domingo, 10 de novembro de 2019

Bolsonaro já vendeu R$ 91 bi em ativos de BB, Petrobras e Caixa, FSP

Estatais se desfazem de ações, subsidiárias e participações em outras empresas

BRASÍLIA
Apesar de afirmar não ter a intenção de privatizar a Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa, o governo Jair Bolsonaro já vendeu R$ 91,3 bilhões em ativos das três estatais. O valor representa uma média de R$ 294 milhões por dia em 2019.
O levantamento foi feito pela Folha com base nos comunicados divulgados pelas empresas ao mercado ao longo deste ano, considerando negócios já assinados ou em fase de conclusão.
As vendas refletem a disposição do governo de reduzir sua participação em áreas de atuação que considera desnecessárias, conforme orientação seguida pela equipe econômica.
Fachada da sede da Petrobras na avenida República do Chile, no Rio de Janeiro. - Lucas Tavares - 19.jul.17/Folhapress
secretário de Desestatização, Desinvestimento e Mercado, Salim Mattar, usa como argumento para as vendas o artigo 173 da Constituição.
Esse dispositivo diz que a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida se necessária à segurança nacional ou quando houver relevante interesse coletivo. Para Mattar, não é o que se vê no portfólio do governo. 
Em outubro, segundo cálculos de sua secretaria, havia 637 estatais federais com participação direta e indireta da União —ainda mais do que o previsto no início do ano, quando a conta do governo indicava a existência de 440 empresas.
O Ministério da Economia mantém o discurso de que o governo Bolsonaro não pretende privatizar Petrobras, BB e Caixa. Também estão na lista outras empresas consideradas necessárias para a manutenção de políticas públicas. De qualquer forma, a venda das três grandes esbarraria em um empecilho legal. 
A lei 9.491, que regula e abre caminho para o Executivo incluir empresas na lista de privatizações, não pode ser aplicada a Banco do Brasil, Caixa e empresas públicas ou sociedades de economia mista —caso da Petrobras. Por isso, para vendê-las, seria necessário aval do Congresso. 
Entendimento do Supremo Tribunal Federal de junho, no entanto, permite às estatais venderem subsidiárias e controladas sem aval legislativo. 
A equipe econômica aproveita essa leitura para vender braços das empresas, considerando que esse modelo pode gerar até ainda mais retorno do que uma venda na holding.
Neste ano, a Petrobras lidera as operações entre as três estatais com mais de três quartos do montante vendido.
A maior transação, a venda da TAG (Transportadora Associada de Gás, rede de gasodutos do Norte e Nordeste), foi feita em abril e rendeu mais de R$ 30 bilhões à empresa. 
A Petrobras também abriu mão do controle da BR Distribuidora, a maior do segmento no Brasil. A petroleira vendeu 30% da então subsidiária em julho por R$ 9,6 bilhões, ficando com 41,25% da empresa. 
A participação deve encolher ainda mais. Na sexta (8), o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, afirmou que a estatal prepara para 2020 nova oferta de ações da BR.
Além disso, está na reta final a compra da subsidiária Liquigás por Copagaz, Itaúsa e Nacional Gás Butano. Na semana passada, um consórcio formado pelas três empresas fez a melhor oferta para a aquisição (R$ 3,7 bilhões). Também estão previstos desinvestimentos em grandes refinarias, como a Abreu e Lima, e a saída integral de transporte de gás, de fertilizantes, de distribuição de GLP (gás liquefeito de petróleo) e de biodiesel. 
A administração da empresa defende que os desinvestimentos são necessários para reverter o endividamento.
Os gestores da estatal entendem ser necessário levantar recursos para direcioná-los a atividades mais rentáveis para a companhia, como a extração na área do pré-sal. 
Procurada, a Petrobras afirma que os desinvestimentos seguem a legislação e as orientações do TCU (Tribunal de Contas da União) com atendimento a normas de governança, transparência e boas práticas de mercado. “Qualquer que seja o ritmo dos projetos deverá preservar a aderência a todas essas regras”, afirma. 
No BB, a maior operação de até agora foi a alienação de ações do IRB (Instituto de Resseguros do Brasil). A operação, feita em julho, rendeu R$ 4,18 bilhões ao banco. A instituição ainda arrecadou R$ 2,9 bilhões com venda de ações de sua emissão em outubro. 
O presidente do BB, Rubem Novaes, defendeu recentemente que a privatização da companhia será inevitável.
“Com as amarras que uma empresa pública tem, vai ser muito difícil o ajustamento, no horizonte de dois, três, quatro anos, a esse novo mundo de open banking e fintechs. Fica muito difícil em uma instituição ligada a governos acompanhar esse ritmo. Competimos com uma espécie de bola de ferro na canela.”
Na Caixa, a atual administração fala em quatro processos de abertura de capital (IPO, na sigla em inglês). 
O presidente do banco, Pedro Guimarães, já declarou que pretende se desfazer de quatro áreas: seguros, gestão de recursos, cartões e loterias.
De concreto, a Caixa já se desfez de ações no IRB, em operação que somou R$ 2,5 bilhões, e da Petrobras, em negócio de R$ 7,3 bilhões.

Talvez o país não queira entrar no jogo marcado da polarização Bolsonaro vs. Lula, FSP

Polarização é hipótese simples para futuro próximo, mas talvez baseada demais no passado

As consequências políticas de Lula fora da prisão parecem indubitáveis para os cientistas sociais das mídias e das redes insociáveis.
Segundo a intepretação predominante, “Lula livre” ou “Lula solto”, a depender do gosto ideológico, vai ressuscitar a polarização que se viu na deposição de Dilma Rousseff, em 2015-16, ou suscitar a reprise da eleição de 2018. 
De um lado, os dissidentes do bolsonarismo e os arrependidos em geral voltariam a dizer “ruim com Bolsonaro, pior com Lula”. Por outro, a esquerda seria reanimada pelo petista-mor. Alternativas e ilusões centristas morreriam antes de brotar.
Pode ser. Mas talvez essa operação política tenha complicações.
O que vai significar “polarização”, em termos políticos mais práticos? Em 2015-2016, um “polo” tratou de derrubar Dilma Rousseff. Em 2018, parte da mesma coalizão ou do mesmo eleitorado tratou de derrotar um PT ainda forte. Agora, o que vai ser? Não há eleição de fato nacional ou algo como um impeachment à vista.
Haverá campanhas e embates ideológicos agudos, com desqualificação terminal da parte contrária como, digamos, em 1935-37 ou 1963-64? A ameaça de “perigo vermelho” e uma frágil agitação de esquerda suscitaria tentações de algum tipo de golpe?
Deixando as alturas ou hipóteses de farsas históricas e voltando à terra plana de 2019-20, conviria pensar nos problemas políticos, econômicos e sociais mais imediatos. Lula pode voltar a ser preso em poucos meses? O Congresso vai instituir a prisão de condenados em segunda instância? 
Segundo, como vão se organizar as coalizões? As alianças para a eleição de 2020 vão dizer alguma coisa sobre a força política de Bolsonaro e de Lula? Isto é, vão se organizar blocos “polarizados” ou certo desprestígio dos dois lados e o caráter municipal da eleição vão redundar em um quadro político com mais divisões?
Como vão reagir os congressistas e mesmo o eleitorado “centristas”? Depois de conhecer o bolsonarismo e Bolsonaro, o “centrão” vai se juntar ao presidente, sem mais, contra um “perigo vermelho” do qual nem ao menos se conhece a força? Note-se que o “centrismo” no Congresso tem dado demonstrações de independência.
Além do mais, há o debate socioeconômico real. O governo acaba de mandar para o Congresso um pacotaço fiscal; o “parlamentarismo branco” de Rodrigo Maia já tocava algo nessa linha. De interesse social mais imediato, a reforma do governo, caso aprovada, daria no seguinte: 
  1. anos sem reajuste real do salário mínimo, dos benefícios da Previdência e, talvez, dos gastos federais em saúde e educação; 
  2. redução do salário real dos servidores (nem reajuste pela inflação), se não corte de vencimentos, com redução dos serviços públicos.
Lula entraria em campanha contra essa e outras “reformas”? Note-se que, sem a aprovação do pacotão fiscal, o teto de gastos tende a estourar já em 2021, o que será antecipado pelos “agentes econômicos”, o que pode criar certo sururu.
Qual seria o ambiente socioeconômico do embate “polarizado”? A vida de pessoas e regiões mais pobres em geral não vai melhorar tão cedo, tanto faz o ritmo do PIB. Mas, caso o país cresça 2% no ano que vem, a metade mais remediada ou rica pode mudar um tanto de humor. Caso a toada ainda seja de 1%, Lula pode ter mais plateia. 
A “polarização” é uma hipótese simples e elegante para o futuro próximo. Mas talvez baseada demais no passado próximo. 
Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).