domingo, 2 de dezembro de 2012
Onipotência da soberba - TOSTÃO
FOLHA DE SP - 02/12
A experiência pessoal é importante, mas não pode estar à frente do conhecimento
Rinus Michels, revolucionário técnico holandês na Copa de 1974, deve ter ficado arrepiado ao ver as seleções brasileiras de 1958, 1962 e 1970. Suas ideias sonhadoras, com novos conceitos, foram assimiladas e aprimoradas por Cruyff, uma das maiores inteligências coletivas do futebol. O craque e treinador holandês criou variações e transmitiu esses conhecimentos ao Barcelona, que foram modificados por Guardiola e pela seleção espanhola. Todo esse saber evolutivo, associado ao recente pragmatismo criativo do técnico José Mourinho, se espalhou por toda a Europa.
Os principais times europeus, além de contratarem os melhores jogadores do mundo, priorizam, cada vez mais, o jogo coletivo, a troca de passes, que começa com os zagueiros, a diminuição dos espaços entre os setores, a alternância entre a marcação por pressão e a mais recuada, para contra-atacar, as múltiplas funções de um jogador e vários outros detalhes. É o futebol do presente e do futuro.
O futebol brasileiro, por prepotência, ao achar que só aqui tinha craques e se jogava em alto nível, involuiu coletivamente. Pior, o atual estilo de jogar dificulta o aparecimento de grandes talentos. Temos muitos bons jogadores, mas apenas um fora de série, Neymar.
Muitos outros fatores contribuíram para essa queda, como os gramados ruins, a promiscuidade e a ineficiência dos dirigentes de clubes, de federações e da CBF, e a pressão aos técnicos e jogadores para ganhar de qualquer jeito, consequência da violência na sociedade, na arquibancada e no gramado.
Como já tinha escrito, ficou mais evidente, após a entrevista coletiva para anunciar a comissão técnica, que teremos uma época de exacerbação do nacionalismo.
Só faltou Zagallo. Na entrevista, houve também uma exaltação das conquistas de 1994 e 2002, motivo principal, alegado pela CBF, para chamar Parreira e Felipão. A comissão técnica será quase a mesma de 2002. Os conceitos devem também ser os mesmos.
Muitas pessoas, em todas as atividades, acham que o que deu certo tem de ser repetido, como se houvesse apenas um jeito de ganhar. Esquecem também que há coisas erradas nas vitórias e acertos nas derrotas. Existe um grande número de fatores envolvidos nos resultados, ainda mais quando se tem craques, como Romário, Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho.
São indiscutíveis os méritos de Felipão e Parreira nas conquistas das Copas de 1994 e 2002.
Por outro lado, o assunto me faz lembrar de alguns médicos que justificavam suas condutas pelas experiências anteriores, que tinham dado certo, contrariando a evolução e as publicações científicas. Achavam que a experiência pessoal estava na frente do conhecimento e da ciência. É a onipotência da soberba.
Balançando a balança - ALDIR BLANC
O GLOBO - 02/11
Jogar um Dell com não sei quantos megabytes numa barata me parece excesso de zelo
Dezembro entrando, seria tempo de feliz isso e aquilo, mas não tenho a cara de pau necessária para desejar boas festas a um paulista. Não se sabe se ele estará vivo até lá. No último fim de semana, recorde, foram uns 50 assassinatos (por baixo, por baixo). Todo mundo acha que bandidos estão fazendo exigências que as autoridades não atendem. Aí, os meliantes mandam recados para fora das penitenciárias com ordens de tocar o horror. Isso já aconteceu antes. Vi um documentário em que os guardas tentaram revistar a cela de um preso, baixinho, só de calção. O detento mandou na orelha de uma otoridade:— Se entrar na minha cela, arranco a tua cabeça.
Houve muito chove não molha e a cela não foi revistada. Isso mostra como andam as coisas. Por que esses marginais se regenerariam? Mamaluf foi novamente condenado, em Jersey (?). Pelas minhas contas, só faltam os vereditos de Marte, Plutão e Vega. Ele continua curtindo sua coleção de joias, arte, vinhos, proibido de pisar em mais de cem países? Guiness para ele — com dois pastel, por favor. Nicolalau descansa em seu opulento lar, depois da roubalheira. Sacacciola, que teve a fuga facilitada por um colega seu do Supremo, foi em cana, depois de um tempão divertindo-se lá fora. Mal voltou preso, recebeu um “indulto”, que muitos consideram ilegal.
A Brasunda é o país onde um assassino, autor de crime hediondo, é condenado e sai do tribunal para casa, onde curtirá as delícias da boa mesa, namorada nova etc. Tem louca que, dependendo do que lhe é oferecido, vai com qualquer mané. Por essas e outras, quero declarar que o ministro Joaquim Barbosa entrou para a História sem sair da vida, ao afirmar: “A Justiça não trata a todos de forma igual.” Boa, Barbosinha, se me permite a intimidade. Já fui lesado por um troço chamado Capemi, e fiquei aguardando o ressarcimento. Chongas. Venci em “última instância” (o que, afinal, significa essa mentira para quem é pobre?) o PTB de Bob Jefferson, éééé, esse mesmo delator, que deveria pegar perpétua, mas vai de semiaberto. Há outras vitórias muito comemoradas na família, todas em “última instância”. Não veio nem uma jontex para gozar com a nossa cara. No entanto, Excelência, posso elencar, de memória, como quem recita o beabá: Anões do Orçamento, Coroa-Brastel, Mandioca, Cayman de Sá, Ceme, Eletronorte, Encol, Sivan, Esmeraldas do Abi, Lunus (não tinha parente do Sarna metido?), Detran, PC Farias e Collor, CBF, CBF, CBF, expandindo-se como as galáxias para COB, COB, COB, de marré, marré, marré. Ministro Barbosa, espero que a maioria dos envolvidos nesse monturo tenha sido condenada, porque são pessoas muito piores do que José Genoino.
Lamento encerrar, ministro, com mais um escândalo: fraudes em licitações na Aeronáutica. Estranharam o grande número de computadores solicitados para o combate aos insetos... Compreendo a necessidade de progresso tecnológico, mas jogar um Dell com não sei quantos megabytes numa barata me parece excesso de zelo, o senhor concorda?
Jogar um Dell com não sei quantos megabytes numa barata me parece excesso de zelo
Dezembro entrando, seria tempo de feliz isso e aquilo, mas não tenho a cara de pau necessária para desejar boas festas a um paulista. Não se sabe se ele estará vivo até lá. No último fim de semana, recorde, foram uns 50 assassinatos (por baixo, por baixo). Todo mundo acha que bandidos estão fazendo exigências que as autoridades não atendem. Aí, os meliantes mandam recados para fora das penitenciárias com ordens de tocar o horror. Isso já aconteceu antes. Vi um documentário em que os guardas tentaram revistar a cela de um preso, baixinho, só de calção. O detento mandou na orelha de uma otoridade:— Se entrar na minha cela, arranco a tua cabeça.
Houve muito chove não molha e a cela não foi revistada. Isso mostra como andam as coisas. Por que esses marginais se regenerariam? Mamaluf foi novamente condenado, em Jersey (?). Pelas minhas contas, só faltam os vereditos de Marte, Plutão e Vega. Ele continua curtindo sua coleção de joias, arte, vinhos, proibido de pisar em mais de cem países? Guiness para ele — com dois pastel, por favor. Nicolalau descansa em seu opulento lar, depois da roubalheira. Sacacciola, que teve a fuga facilitada por um colega seu do Supremo, foi em cana, depois de um tempão divertindo-se lá fora. Mal voltou preso, recebeu um “indulto”, que muitos consideram ilegal.
A Brasunda é o país onde um assassino, autor de crime hediondo, é condenado e sai do tribunal para casa, onde curtirá as delícias da boa mesa, namorada nova etc. Tem louca que, dependendo do que lhe é oferecido, vai com qualquer mané. Por essas e outras, quero declarar que o ministro Joaquim Barbosa entrou para a História sem sair da vida, ao afirmar: “A Justiça não trata a todos de forma igual.” Boa, Barbosinha, se me permite a intimidade. Já fui lesado por um troço chamado Capemi, e fiquei aguardando o ressarcimento. Chongas. Venci em “última instância” (o que, afinal, significa essa mentira para quem é pobre?) o PTB de Bob Jefferson, éééé, esse mesmo delator, que deveria pegar perpétua, mas vai de semiaberto. Há outras vitórias muito comemoradas na família, todas em “última instância”. Não veio nem uma jontex para gozar com a nossa cara. No entanto, Excelência, posso elencar, de memória, como quem recita o beabá: Anões do Orçamento, Coroa-Brastel, Mandioca, Cayman de Sá, Ceme, Eletronorte, Encol, Sivan, Esmeraldas do Abi, Lunus (não tinha parente do Sarna metido?), Detran, PC Farias e Collor, CBF, CBF, CBF, expandindo-se como as galáxias para COB, COB, COB, de marré, marré, marré. Ministro Barbosa, espero que a maioria dos envolvidos nesse monturo tenha sido condenada, porque são pessoas muito piores do que José Genoino.
Lamento encerrar, ministro, com mais um escândalo: fraudes em licitações na Aeronáutica. Estranharam o grande número de computadores solicitados para o combate aos insetos... Compreendo a necessidade de progresso tecnológico, mas jogar um Dell com não sei quantos megabytes numa barata me parece excesso de zelo, o senhor concorda?
Quem sabe faz a hora - DORRIT HARAZIM
O GLOBO - 02/12
É oportuno relembrar, uma década depois de ocorrida, a memorável entrevista concedida em 2002 à CNN por Martina Navratilova, até hoje considerada a maior tenista de todos os tempos. À época, a atleta já havia vencido o torneio de Wimbledon nove vezes - feito jamais replicado por outro tenista -, ganhara 59 títulos do circuito Grand Slam, se aposentara e entrara para o panteão do esporte.
Martina estava com 46 anos, o ocupante da Casa Branca se chamava George W. Bush e a América se enfronhava a passos largos no conservadorismo social e político que se seguiu ao atentado às Torres Gêmeas, ocorrido no ano anterior.
Ardia nos ouvidos americanos um comentário feito pela tenista sobre suas duas pátrias - nascida na Tchecoslováquia sob domínio soviético, ela se exilara nos Estados Unidos aos 18 anos, durante o U. S. Open de 1975, e era cidadã americana. "Um dos aspectos mais absurdos da minha fuga de um sistema injusto", declarara Martina a um jornal alemão, "é que troquei um que oprime a liberdade de expressão por outro". Disse mais: "Os republicanos, nos Estados Unidos, manipulam a opinião pública e varrem para debaixo do tapete questões controversas. É deprimente."
Martina foi então convidada a esclarecer seu comentário num dos principais programas de entrevistas da CNN, comandado pela apresentadora Connie Chung. O diálogo que se seguiu, resumidamente, é um espanto:
- Obviamente eu não quis dizer que aqui temos um regime comunista - explicou a tenista. - Mas acho, sim, que desde o atentado do 11 de Setembro estamos vendo aqui uma grande centralização de poder. O cidadão americano está perdendo parte de seus direitos.
A jornalista, por seu lado, admitiu ter considerado as declarações não patrióticas. "Tive vontade de dizer ´volte para a Tchecoslováquia´ se você não está satisfeita neste país que te deu tanto, inclusive a liberdade."
- Pois eu considero que estou devolvendo o que recebi ao emitir minha opinião, ao me manifestar - rebateu Martina.
- Entendo que você pense assim, mas poderia manter privadas suas ideias. Por que despejar tudo isso em público sabendo que, por você ser uma celebridade, a repercussão será grande? - prosseguiu a jornalista.
- Como mulher, como lésbica e como atleta mulher saltei vários obstáculos. Acho que tenho o dever de opinar em público.
- Mas você não é política. Não ocupa nenhum cargo público nem de poder.
- Por que você quer me mandar de volta para a Tchecoslováquia? Eu moro aqui. Amo este país. Vivo aqui há 27 anos e pago impostos aqui há 27 anos. Tenho o direito de me manifestar. Por que isso seria não patriótico? - quis saber Marina.
- Existe uma expressão antiga [neste país]: ame-o ou deixe-o", respondeu Connie Chung, sem rodeios.
Algumas coisas mudaram, de lá para cá, a começar pela CNN. Outras não. Igualar dissenso com falta de patriotismo, decretar qual imigrante deve poder ou não permanecer no país continuam a pontuar os discursos da ala mais conservadora da América. Apenas em tom mais camuflado.
Uma reviravolta social profunda na vida americana - a lenta e gradual aceitação do casamento gay -, que também envolve Martina Navratilova, avançou muito.
Foi na mesma entrevista de 2002 que ela confirmou considerar a possibilidade de adotar uma criança. Lésbica assumida desde os 25 anos de idade, Martina defendia publicamente os direitos civis dos homossexuais desde os pré-históricos anos 1980. Mas dado o seu currículo de relações amorosas tempestuosas o desejo ficou incubado por uma década. Foi só poucos meses atrás que a atleta, hoje com 56 anos e morando em Paris, comunicou ter formado oficialmente uma família. Assumir as duas filhas da escultural companheira Julia Lemigrova, com quem vive há seis anos.
Falta-lhe um fecho, contudo. É da grande dama do teatro e do cinema americano, Katherine Hepburn, o que considera o conselho mais útil já recebido: "O que importa não é o que você faz na vida, é o que você consegue completar." Para Martina falta conquistar a legalização do casamento de pessoas do mesmo sexo, com todos os direitos civis a ele atrelados. "É apenas uma questão de tempo", garante ela.
A história parece lhe dar razão. Na tarde de sexta-feira passada os seis homens e três mulheres que compõem a Suprema Corte dos Estados Unidos reuniram-se em sessão fechada para decidir se aceitam pronunciar-se sobre o casamento gay. São necessários quatro votos para que seja aceito cada um dos 10 casos aguardando avaliação. Todos eles contestam a constitucionalidade da restrição do casamento à "união legal entre um homem e uma mulher".
No decorrer dos últimos dez anos, nove dos 41 estados americanos se pronunciaram a favor do casamento gay - seja através de votação popular, seja através de tribunais ou medidas legislativas. Pesquisas nacionais apontam para uma maioria de 54% da população a favor da união de pessoas do mesmo sexo.
Ainda assim, a história também mostra que os juízes têm evitado adiantar-se demais à opinião pública e aos costumes em vigor. Vale lembrar que a extinção das leis que proibiam casamentos inter-raciais só foi aprovada pela Suprema Corte em 1967, quando vigoravam em apenas 16 dos 50 estados americanos.
O resultado da deliberação dos juízes deveria ter sido anunciado ainda na sexta-feira. Foi adiado para amanhã, segunda-feira. É coisa grande, qualquer que seja. "É uma decisão com dimensão para alterar a face da América", acredita o professor de Direito Constitucional da Universidade da Califórnia, Adam Winkler.
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