quinta-feira, 3 de julho de 2014

Mais 20 anos - CARLOS ALBERTO SARDENBERG O GLOBO - 03/07 (definitivo)

O GLOBO - 03/07

Transferência de renda completou o quadro, ao reduzir a desigualdadee favorecer a expansão das classes C e D


Primeiro de julho de 1994: pela primeira vez, os brasileiros estavam animadíssimos com seu dinheiro. Foi um lance genial a introdução das novas cédulas num único dia, em todo o país. Deu força psicológica para o Real. Mas o plano foi muito além disso: uma impressionante sequência de reformas macro e microeconômicas.

No macro: regime de metas de inflação com BC independente; responsabilidade fiscal e superávit primário; câmbio flutuante; e acerto da dívida dos estados. Aqui também um lance genial: regras com limites para o gasto e a norma proibindo que a União voltasse a financiar os estados e municípios.

As privatizações (telecomunicações, mineração, siderurgia, transportes, bancos e energia elétrica) foram cruciais para a infraestrutura. E mais os dois grandes programas de ajuste do sistema bancário, um para o setor privado, outro para o público.

Também foi crucial a quebra do monopólio da Petrobras. Abriu a exploração de petróleo ao capital privado, nacional e estrangeiro, trouxe os investimentos que resultaram na descoberta do pré-sal.

Na área de gestão pública, destaques: reforma administrativa, com a criação das agências reguladoras; reforma no INSS, com a introdução do fator previdenciário em 1999.

Para facilitar a vida econômica de pessoas e empresas, no micro, tivemos: o Simples e a regra de suspensão temporária do contrato de trabalho, importante flexibilização da legislação trabalhista. Tudo isso na era FH.

O primeiro governo Lula, com Antonio Palocci na Fazenda, reforçou o superávit primário e avançou muito na agenda micro. Destaques: conta bancária e poupança simplificadas; a portabilidade do crédito e o regime do Supersimples.

Mudanças na legislação permitiram a volta e a expansão do financiamento imobiliário e a criação do crédito consignado. Com o boom da economia mundial — uma grande sorte — houve abundância de financiamento externo barato. Em cima das mudanças locais, o resultado foi o crescimento vertiginoso do crédito.

Ainda na era Lula: a nova Lei das SAs (2007) e regras aperfeiçoando a área de seguros. Mais a aprovação, em 2004, da contribuição previdenciária de funcionários púbicos aposentados.

Com Dilma, ainda linha ortodoxa: o cadastro positivo de crédito e a criação do fundo de previdência complementar dos funcionários públicos. E, claro, a volta às privatizações, com a concessão de aeroportos.

O mundo ajudou. Do início deste século até a crise financeira de 2008, a economia global experimentou um período de forte crescimento. Consolidou-se o fenômeno China, cuja voracidade por commodities, alimentos, minérios, petróleo e tanta coisa mais abriu enorme espaço para os países emergentes exportadores.

O agronegócio brasileiro tornou-se grande produtor e exportador mundial. Não foi por acaso, nem obra da natureza, mas da inovação, tecnologia e eficiência de empreendedores que se espalharam pelo país todo.

Mais os minérios — e as exportações brasileiras saltaram de US$ 55 bilhões/ano, na virada do século, para os US$ 250 bi de hoje.

Com os investimentos externos que entraram para aproveitar o novo Brasil, completou-se a mudança estrutural: uma economia que sempre sofreu com a falta de dólares tornou-se credora internacional nessa moeda.

Na área social, o reajuste real do salário-mínimo, política iniciada logo após o Real, e os programas sociais de transferência de renda completaram o quadro, ao reduzir a pobreza, a desigualdade e favorecer a expansão das classes C e D.

Hoje, porém, parece que o efeito dessas mudanças já se esgotou. Por exemplo: o crédito não tem como dobrar de novo nos próximos anos. Também não será possível continuar dando aumentos expressivos para o mínimo sem ganhos de produtividade e sem mais uma reforma na Previdência. Sem isso, não será mais distribuição de renda, mas simplesmente mais inflação e déficit público.

Com a deterioração da política econômica, o Brasil não cresce mais que 2% ao ano, com inflação na casa dos 6%. Comparado com as décadas perdidas, está bom. Mas é menos do que fazem os demais emergentes importantes, que conseguem crescer mais com menos inflação.

Hoje, temos um governo que deve muito, arrecada muito, gasta muito e muito mal, com poucos recursos para investimentos. O setor privado é limitado pela carga tributária, juros altos, péssima infraestrutura, custos de produção elevados e um ambiente de negócios hostil, o tal custo Brasil.

Do que resulta a agenda: refazer os fundamentos (metas de inflação, superávit primário, reforma do setor público) e, sobretudo, abrir as portas para um surto de investimentos privados, em todos os setores. Ou seja, mais 20 anos de Real.

Errando à luz do sol - J. R. GUZZO, na Veja

Lá vamos nós, mais uma vez, fazer a costumeira penitência. É bobagem tentar esconder ou inventar desculpas: muito melhor é dizer logo de cara que a maior parte da imprensa de alcance nacional pecou de novo, e pecou feio, ao prever durante meses seguidos que a Copa do Mundo de 2014 ia ser um desastre sem limites. O Brasil, coitado, iria se envergonhar até o fim dos tempos com a exibição mundial da inépcia do governo para executar qualquer projeto desse porte, mesmo tendo sete anos de prazo para entregar o serviço. Ficaria exposta a ganância das empresas presenteadas com o suntuoso bufê da construção de estádios e das demais obras indispensáveis para abrigar a Copa. Haveria uma coleção inédita de aberrações, com o estouro sistemático de orçamentos, a miserável qualidade dos equipamentos entregues ao público e daí para pior. Deu justamente o contrário. A Copa do Mundo de 2014, até agora, foi acima de tudo o triunfo do futebol — uma sucessão de jogos espetaculares, a exibição de craques como não se via fazia décadas e a presença em campo de todos os oito países que levaram o título mundial em seus 84 anos de disputa. No jogo entre Bélgica e Rússia, para resumir o assunto, havia 70000 torcedores no Maracanã — não é preciso dizer mais nada, realmente, sobre o sucesso da Copa de 2014. Para efeitos práticos, além disso, tudo funcionou: os desatinos da organização não impediram o espetáculo, os 600 000 visitantes estrangeiros acharam o Brasil o máximo e 24 horas depois de encerrado o primeiro jogo ninguém mais se lembrava dos horrores anunciados durante os últimos meses.

É a vida. O que se viu com a Copa de 2014, mais uma vez, foi a aplicação da Lei Universal das Aparências que Enganam — segundo a qual quanto maior a antecedência com que é prevista uma catástrofe futura, tanto menor é a possibilidade de que ela venha de fato a acontecer. O momento mais notável na história dessa lei, possivelmente, foi o infame "bug do milênio". Lembram-se dele? O mundo iria parar a partir de zero hora do ano 2000, pelo derretimento inevitável de todos os computadores do planeta; bilhões de dólares foram gastos por governos e empresas para se defender previamente dessa alucinação, e na hora da desgraça não aconteceu absolutamente nada. As grandes crises, financeiras, que de tanto em tanto tempo vão acabar com o capitalismo no mundo (cada uma delas, inevitavelmente, é apresentada pelos meios de comunicação como "a pior desde 1929"), vêm, vão e se dispersam como os desfiles de escolas de samba. Institutos de pesquisa de opinião, com todos os seus métodos de trabalho testados cientificamente em laboratório, vivem recorrendo a "viradas milagrosas" de última hora para explicar por que o candidato que iria ganhar perdeu, e vice-versa.

A Copa de 2014 é uma boa oportunidade para repetir que a imprensa erra, sim — mas erra em público, à luz do sol, e se errar muito acabará morrendo por falta de leitores, ouvintes e telespectadores. Ao contrário do governo, que jamais reconhece a mínima falha em nada que faça, a imprensa não pode esconder suas responsabilidades. Não tem maioria de 70% no Congresso para abafar seus pecados. Não pode recorrer a embargos infringentes para manter-se impune, nem a ministros amigos no Supremo Tribunal Federal. Não tem a seu dispor cerca de 1,5 trilhão de reais, arrecadados a cada ano em impostos, para comprar quem e o que bem entende. Os jornalistas, no Brasil e no mundo, sem dúvida deveriam ser mais modestos e fazer mais força para errar menos — mas o jornalismo, infelizmente, é uma atividade em que se acumula pouco conhecimento. Fazer o quê? É preciso, bem ou mal, conviver com essa realidade. Afinal, jornalistas têm de ganhar o seu sustento de mais a mais, às vezes chegam até a estar certos. No caso da Copa, na verdade, o que importa é deixar bem claro que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. O sucesso não muda em nada atos de desgoverno, e os atos de desgoverno não mudam em nada o fato de que a Copa foi um imenso êxito. São, apenas, duas realidades diferentes. A qualidade sensacional desta competição, que mexe como nenhuma outra na alma de bilhões de seres humanos, não vai fazer aparecer os benefícios para os brasileiros que foram prometidos e jamais serão entregues; no dia seguinte à final, o poder público nunca mais se lembrará das promessas que fez. As verdades que os jornalistas expuseram não passaram a ser mentiras. O que estava errado continua errado. É isso — e só isso.

Esperemos, agora, a Olimpíada do Rio de Janeiro.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Procuradoria de Contas quer barrar novamente licitação de R$ 11,7 bi do Metrô


FAUSTO MACEDO
Terça-Feira 01/07/14

Em representação ao Tribunal de Contas, procuradores apontam para o risco de ação de cartel e violação à lei da parceria público-privada

O Ministério Público de Contas quer barrar a concorrência internacional 03/2013 que trata da licitação do Monotrilho, Linha 18 (Bronze) do Metrô de São Paulo. O empreendimento é estimado em R$ 11,7 bilhões.
Em representação, com pedido liminar, ao conselheiro Roque Citadini, do Tribunal de Contas do Estado (TCE), os procuradores de contas impugnam seis itens do edital e alertam para o “risco da ação de cartel”.
A licitação já foi paralisada uma vez, em abril, pelo Tribunal de Contas do Estado. Na ocasião, a Secretaria de Transportes Metropolitanos republicou o edital de licitação.
Os procuradores apontam no novo edital “ausência de competição no certame e a necessidade da Secretaria de Transportes Metropolitanos apresentar as medidas acautelatórias adotadas para evitar a prática deletéria do cartel”.
Eles pedem urgência porque o recebimento das propostas está agendado para esta quinta-feira, 3, às 14 horas, em sessão pública. O conselheiro Roque Citadini deu prazo até esta quarta feira, 2, para o Metrô se manifestar. Citadini informou que pretende tomar sua decisão rapidamente. “Isso não pode ficar se arrastando.”
Projeção de computador sobre como deve ser a obra da Linha 18. Foto: Divulgação
Segundo acordo de leniência firmado pela Siemens com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), órgão antitruste do governo federal, o cartel de multinacionais teria predominado no setor metroferroviário entre 1998 e 2008 – governos Mário Covas, José Serra e Geraldo Alckmin, todos do PSDB.
Os procuradores de contas veem também possível violação à Lei 11079/04, que define as normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Eles advertem que as concessões patrocinadas em que mais de 70% da remuneração do parceiro privado for paga pela administração pública dependerão de autorização legislativa específica.
Segundo os procuradores, o ato convocatório “não traz qualquer estimativa de valores relativos às receitas acessórias, omitindo informações imprescindíveis à correta formulação das propostas, omissão essa censurável porque interfere diretamente na formulação das propostas”.
Os procuradores calculam que o valor da licitação chega ao montante de R$ 12,19 bilhões – corresponde à remuneração do parceiro privado no decorrer dos 25 anos de vigência do contrato, sendo R$ 8,6 bilhões pagos pela administração pública, o que representa 70,86% do total.
A Secretaria de Transportes Metropolitanos lançou o edital da concorrência internacional 03/2013 visando a instalação do sistema Monotrilho por meio da contratação patrocinada da prestação dos serviços públicos de transporte de passageiros na linha 18, contemplando implantação, operação, conservação e manutenção.
Partindo da Estação Tamanduateí, o projeto almeja atravessar a região do ABC, com a construção de 14,9 quilômetros de via, contendo treze estações elevadas e demais obras acessórias.
O conselheiro Roque Citadini, decano do TCE paulista, é o relator do processo da Linha 18 no âmbito da Corte de contas. No dia 15 de abril, ele paralisou a licitação ante denúncia apresentada pela empresa PL Consultoria Financeira e RH Ltda.
No dia 16 de maio, a Secretaria informou que “o Poder Concedente resolveu republicar o edital”. A PL Consultoria Financeira e RH Ltda. e o Ministério Público de Contas interpuseram recursos.
Os procuradores de contas argumentam que “com mínimas modificações no edital e ao arrepio da ordem de suspensão (da concorrência), a Secretaria dos Transportes Metropolitanos simplesmente conferiu nova publicação ao ato convocatório e, por sua conta e risco, retomou a Concorrência Internacional 003/2013”.
Na representação, os procuradores assinalam que “a retomada do procedimento licitatório aditada ao juízo de que teria havido revogação do certame originário e ao arquivamento das precedentes representações não deixam alternativa ao Ministério Público, a não ser a propositura desta representação com pedido de Exame Prévio de Edital, almejando, novamente, suspender a Concorrência Internacional 003/2013, diante de graves indicações de que estão sendo vulnerados os princípios que devem reger a administração pública”.
Quando apontam o risco da ação de cartel, os procuradores de contas sustentam que apenas duas empresas teriam condições de participar da concorrência internacional.
“Como se sabe, por sua Superintendência-Geral, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, celebrou acordo de leniência por intermédio do qual graduados executivos da Siemens do Brasil Ltda. admitiram entendimentos e ajustes entre concorrentes, com o escopo de retirar o caráter competitivo de licitações públicas para contratações no setor metroferroviário nacional”, afirmam.
Os procuradores alertam. “Por meio de acordos ilícitos, teriam sido divididos os mercados de atuação e os ganhos em contratações públicas, impedindo-se que a administração alcançasse os preços praticados nas condições de livre concorrência. Desvirtuando a possibilidade de formação de consórcios nos certames e de subcontratações para a execução dos contratos, as ações concertadas viriam sendo desenvolvidas desde 1998.”
Os seis itens impugnados, na representação:
1) Falta de estimativa das receitas acessórias, “falha que impede a formulação de proposta idônea”.
2) Inobservância do artigo 10, §3, da Lei 11.079/04. O valor estimado pelo edital para o contrato de concessão é de R$ 11.792.156.706,92, correspondente ao somatório dos valores nominais do aporte, da projeção da contraprestação pecuniária, das receitas decorrentes da tarifa de remuneração e das receitas acessórias. “Todavia, o instrumento convocatório desconsiderou o aporte no valor de R$ 406.882.000,00, previsto na cláusula 37.1.2 da minuta do contrato.”
3) Opção pelo regime de concessão patrocinada e a aparente ausência de vantagem ao Poder Público. “Possível violação dos princípios da economicidade e da eficiência.”
4) Ausência de competição no certame e a necessidade da Secretaria de Transportes Metropolitanos apresentar as medidas acautelatórias adotadas para evitar a prática deletéria do cartel.
5) Opção pela tecnologia do monotrilho para a linha 18 – bronze. “Existência de dúvidas objetivas que exigem a manifestação do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, como medida apta a resguardar o interesse público das presentes e futuras gerações.”
6) Ausência de consulta pública após a republicação do edital com a alteração efetuada. Violação do artigo 10, inciso VI, da Lei 11.079/04 (submissão da minuta de edital e de contrato à consulta pública).
COM A PALAVRA, A SECRETARIA DOS TRANSPORTES METROPOLITANOS
Em nota, a Secretaria dos Transportes Metropolitanos informou que vai enviar requerimento ao Tribunal de Contas do Estado “com justificativas/contraponto em cada um dos itens impugnados”.
Ref. Licitação da Linha 18-Bronze
A Secretaria dos Transportes Metropolitanos – STM informa que já recebeu notificação sobre a representação do Ministério Público de Contas junto ao TCE contra termos do edital da PPP da Linha 18 com pedido de suspensão da licitação.
A STM esclarece que vai preparar requerimento – em reposta à representação – atestando o prosseguimento da licitação da Linha 18. O documento contará com justificativas/contraponto em cada um dos itens impugnados pelo Ministério Público de Contas do TCE.