quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Hélio Schwartsman A curva e o aprendizado, FSP

Uma das razões para tentar achatar a curva de contágios da Covid-19 é que ganhamos tempo. E é o tempo que nos permite, entre outras coisas, desenvolver vacinas, remédios e aprender mais sobre a doença e como tratá-la.

Imunizantes e drogas com ação específica contra o Sars-CoV-2 permanecem no campo das promessas. O processo de aprendizado dos médicos, por outro lado, não só já está em ação como parece ter entregado resultados.

Uma meta-análise de Armstrong e colaboradores publicada em "Anaesthesia", que avaliou 24 estudos envolvendo 10.150 pacientes, mostrou que a mortalidade por Covid-19 em UTIs da Ásia, Europa e América do Norte caiu de mais de 50% no final de março para 41,6% no final de maio. Ainda é uma taxa alta se comparada à de outras pneumonias virais (22%), mas é uma redução significativa num espaço de apenas dois meses.

A melhor explicação para o fenômeno é justamente a curva de aprendizado. Nesse período, os profissionais de saúde melhoraram o manejo do paciente grave e a prevenção de complicações. A intubação precoce cedeu espaço à ventilação não invasiva com pronação. Não surgiu nenhum medicamento milagroso, mas médicos descobriram que drogas velhas como heparina, antibióticos e corticoides, dadas na hora certa ao paciente certo, fazem diferença.

O interessante é que essa sabedoria se espalhou por redes informais entre os intensivistas muito antes de que essas abordagens fossem referendadas por estudos. A maioria, aliás, ainda não foi.

Gostamos de pensar o método científico como uma série de testes específicos a que submetemos teorias para delas extrair a "Verdade". Aspectos formais à la Popper são de fato fundamentais. Só eles nos permitem distinguir tratamentos efetivos de sangrias e bruxedos. Mas, no mundo real, a ciência avança de forma bem mais caótica, imprevisível e sujeita a erros, que às vezes até se perpetuam.

terça-feira, 4 de agosto de 2020

Nova rota de trem turístico entre Salto e Itu iniciará operações em dezembro, FSP

Quinze anos após o início do projeto do Trem Republicano, a rota ferroviária entre Salto e Itu, no interior de São Paulo, entrará em operação a partir de dezembro.

Depois de tentar obter uma locomotiva para operar por conta própria –o que gerou até embate com Ribeirão Preto–, o consórcio intermunicipal do trem decidiu publicar um edital de concorrência para concessão da ferrovia entre as duas cidades por 15 anos. Ambas são estâncias turísticas.

A vencedora foi a Serra Verde Express, que já opera o trecho entre Curitiba e Morretes, na serra do mar paranaense, um dos roteiros ferroviários mais visitados por turistas no país. O contrato será assinado na tarde desta terça-feira (4), em Salto.

A operação, segundo o diretor-presidente da Serra Verde, Adonai Aires de Arruda, será exclusivamente turística e a previsão é de circulação diária, com duas viagens em dias úteis e três aos finais de semana. A rota entre os dois municípios tem 7,6 quilômetros em cada trecho, percorrido em 45 minutos de viagem.

O empresário afirmou que a empresa se interessou pelo mercado paulista pelo fato de o estado ser o pulmão da economia do país e ter forte vocação para o turismo ferroviário.

A locomotiva que vai operar o trecho será composta por três vagões –sendo um carro boutique, um turístico e um econômico, que transportarão até 136 passageiros por viagem.

Trilhos implantados entre Salto e Itu, para a operação do Trem Republicano (Divulgação)
Trilhos implantados entre Salto e Itu, para a operação do Trem Republicano (Divulgação)

Arruda afirmou ainda que um trecho de cerca de 500 m que está em obras tem previsão de finalização em 10 de outubro e, em seguida, passará por vistoria da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres). Depois, o trem iniciará as etapas de testes.

“Se tudo correr como planejado já teremos o trem operando no mês de dezembro”, afirmou.

Segundo o consórcio, a ideia do Trem Republicano surgiu em 2005, a partir de um seminário ocorrido no Rio de Janeiro, e dois anos depois foi conquistada a primeira vitória, quando a rodovia Engenheiro Herculano Godoy Passos foi construída deixando uma passagem sob ela para o trem.

O consórcio foi criado oficialmente em 2008, quando as prefeituras conseguem verba de R$ 4 milhões do Ministério do Turismo para a sua execução. Em 2010, o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) concedeu os trilhos para a execução de sete quilômetros de ferrovia, ligando as duas estações ferroviárias.

A antiga estação ferroviária de Salto, que integra a rota do trem entre a cidade e Itu (Reprodução)
A antiga estação ferroviária de Salto, que integra a rota do trem entre a cidade e Itu (Reprodução)

Uma empresa chegou a construir dois quilômetros dos sete entre as duas cidades, mas as obras pararam em 2012 devido ao atraso no repasse da verba federal e a contratada desistiu do projeto.

Já em 2014, uma nova licitação foi feita para contratar outra empresa e, no mesmo ano, começaram as reformas das duas estações ferroviárias.

Uma nova paralisação ocorreu em 2016, com a falta de novos repasses financeiros, e a construção foi retomada em 2018. Agora, se não houver nenhum percalço, a temporada de verão será marcada nas duas cidades turísticas pela nova operação ferroviária, que se soma às já existentes no interior, como o Trem de Guararema e a maria-fumaça Campinas-Jaguariúna.

Perda de olfato causada pela Covid-19 pode ser permanente, indica estudo brasileiro, FSP


SÃO PAULO

Cerca de 5% das pessoas que tiveram perda de olfato causada pela Covid-19 não recuperaram a capacidade de sentir os cheiros mesmo depois de dois meses e meio do início desse sintoma.

Os dados preliminares são de uma pesquisa em andamento no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-USP) que contou com a participação de mais de 650 pacientes infectados pelo novo coronavírus.

Para os pesquisadores, os resultados indicam que uma perda de olfato permanente não está descartada, embora as chances sejam pequenas. Os especialistas também alertam que rapidez para procurar ajuda médica pode evitar o dano definitivo.

De acordo com Deusdedit Brandão, otorrinolaringologista e pesquisador no Departamento de Otorrinolaringologia do HC que participou do estudo, os cientistas acompanham desde abril pacientes que tiveram a Covid-19 confirmada pelo exame do tipo PCR, que detecta a presença do vírus no corpo.

Entre os pacientes ouvidos, cerca de 80% afirmaram ter perda parcial ou total do olfato —também conhecida como anosmia—, e 76% disseram ter perdido o paladar, manifestação que está relacionada à anosmia.

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Depois de dois meses e meio do primeiro contato, os pesquisadores conseguiram encontrar novamente cerca de 140 dos participantes que tiveram a anosmia. Mais de 95% desses ex-pacientes contaram que a capacidade de sentir cheiros havia voltado totalmente ou, pelo menos, parcialmente. Mas quase 5% dessas pessoas afirmaram que o sintoma permaneceu.

Segundo Brandão, os resultados já foram submetidos para publicação e aguardam revisão de outros cientistas.

Para Fabrizio Romano, otorrinolaringologista e presidente da Academia Brasileira de Rinologia (ABR), a anosmia é mais comum em pessoas infectadas pelo novo coronavírus do que em pacientes com outras doenças causadas por vírus respiratórios. Cerca de dois terços dos infectados desenvolvem o sintoma, estima o médico. A recuperação também é mais lenta do que em outros casos.

Cientistas de instituições norte-americanas têm investigado como o novo coronavírus causa a anosmia. Em um artigo publicado no fim de julho na revista científica Science Advances, os pesquisadores demonstraram que o patógeno gera o sintoma ao infectar células de suporte do sistema olfativo, mas não os neurônios que captam as partículas com os cheiros e passam a informação para o cérebro.

As células de suporte ficam no interior do nariz e são responsáveis por uma série de funções químicas que tornam o olfato possível. Elas possuem o receptor ACE2, ao qual o novo coronavírus consegue se conectar para gerar uma infecção.

"Para que esse sistema funcione corretamente, as células de suporte precisam trabalhar para que o neurônio consiga transmitir o sinal químico", explica Romano. Segundo o médico, a chegada do vírus ao nariz pode causar uma inflamação no local que impede as células de cumprir sua função plenamente, e assim os infectados têm dificuldades para sentir cheiros e sabores.

Como ainda não há provas de que o novo coronavírus cause lesão nos neurônios olfatórios, os médicos dizem que, mesmo com chances pequenas, um dano permanente no olfato pode ocorrer quando uma infecção nas células de suporte é muito agressiva —o que parece ser possível em alguns casos da infecção causada pelo coronavírus Sars-Cov-2.

De acordo com os especialistas, o melhor caminho é procurar ajuda médica o quanto antes. "Ficamos preocupados com o fato de que muitos desses pacientes não estão melhorando espontaneamente. Há um prejuízo na qualidade de vida dessas pessoas", afirma Romano.

"Deixamos olfato e paladar em segundo plano e só percebemos a falta que fazem quando os perdemos. Vejo os pacientes angustiados e ansiosos com relação ao tempo de recuperação. Os impactos na qualidade de vida podem ser brutais", diz Brandão. O otorrinolaringologista lembra ainda que o olfato funciona também como um sistema de alerta para segurança quando sentimos cheiro de comida estragada ou vazamentos de gás, por exemplo.

Há terapias específicas para acelerar a recuperação dos pacientes e reverter os danos. "É melhor procurar um tratamento precoce para evitar as sequelas", afirma Brandão.

Outros estudos sobre os efeitos da Covid-19 no olfato estão em andamento em centros de pesquisa pelo país e devem ter resultados divulgados nos próximos meses, diz Romano. De acordo com o médico, esses estudos usam outras técnicas para medir a perda do olfato e não se baseiam apenas nos relatos dos pacientes.

"Muitas vezes, o paciente diz que recuperou a função, mas, quando fazemos um teste, vemos que a recuperação ainda não foi completa. A tendência é que os dados desses estudos nos mostrem um número ainda maior de pessoas afetadas pela anosmia", conclui Romano.