quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

.E, portanto, se move, por Delfim Netto


Estamos apenas começando 2013 e não há nada determinado sobre o que vai ser o ano econômico. Cada um de nós tem as suas expectativas. Há condições de fazer um crescimento um pouco melhor do que em 2012 e isso depende fundamentalmente da capacidade de o governo convencer o setor privado a ampliar seus investimentos. É preciso que os empresários aceitem inicialmente participar dos leilões que serão oferecidos, que disputem as oportunidades de trabalhar na melhora de nossa infraestrutura e tomem as decisões de investir para resolver os problemas que temos na logística de transportes, na transmissão de energia e nas comunicações em geral.
O consumo pode crescer um pouquinho mais, certamente não muito mais do que no ano passado. Então, o desenvolvimento se dará mesmo pelo aumento dos investimentos da iniciativa privada. A contrapartida que se espera do governo é que não faça crescer as despesas de custeio e utilize os recursos, por sua vez, para aumentar o investimento público. O saldo em contas correntes este ano provavelmente será muito pequeno, de forma que não há nenhuma outra alavanca para acelerar o crescimento do que a reconquista da confiança dos empresários brasileiros e o estabelecimento de relações mais amigáveis entre eles e o governo.
É sensível que as relações estão melhorando com os esforços que a presidenta Dilma Rousseff vem fazendo, conversando com as pessoas para mostrar o campo de ação do governo, ampliando esses contatos, que são indispensáveis e devem ser permanentes. Isso me leva a renovar a esperança de que vamos crescer mais. Melhorou o clima e não há muitas vozes divergentes de que esse é um bom caminho. Na minha perspectiva, o melhor, senão o único.
Deve-se reconhecer que o governo começou o ano com duas iniciativas importantes, extremamente inteligentes, com a medida de antecipar a desoneração da carga fiscal sobre os salários e com a redução nas tarifas de energia. No caso da desoneração salarial, não há uma renúncia para o Tesouro, mas uma transferência para os preços e depois os recursos são colocados de novo no INSS, como se fossem salários. Foi uma escolha importante porque, além de desonerar as folhas de salários propriamente, reduz o custo para as empresas. Com o câmbio constante, significa reduzir o preço dos salários em dólares, o que é um fator de estímulo à exportação. Aumenta a procura externa e também a demanda doméstica, porque o crescimento das exportações se espalha por toda a economia. O resultado da substituição de custos salariais sobre os níveis de preços tem um efeito significativo na composição da estrutura da oferta.
A ideia de o governo generalizar as desonerações é fundamental, pois estamos mesmo precisando de medidas mais horizontais que beneficiem todo o sistema econômico e não façam discriminação entre os setores. É um esforço grande na direção correta para a retomada das exportações, pois significa uma valorização cambial para as empresas que são alcançadas nesse processo.
A substancial redução nas tarifas de energia trouxe inegável benefício para os consumidores domésticos e alcança desde o mais abonado ao mais pobre dos lares. Para as empresas em geral tem consequências notáveis em termos de economia de custos e da lucratividade, o que deve estimular os investimentos. Em setores especiais da indústria, de alto consumo de energia como a de alumínio, a medida representa a sobrevivência: sem o corte agora determinado na tarifa, somente permaneceriam no negócio as que têm geração própria.
Para toda a economia, a redução dos altos custos será fundamental no estímulo a novos investimentos. Se compararmos as tarifas da época em que o Brasil crescia muito depressa, isso já faz mais de 30 anos, o custo da energia, em dólares, era menos que um décimo do preço cobrado hoje. O Brasil tinha os menores preços do mundo quando se instalou a Alcoa e vendíamos a energia de Tucuruí, a primeira grande hidrelétrica no Rio Tocantins.
Para todos os setores da economia os benefícios da redução das tarifas serão formidáveis, além do efeito na produção do alumínio, onde é imediato.

Nem descalço, nem de joelhos, por Leandro Fortes


Garcia, durante entrevista em julho passado. Foto: José Cruz/ABr
Garcia, durante entrevista em julho passado. Foto: José Cruz/ABr
Toda essa movimentação de corvos e abutres em torno da saúde de Marco Aurélio Garcia, inclusive a denúncia (!) da Folha de S.Paulo dando conta de que ele foi operado com recursos dos SUS, esconde um recalque dolorido em relação ao assessor internacional da Presidência da República.
Garcia, chamado de MAG pelos amigos (dele, eu não o conheço), é um dos principais articuladores do Foro de São Paulo, o movimento contra-hegemônico das esquerdas latino-americanas à política de submissão da região aos interesses dos Estados Unidos e das corporações capitalistas do Velho Mundo.
Nos anos 1990, foi a iniciativa de Marco Aurélio Garcia que alimentou nosso sentimento de soberania e autodeterminação quando tudo o mais era ditado pelo Consenso de Washington e pelo FMI, cartilhas às quais o governo brasileiro, da ditadura militar aos anos FHC, seguiu como um cordeirinho adestrado.
Eleito Luiz Inácio Lula da Silva, coube a Garcia, ao lado dos embaixadores Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães, reorientar a diplomacia brasileira de modo a tirar o Brasil, uma imensa nação potencialmente rica e poderosa, de sua condição subalterna e levá-lá a um protagonismo inédito e, de certa forma, perturbador dentro da ordem mundial.
Ao fazer isso, Garcia fez o mundo lembrar o ponto de degradação a que tínhamos chegado: em 2002, o embaixador Celso Lafer, ministro das Relações Exteriores, chanceler do Brasil no segundo governo FHC, foi obrigado a tirar os sapatos no aeroporto de Miami, por ordem de um zelador da alfândega dos EUA.
Em vez de dar meia volta e fazer uma reclamação formal à Casa Branca, Lafer botou o pezinho para fora e o rabo entre as pernas. Foi o auge da política dos pés descalços e da diplomacia de joelhos.
Então, essas pessoas que, hoje, sem um argumento melhor, ficam pateticamente perguntando se Marco Aurélio Garcia ao menos entrou na fila do SUS, estão, na verdade, naquela empreitada envergonhada, pessoal e impublicável dos que torciam secretamente pelo avanço dos tumores que um dia atormentaram a vida e o futuro político de Lula e Dilma Rousseff.
Sem voto, sem popularidade e despidos de humanidade, jogam todas as fichas no câncer – ou na fraqueza do coração – alheio.

Sangue no espelho, por Emiliano José


Sangue no espelho

“Presidente, ao contrário do que ocorre em países como os EUA, no Brasil a imprensa tem um fortíssimo poder de manipulação sobre a opinião pública. Não é fácil enfrentá-la.” O alerta foi feito pelo jornalista Samuel Wainer a Getúlio Vargas. Na série de artigos que iniciamos nesta edição, Emiliano José retrata alguns exemplos que explicitam a relação da mídia (muitas vezes golpista) com o poder. De Vargas a Goulart, da ditadura a Collor, de FHC a Lula e Dilma, todos esses personagens serão analisados à luz da intervenção da mídia, que o autor qualifica como um partido político, à Gramsci
População lamenta a morte de Getúlio Vargas
População lamenta a morte de Getúlio Vargas
Foto: Arquivo Agência Estado
(...)Los acontecimientos sociales no son objetos
que se encuentran ya hechos en alguna parte
en la realidad y cuyas propiedades e avatares nos son dados a conocer de inmediato por los medios con mayor o menor fidelidad. Sólo existen en la medida en que esos medios los elaboran.(...) Los medios informativos son el lugar en donde las sociedades industriales producen nuestra realidad. 

(Verón, Eliseo. Construir el Acontecimiento – Los medios de Comunicación Masiva y el Accidente en la Central Nuclear de Three Mile Island. Barcelona, Editorial Gedisa S.A., 1995, p. II)

Faltavam poucos minutos para as 9 horas, 24 de agosto de 1954. O jornalista Pompeo de Souza barbeava-se pacientemente, os olhos fixos no espelho, em seu apartamento no Rio de Janeiro, o rádio ligado, quando ouve uma notícia:
“O presidente Getúlio Vargas está morto. Suicidou-se com um tiro no coração às 8:25 desta manhã”.
– Fiquei paralisado e me senti um assassino. E chorei muito, convulsivamente. Nunca mais pude sentir raiva do Getúlio.
Pompeo de Souza tinha razões para chorar, fosse ele, como era, um homem honesto.
O choro era do jornalista que havia sido convictamente o cérebro e mentor principal do que ficou conhecido como República do Galeão, que conduzira até ali as investigações em torno do atentado do dia 4 de agosto do mesmo ano contra Carlos Lacerda, que levara à morte o major Rubens Florentino Vaz, segurança do político e jornalista e, presumivelmente, ferira os pés de Lacerda. Essa república era, em si, o prenúncio do golpe contra Vargas.
E Pompeo fora o condutor da imprensa golpista, que construíra de alguma forma aquele momento.
A Aeronáutica, à revelia do presidente da República, instalou um IPM e passou a conduzir tudo, arbitrariamente, constituindo-se numa espécie de república paralela, que não dava satisfações a ninguém, não obedecia a lei alguma e era guiada exclusivamente pelo antigetulismo raivoso. Não se envergonhou, sequer, de ter chamado o mais notório torturador da polícia carioca, Cecil Borer, para ser o principal interrogador, com a prática constante da tortura. À Aeronáutica juntou-se parte da Marinha e do Exército na conspiração golpista, sediada na Base Aérea do Galeão.
Não se imagine, como não se pode imaginar hoje quando forças golpistas se movimentam contra Lula, um ex-presidente, que falar em antigetulismo raivoso e golpista seja apenas uma tentação panfletária. A movimentação contra Getúlio Vargas era intensa, com nítidas inspirações golpistas, e Lacerda era o principal líder, e tudo isso ecoava por toda a grande imprensa, cuja vocação contra governos reformistas é antiga, como pode se ver, à exceção apenas do jornalÚltima Hora. A Aeronáutica ocupou o Rio de Janeiro, quase literalmente e ostensivamente, a demonstrar ao presidente da República que a lei e a hierarquia não eram mais parâmetros pelos quais se guiava.
Lacerda tinha força na Aeronáutica, embora também na Marinha e no Exército. O Estado é complexo, ontem e hoje. Enganam-se os que acreditam seja ele um ente uno, a obedecer linearmente às ordens de cima. Às vezes, do interior do Estado, de órgãos hierarquicamente subordinados, vêm as ações golpistas, que não nos enganemos, como naquele momento.
Os lacerdistas da Aeronáutica, e não eram poucos, esperavam uma oportunidade como aquela, desejavam um atentado como aquele, que fora providencial, como confessou alguns anos mais tarde o coronel Adhemar Scaffa Falcão, subcomandante da Base Aérea do Galeão, uma espécie de faz-tudo da insólita república.
O objetivo era político, revelou ele, como se precisasse fazê-lo. Foi claro, em entrevista ao historiador Hélio Silva:
– O objetivo não era bem apurar a morte do major Vaz, e sim transformar o atentado em motivo para uma modificação política, e assim foi feito.
Mais claro, impossível. O golpe estava em marcha acelerada.
Carlos Frederico Werneck de Lacerda tinha uma reiterada vocação golpista, e tinha talento, determinação. Do comunista que fora na juventude, não restara nada. Tornou-se um iracundo porta-voz do antigetulismo, sempre em nome da moralidade pública. Não tinha escrúpulos, não cultivava a exatidão ou respeito aos fatos como jornalista. Pensava e agia com a meta de destruir o adversário, não importando os métodos. E induzia seus seguidores a agir da mesma maneira. Ao olhar a mídia nos dias de hoje, podemos notar vários profissionais com a mesma índole, os mesmos métodos.
Voltemos ao espelho, às lágrimas de Pompeo de Souza. Jornalista respeitado, correto e moderado, conforme a avaliação de Flávio Tavares, católico e filiado ao Partido Socialista, credenciais que poderiam colocá-lo à esquerda do espectro político. Era amigo íntimo de Lacerda, no entanto.
Chefe de redação do Diário Carioca, era amigo também de Café Filho que naquele momento, e depois, se incluía entre os golpistas. Foram o talento e a habilidade de Pompeo de Souza que deram forma política e penetração e prestígio popular àquela república truculenta.
Passava boa parte do dia na Base Aérea do Galeão, preparando o esqueleto dos futuros interrogatórios e organizando a divulgação na imprensa e no rádio de tudo que ocorrera nas horas anteriores. Toda a relação com a imprensa, todas as revelações para os jornalistas e para a Câmara dos Deputados partiam dele, tudo passava pelo seu crivo.
O clima do golpe era montado por ele, em articulação com o restante da imprensa, à qual passava as informações. Além de, na noite, manchetear, titular, rever os textos que seu jornal publicaria no dia seguinte, sempre com o agressivo tom antigetulista.
A imprensa brasileira, também naquele episódio, participou ativamente do golpe, e como dirigente. Será que dá para imaginar o que fazem os editores ferrenhamente antilulistas a cada número de jornal televisivo, a cada edição de revista, de jornal? Dá, não dá?
Pompeo de Souza, quando ouviu dos militares a ideia de convocar o presidente Getúlio Vargas para depor na República do Galeão, retrucou:
– Não se deve, não se pode e não se fará.
Acrescentou, no entanto:
– Mas, exatamente por isso, vamos soltar o boato de que vai ser feito! Por isso, porque Getúlio jamais poderá ser convocado, vamos espalhar o rumor e a ideia de que vai ser convocado a depor!
Aquela notícia, e vejam o quanto uma mentira repetida muitas vezes pode se transformar em verdade, começou a se espalhar rapidamente: o presidente seria chamado a depor na República do Galeão.
Pompeo via sua estratégia de comunicação ganhar consistência, ter consequência política. Não é preciso dizer que os demais órgãos da imprensa brasileira seguiam a mesma direção, faziam tudo o que oDiário Carioca e a Tribuna da Imprensa, cujo dono era o próprio Lacerda, prescreviam. E afinal, como vimos, o pauteiro exclusivo de toda a mídia era Pompeo de Souza, porta-voz íntimo e autorizado da República do Galeão. O golpe caminhava aceleradamente.
A imprensa toda falava em crise militar, verdadeira, e estimulada, açulada por ela. Getúlio Vargas resolve dar um recado à Nação e aos golpistas, divulgado pelo jornal Última Hora, dirigido por Samuel Wainer:
– Só morto sairei do Catete.
Reúne o ministério na noite de 23 de agosto, que vara a madrugada e termina às 4 da manhã. Dá o recado: a investigação sobre o atentado se desenvolvia livremente, o governo não tinha oposto nenhuma restrição, prosseguia normalmente.
– Nada, porém, pode sobrepor-se à Constituição e às leis, nem essa investigação nem qualquer outro ato. Não sairei da Constituição um milímetro sequer!
Os ministros militares se esquivavam durante a reunião, e o presidente percebia tudo, que experiência não lhe faltava. O inimigo dava voltas em torno dele, ali no Catete. Ali pelas 4 da manhã, disse:
– Já que os senhores ministros nada decidem, eu decidirei. Como se trata de uma crise nas Forças Armadas, determino aos ministros militares que mantenham a ordem e o respeito à Constituição. Respeitada a ordem, solicitarei uma licença até que sejam apuradas todas as responsabilidades. Não quero lutas nem derramamento de sangue, mas não sou um covarde: se os insubordinados optarem por impor a violência e tentarem chegar até o Catete, levarão apenas o meu cadáver.
Ali já tinha plena consciência de que os golpistas lhe haviam bloqueado o caminho. Nem os generais de dentro do governo o apoiavam mais, nem o seu ministro da Guerra. Estava isolado, e à beira da desmoralização depois de uma vida intensa de dedicação à pátria, dedicação que ele sabia juntara erros e acertos.
Deposto, como parece que seria, passaria por covarde, que nunca fora. Esse gosto, o de ser desmoralizado, o de passar por covarde, o de ser apeado do poder, ele não daria a seus adversários. Ninguém percebeu sua intenção na noite decisiva.
Nem o ministro da Justiça, Tancredo Neves, que recebeu de presente dele a caneta de ouro com que assinava decretos e leis, ao final da última reunião ministerial: “Guarde-a como lembrança destes dias difíceis”. Nem João Goulart, a quem ele entrega, na mesma madrugada, o original da carta-testamento, em envelope fechado, com a recomendação expressa de abrir “somente se me acontecer alguma cousa”. Nem a filha Alzira, que sempre imaginou saber tudo sobre ele, e que o beijou com um “até logo” na longa madrugada de 24 de agosto.
Certamente, antes de se matar, passou em revista toda a sua vida. Especialmente quando tivera a intenção de ampliar a liberdade de expressão e de imprensa ao propiciar a criação do jornal Última Hora. Foi atacado por toda a imprensa, um escândalo foi montado, uma CPI instalada, sob o argumento de que Samuel Wainer, jornalista e proprietário e amigo de Getúlio, recebera empréstimo, legal, do Banco do Brasil, como se todo o resto dos meios de comunicação não se valessem também dos empréstimos do Banco do Brasil e da Caixa Econômica.
A imprensa adversária de Getúlio não pretendia dividir o poder da palavra, não queria a intromissão na construção da opinião pública, queria manter o monopólio do discurso nas mãos de algumas poucas famílias, e queria ser uma espécie de partido único do pensamento, como quer até hoje. 
O fato é que todos, como dizia antes, foram ludibriados pela frieza de Getúlio Vargas, que, com um sentido trágico da existência, resolvera sair da vida para entrar na história, como dirá em sua carta-testamento. Que seguramente pensou em frustrar os golpistas, e o conseguiu com o tiro no próprio coração. Antes de se matar, determinara a si próprio dormir um pouco que fosse, entre 4 da manhã e pouco depois das 8, como o fez.
O restante, depois da morte, é sabido: a reação do povo foi instantânea. Tomou as ruas de todo o país, indignado, a chorar por seu líder, e a desanimar a ação imediata dos golpistas. Mais tarde, depois da eleição de Juscelino Kubitschek, ainda houve, em 1955, uma outra tentativa de golpe, sufocada pela pronta ação de Lott, determinado a dar posse a quem havia sido eleito.
Compreende-se a perplexidade de Pompeo de Souza à frente do espelho. Era um homem de princípios, mesmo que àquele momento, por razões não tão claras, estivesse tão firmemente ao lado dos golpistas. Mais tarde, em 1986, será eleito senador pelo PMDB, talvez, quem sabe, como purgação daquele então já distante 24 de janeiro de 1954.
Carregou para o túmulo muita coisa que guardava dentro de si com relação àquela conjuntura, particularmente sobre o que ocorrera na República do Galeão. Recusou-se a escrever sobre ela, apesar da insistência de amigos, como Flávio Tavares. Dele, se fica a lembrança trágica da República do Galeão, permanece, também, a recordação de um homem de sentimentos profundos, capaz de refazer-se ao longo da vida, inclusive colocando-se contra a ditadura que se antecipara, sem vitória, naqueles fatídicos dias de agosto de 1954.
Tancredo Neves, em 1961, levou-o para Brasília, onde foi chefe do Serviço de Imprensa do Conselho de Ministros, o mesmo Tancredo que se coloca inteiramente ao lado de Getúlio nos episódios de 1954. O jornalista foi um dos fundadores da Universidade de Brasília. Morreu em junho de 1991, aos 77 anos.
A lembrança do papel de Pompeo de Souza na tentativa de golpe, sufocada tragicamente com o suicídio de Getúlio, não pode obscurecer a participação orquestrada de toda a mídia (salvo, como já dito,Última Hora), sempre atuando como partido político, com posições claras contra o Getúlio que surgira das urnas de 1950, mais nacionalista, mais decidido a promover reformas, pronto a assegurar alguns direitos dos trabalhadores, a seguir construindo um Estado que desse condições ao Brasil de se desenvolver. A imprensa brasileira não compartilhava desse programa político, como não compartilha do que se iniciou em 2003, quando Lula assumiu a Presidência da República.
Aqui, no entanto, com Lula, não houve suicídio nem renúncia. Lula se reelegeu em 2006 e depois, em 2010, o povo brasileiro garantiu a continuidade desse projeto, com a eleição de Dilma Rousseff, a primeira mulher a chegar à Presidência da República.
Apesar do combate incessante da mídia, que não se conforma em ver derrotadas suas ideias neoliberais e conservadoras para o Brasil. Apesar do neolacerdismo permanente, apesar do descompromisso diário da mídia com os fatos, com a verdade, o Brasil está se transformando, a vida do povo tem melhorado, a crise está sendo enfrentada de modo diverso daquele praticado pelos países europeus, e por isso mesmo a população brasileira manifesta sua admiração e preferência tanto pela presidenta Dilma como, também, por Lula. Apesar de você...

Nota: este texto está baseado quase inteiramente no capítulo Getúlio, Mar e Lama, do livro O Dia em Que Getúlio Matou Allende e Outras Novelas do Poder, de Flávio Tavares (Editora Record, 2004), que naturalmente não tem nenhuma responsabilidade com os erros que porventura tenham sido cometidos nem com as análises políticas que o autor desenvolveu. Mantive a grafia Pompeo, que é a utilizada o tempo todo por Tavares, ao invés de Pompeu, mais corriqueira. Como Tavares o conheceu de perto, penso que utilizou a grafia verdadeira. Vali-me também do verbete de nomes de Cães de Guarda – Jornalistas e Censores, do AI-5 à Constituição de 1988, de Beatriz Kushnir (Boitempo Editorial, 2004). 

Emiliano José é professor-doutor (aposentado) em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia. Jornalista e escritor, integra o Conselho de Redação de Teoria e Debate