo e favorecer a maturação de programas públicos; o voto distrital aproxima eleitos de eleitores e, de quebra, reduz custos de campanha. Voto facultativo é um direito. O Estado não é papai de ninguém para obrigar o cidadão a votar ou não votar.

São reformas esquecidas na agenda brasileira. Deveríamos retomá-las, mas sem engenharia com o direito inalienável de cada um participar da esfera pública em condição de igualdade.

Quanto às crianças, sugiro cuidar para que elas cresçam, brinquem e estudem. No tempo certo, elas irão votar com a própria cabeça.​

Fernando Schüler

Professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.

Descrição de chapéuFOLHAJUS Que falta faz um abraço, FSP

 O assunto dos últimos dias tem sido a frustração do público bolsonarista com a indicação de Kassio Nunes Marques para o STF. Uma parcela dos "conservadores" brasileiros viu nesse movimento o símbolo máximo da traição. E tem de tudo no grupo dos frustrados. Quem imaginaria que um abraço do ministro Dias Toffoli fosse gerar tanta inveja na trupe bolsonarista? Bem que dizem que um hater é um admirador ao contrário. Ousaria dizer que o Bolsonaro de hoje vive tudo aquilo que sonhou o menosprezado deputado do baixo clero. A carência como política.

O vice-presidente do TRF-1, desembargador federal Kassio Nunes Marques - TRF 1ª Região

Há quem tenha aproveitado o momento para negociar apoio para as candidaturas municipais no Rio e em São Paulo em troca da promessa de nomeação em 2021, como apontou, inclusive, o pastor neocrítico de Bolsonaro. Seria ciúme do abraço na Igreja Universal?

Aliás, são as promessas envolvendo a nomeação em 2021 ou a inexistência de alternativa viável para 2022 dentro do campo "conservador" que servirão de incentivo para o mais sincero perdão, aguardem. Bolsonaro errou, dirão, mas segue sendo a melhor opção.

O descontentamento se tornará um traço distinto de independência. Política também se faz na frustração.

É um cálculo muito bem pensado sobre qual o absurdo que se deve criticar. As lideranças se formam na rejeição de uma pauta comum, desde que não comprometa o principal. A métrica das redes permite compreender o momento oportuno para a indignação que aglutina. É assim que se forma a patota.

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A crítica foi coordenada, porque só é traidor quem age sozinho. O arranhão é calculado —ao invés de enfraquecer os planos de reeleição, os fortalece. É muito melhor para Bolsonaro que, em 2022, o apoiem também os seus "críticos independentes". Ninguém gosta de ser gado. O discurso é previsível: não tenho político de estimação, confie em mim, pois eu já te mostrei a minha independência lá atrás, quando critiquei o presidente, mas, vocês sabem como é, não dá pra votar na esquerda"¦

Gabriela Prioli

É mestre em direito penal pela USP e professora na pós-graduação da Universidade