domingo, 13 de março de 2016

Otimismo imprudente, editorial Estadão (sobre a crise hídrica)


É compreensível o otimismo do governador Geraldo Alckmin com a considerável melhora da situação dos reservatórios que asseguram o abastecimento de água da Grande São Paulo. Isso afasta o risco do racionamento, pelo menos a curto prazo, que tanto assustou a população em 2014 e 2015. Mas afirmar que a crise hídrica já foi superada, como ele fez, significa ir além daquilo que a prudência recomenda. Como ficou claro por ocasião dessa que foi a maior seca dos últimos 80 anos, o sistema de abastecimento ainda não permite ao poder público dar tal garantia.
Segundo Alckmin, “a questão da água está resolvida, porque nós já estamos chegando a quase 60% do Cantareira e 40% do Alto Tietê. Isso é água para quatro ou cinco anos de seca”. Outra razão para tanta confiança é que “teremos, a partir do ano que vem, uma superestrutura em São Paulo. A região metropolitana estará bem preparada para as mudanças climáticas”, diz ele, referindo-se às obras em curso destinadas a aumentar a capacidade do sistema.
Uma delas é o Sistema São Lourenço, que terá capacidade de vazão de 4,7 mil a 6,4 mil litros por segundo. Outra é a transposição de água da Bacia do Rio Paraíba do Sul para o Sistema Cantareira, um reforço de 5,1 mil litros por segundo. Juntas, elas garantirão - já no ano que vem, quando serão concluídas - um total de mais 11,5 mil litros por segundo, capaz de atender 3,4 milhões de pessoas. O conjunto será completado pela captação de até 2,5 mil litros por segundo do Rio Itapanhaú, em Biritiba-Mirim, para reforçar o Sistema Alto Tietê, uma obra que ainda está em fase de licenciamento e não tem prazo de conclusão definido.
Por mais importantes que sejam essas obras, não se pode perder de vista o imponderável dos fatores climáticos. Basta lembrar que antes da atual crise tudo parecia correr bem e foi o imponderável da seca rigorosa que complicou a situação, como aliás o governador e autoridades da área fizeram questão de ressaltar.
O presidente da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), Jerson Kelman, em entrevista ao jornal Diário do Grande ABC, publicada um dia antes das declarações do governador, foi mais cauteloso. “Temos mais de 1 bilhão de m³ armazenados nos nossos sistemas produtores, 56% do que seria possível armazenar, então, a crise hídrica acabou”, afirmou. E fez em seguida uma precisão: “No fundo o que estou dizendo é que não vejo a possibilidade de, em 2016, termos a repetição do fenômeno hidrológico de 2014”. Em resumo, o seu horizonte para o fim da crise é mais modesto e realista.
Um especialista em recursos hídricos, o prof. Pedro Côrtes, da USP, ouvido pelo Estado, é igualmente prudente. Lembra ele que historicamente o Sistema Cantareira tem muito mais que os atuais 28,7%, sem o volume morto, nessa época do ano e afirma não considerar esse “um nível de segurança, uma vez que estamos no fim do período chuvoso e o prognóstico do segundo semestre é de redução do volume de chuvas com o fim do El Niño”.
O risco de um excesso de otimismo é que ele desestimule a colaboração da população, um dos elementos responsáveis pela melhora das condições do abastecimento, ao lado daquelas obras e das chuva abundantes. Tanto é assim que, como consequência das campanhas de conscientização da importância de sua ajuda e da política de descontos para os que economizam água e de multas para quem consome muito, a Sabesp avalia que o consumo está hoje cerca de 25% inferior ao que era antes da crise.
Se os descontos e as multas acabarem - o que seria compreensível na atual situação de folga ainda que temporária - e se, além disso, se difundir a ideia de uma segurança de abastecimento de quatro, cinco anos mesmo com seca, como diz o governador, a probabilidade é grande de perder o hábito que a população adquiriu de economizar água. Será lamentável que um imprudente otimismo ponha a perder essa importante conquista.

Desilusão de chilenos com a política se agrava, OESP


 - Atualizado: 12 Março 2016 | 17h 51

Bachelet e Congresso tentam em vão recuperar aprovação, um ano após escândalos; partidos perdem espaço a 7 meses de eleições municipais

SANTIAGO - Escândalos que colocaram tanto a presidente Michelle Bachelet quanto a oposição chilena contra as cordas há um ano deixaram uma cicatriz que já é razão de estudo, por não diminuir. A aprovação da líder do Executivo, que no começo do mandato há dois anos era de 54%, se fixou abaixo de 30% há 10 meses, segundo a consultoria Adimark. A do Congresso, que estava na faixa dos 40% em março de 2014, beira os 10% há 12 meses. 
A descrença nas instituições e em quem as representa é acompanhada de uma indignação abafada. Não há em Santiago manifestações multitudinárias contra a corrupção, panelaços pedindo renúncia. Os protestos ocorrem em voz baixa e permanente. 
A presidente do Chile, Michelle Bachelet
A presidente do Chile, Michelle Bachelet
Acostumados a uma dualidade política levada ao extremo nos anos de ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), chilenos de direita e esquerda dão agora depoimentos homogêneos de desilusão política. “A corrupção vira um tema quando a economia vai mal, como no Brasil. Quando andava bem, ninguém se preocupava com corrupção ou isso preocupava menos. O Chile cresce pouco, mas cresce. Quando começar a crise, essa passividade pode mudar”, avalia o cientista político Patricio Navia, da Universidade de Nova York.
Nem mesmo a ex-candidata presidencial Roxana Miranda, líder comunitária que se tornou nacionalmente conhecida por criticar todos os partidos tradicionais na eleição de 2013, livrou-se do descrédito geral. Ela trabalha para criar uma nova legenda antissistema que possa colocar representantes na disputa das votações municipais de outubro e nas gerais de 2017. 
“O descontentamento não é acompanhado de caos porque o governo tem aumentado os subsídios com programas sociais. Na hora que a conta não fechar e faltar comida, haverá confusão”, disse ao Estado a costureira. Apelidada de “Roxana do Povo”, ela vive em um subúrbio de Santiago, numa cômoda casa de classe média, cujas prestações mensais, equivalentes a R$ 480, deixou de pagar por considerar abusivas. Sua bandeira principal é luta por moradia.
Roxana teve 81 mil votos e ficou em sétimo numa disputa vencida no segundo turno por Bachelet contra a conservadora Evelyn Matthei (62% ante 37%). Analistas apostavam que a diferença e o número de parlamentares conseguidos pela coalizão de centro-esquerda de Bachelet lhe permitiriam concretizar as reformas fiscal, educacional, trabalhista e constitucional que propunha. A crise política e a economia em baixa a levaram a aceitar transformações parciais nas três primeiras – o acesso universitário gratuito, por exemplo, será só para famílias de baixa renda.
As dificuldades da presidente começaram em 2014 com a queda no preço do cobre. O caso que definitivamente a comprometeu envolveu há um ano seu primogênito, Sebastián Dávalos, que comandava a área de transparência do governo. Ele é investigado por especulação imobiliária e tráfico de influência. Bachelet sofre ataques moderados porque falta à oposição autoridade moral. O caso Penta, de financiamento irregular de políticos, afetou sobretudo a direita e levou empresários à prisão. “A pouca identificação atual com partidos permite a aparição legendas novas, mas também de candidatos populistas com soluções rápidas que comprometerão a credibilidade do sistema”, pondera Navia.
3 perguntas para:
Eugenio Tironi, analista político
1. A falta de esperança na política supera ideologias no Chile, isso é perigoso?
A população está farta da elite, de esquerda ou direita, econômica ou política, do governo ou da oposição, como em outras partes do mundo. Mas a intensidade desse fenômeno no Chile é nova, é perigoso.
2. Que se deve esperar da participação na eleição municipal de outubro?
A estimativa é que a participação será muito baixa e deve se manter a correlação de forças atual. A revolta hoje se expressa nas redes sociais e no trabalho de humoristas, mas não nas ruas. 
3. Está aberto o espaço para um líder novo, carismático e populista?
Em teoria sim, mas não se enxerga um nome. Quem funciona como barreira a essa tentação é o ex-presidente Ricardo Lagos, a quem se apela como se fosse um “pai da pátria”, acima das ideologias.

quinta-feira, 10 de março de 2016

Procuradores atacam PEC da autonomia da Polícia Federal

MPF


POR REDAÇÃO
15/04/2015, 15h37
   
Em nota técnica, 7.ª Câmara de Coordenação do Ministério Público Federal afirma que proposta de emenda à Constituição 'confere poderes exacerbados a um braço armado do Estado"
Por Fausto Macedo
O Ministério Público Federal emitiu nota técnica em que fustiga ponto a ponto e sugere ao Congresso a rejeição da PEC 412, proposta de emenda à Constituição que prevê autonomia e independência para a Polícia Federal. O documento diz que a proposta representa “patente ameaça ao Estado Democrático de Direito”.
“Tal proposta levaria à criação de um perigoso rompimento do equilíbrio entre os órgãos de poder, conferindo poderes exacerbados a um braço armado do Estado”, assinala documento subscrito por quatro subprocuradores-gerais da República e por um procurador regional que integram a 7.ª Câmara de Coordenação do Ministério Público Federal.
A PEC 412 é o objeto de desejo de 10 entre 10 delegados de Polícia Federal. Os delegados a chamam de PEC da Autonomia. O texto foi apresentado em 2009 na Câmara, mas tornou-se refém do desinteresse de parlamentares e do governo todos esses anos. Agora, em meio à visibilidade que conquistou por causa do êxito das operações contra malfeitos na administração pública, especialmente a Lava Jato, a PF quer aproveitar o espaço para dar um ritmo acelerado ao projeto.
Foto: Reprodução/Sindicato dos Delegados da Polícia Federal
Ministério Público Federal contesta proposta de autonomia da PF. Foto: Reprodução/Sindicato dos Delegados da Polícia Federal
Delegados admitiam encontrar dificuldades para fazer passar a PEC 412. Agora, com a o documento dos procuradores da 7.ª Câmara do MPF, a missão pode ficar ainda mais difícil.
A nota técnica do Ministério Público Federal, peça de cinco páginas, bate pesado na proposta dos sonhos dos delegados da PF. “Não se pode vislumbrar qualquer possibilidade de que as instituições policiais tornem-se independentes e autônomas, pois isso não condiz com os conceitos de democracia e república.”
O documento dos procuradores é taxativo. “Não há exemplo histórico de democracia que tenha sobrevivido intacta quando Forças Armadas ou polícias tenham se desvinculado de controles. Em suma, não há democracia com braço armado autônomo e independente.”
Segundo a nota técnica, “o que se está pretendendo por meio da PEC 412/2009 não encontra paralelo no mundo todo, o que, por si só, já é indicativo de quão temerária é a proposta”.
Os delegados da PF estão em campanha pública por apoio à PEC que lhes garante orçamento próprio. Eles acreditam que é este o momento para alcançar a antiga aspiração de não depender exclusivamente do Executivo. Trabalham com o cenário favorável à corporação para sensibilizar o Congresso.
“Conferir autonomia funcional, administrativa e orçamentária à Polícia corresponde a trilhar-se um perigoso caminho de enfraquecimento dos controles sobre o braço armado do Estado, seja pelo viés da condução de políticas públicas pelo Poder Executivo, seja pelo viés do controle externo da atividade policial, exercido pelo Ministério Público”, acentua a nota técnica.
Os procuradores destacam que, aprovada a PEC 412, as outras polícias, civis e militares, também irão reivindicar a mesma condição. Eles criticam, ainda, o que chamam de “discricionariedade para selecionar os casos a serem investigados”.
“Não é possível que independência seja utilizada para termos menos investigação criminal. A sociedade brasileira clama por melhora nos índices de esclarecimentos de crimes. Investigar mais, não menos”, diz o texto dos procuradores. “Conferir a uma instituição independência e discricionariedade, sem garantia de controles efetivos, claramente definidos, traz evidente risco de arbítrio na seleção de crimes investigados, mais uma vez trazendo um monopólio para a definição não só do que é prioritário investigar, mas acerca do que será ou não investigado.”
“Não se vislumbra vantagem para a sociedade em ter-se órgão armado, legitimado para uso da força, também podendo propor seu orçamento e desfrutando de autonomia na definição de prioridades governamentais, inclusive para deixar de investigar crimes, à revelia do Poder eleito e sem submissão a um efetivo controle externo”, sustentam os procuradores.