segunda-feira, 9 de julho de 2012

ONGs se dedicam a fechar negócios


Rio+20 se tornou fórum de fomento a projetos, acordos de cooperação e negócios

24 de junho de 2012 | 3h 05
ANTONIO PITA, HELOISA ARUTH STURM / RIO - O Estado de S.Paulo
Longe das discussões políticas e da retórica anticapitalista de alguns, a Rio+20 pode ser considerada um sucesso para ONGs e empresas que apostaram no evento como oportunidade de concretizar parcerias e projetos.
No último dia da conferência, o secretário-geral da ONU para a Rio+20, Sha Zukang, anunciou que durante os eventos oficiais foram firmados cerca de 700 compromissos voluntários entre ONGs, empresas, governos e universidades. Isso significa um investimento de US$ 513 bilhões para ações de desenvolvimento sustentável nos próximos dez anos.
Mais que partilhar experiências e discutir práticas sustentáveis, para muitas instituições a Rio+20 se transformou em fórum de fomento a projetos, acordos de cooperação e negócios.
É o caso do Instituto Terra de Preservação Ambiental (ITPA), atuante no interior do Rio, que aproveitou a Cúpula dos Povos para firmar parceria com a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e se tornar parte de um ambicioso projeto que pretende restaurar 1,5 milhão de km² de florestas no mundo até 2020. Somente no Brasil, pretende-se recuperar 10 mil km², quase o dobro do desmatamento registrado na Amazônia em 2011. Ao ITPA ficará a responsabilidade de recuperar mil hectares de Mata Atlântica - 0,1% da meta brasileira.
"Vamos fazer parte dessa aliança mundial e estamos levantando áreas e dimensionando a equipe", diz o cofundador do Itpa, Maurício Ruiz, que dobrará seu quadro de funcionários, atualmente de 130 pessoas. De acordo com a IUCN, essa meta mundial possibilita injetar mais de US$ 80 bilhões nas economias nacionais e globais.
Na outra ponta, empreendedores também vislumbram o mercado verde, oferecendo consultoria para empresas que buscam reduzir a ineficiência em seus processos. "Mostramos que a redução dos custos passa pela redução do impacto ambiental", afirma Krishnamurti Evaristo, da empresa de consultoria Vaporenge.
Novo perfil. A transformação dos eventos da Rio+20 em espaço de interação e negócios também revela a mudança no perfil de atuação das ONGs nos últimos20 anos. Se em 1992 as instituições do terceiro setor se caracterizavam pela informalidade, forte apelo ideológico e pouca estrutura, hoje muitas contam com organização profissional e modelos empresariais de prestação de contas e financiamento.
A avaliação é de Reinaldo Bugarelli, coordenador do curso de gestão do terceiro setor da FGV. Para ele, que participou da conferência em 1992, as parcerias e contatos feitos na conferência são um efeito colateral positivo em função da tecnologia de gestão e agendas entre ONGs mais estruturadas e as pequenas associações. Bugarelli indica que a busca de financiamento nas empresas acabou por influenciar a estrutura das instituições.
Gestão. "As organizações adotaram à imagem e semelhança o modelo de gestão dessas empresas, para ser mais efetivas, demonstrar resultados. Isso acaba por tirar um pouco da criatividade e da energia transformadora das instituições, da sua inovação no pensamento da sociedade", avalia.
É com esse pragmatismo que pretende atuar o Grupo de Trabalho Novas Fronteiras para Cooperação do Estado do Maranhão, que desde 2004 funciona como rede de articulação entre ONGs de 84 municípios que desenvolvem atividades de agricultura familiar, gestão de resíduos, preservação das matas ciliares e extrativismo - especialmente do babaçu, uma das principais atividades econômicas de pequenas comunidades da região.
"Nosso foco é inserir o processo econômico dentro da preservação do meio ambiente", afirma Edval Oliveira, diretor de articulação institucional do grupo. Oliveira veio à Rio+20 com 13 conselheiros e aproveitou a visita para selar cinco parcerias com pequenas empresas no espaço SebraeTec, no Aterro do Flamengo. Elas prestarão consultoria à ONG, com apoio do Sebrae, em qualificação profissional, eficiência energética, medição de carbono e tecnologias sustentáveis. O próximo passo, segundo Oliveira, é difundir esse conhecimento nas cooperativas e associações de produtores, fechar parcerias institucionais com governos e desenvolver estratégias de captação de recursos para viabilizar todas essas medidas.
Apoio. E para que a falta de dinheiro não seja um obstáculo à concretização dessas iniciativas, há entidades que atuam exclusivamente como apoio financeiro, como a Sitawi - Finanças do Bem, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) que oferece empréstimos abaixo do mercado e gestão de fundos sociais, para que ONGs não dependam apenas de doações.
No Brasil, as doações movimentam cerca de R$ 10 bilhões por ano. É pouco comparado ao volume de empréstimo a pessoas jurídicas, que chega a R$ 1 trilhão por ano, segundo Leonardo Letelier, presidente da Sitawi. "Isso não quer dizer que crédito resolve todos os problemas nem que todas as organizações sociais deveriam fazer empréstimo. Quer dizer que esse recurso deveria estar disponível para quando fizer sentido", diz Letelier.

Fantasmas no caminho


Fernando Gabeira
A imprensa vê nuvens cinzentas e o governo, céu azul. O que vejo eu, com tão precários instrumentos de observação?
Num intervalo de meus compromissos visitei um shopping center em São Paulo. As lojas estavam vazias. Eram 14 horas. Os compradores já se foram ou ainda não chegaram, pensei. Nos restaurantes os garçons perfilavam-se à espera do primeiro visitante para cercá-lo de todo o excedente de atenção que as circunstâncias permitiam. Alguma coisa estava acontecendo com o consumo. Li que o índice de inadimplência atingira o nível mais alto dos últimos tempos e as famílias brasileiras comprometem um quinto de sua renda com dívidas. Um articulista do Financial Times vê uma bolha de crédito e alerta para o perigo de estourar. Será que havia relação entre alguns dados e o que eu via nas lojas desertas?
O olho pode enganar. O governo reduziu impostos de carros, lançou um pacote de compras, continua apostando no estímulo ao consumo, como em 2008. Os limites vão sendo empurrados para a frente. Podem ser mais elásticos do que parecem. O governo não estaria, como costumam fazer alguns generais, travando hoje a batalha da guerra passada?
Vejo nuvens cinzentas no céu azul. Será que vai chover? O otimismo político traz-me insegurança em certos momentos.
A Petrobrás, por intermédio de Graça Foster, admitiu a necessidade de tornar mais realistas os seus planos estratégicos. Com isso reconheceu ser preciso pôr os pés na terra. Alguns observadores acham que nem na terra ainda ela pôs os pés, só se aproximou dela. O ex-presidente José Sérgio Gabrielli já se prepara para disputar eleições. Na nova profissão vai poder sonhar à vontade: construir uma nova Bahia, meu rei. O bilionário Eike Batista também sentiu o frio na barriga com a queda de sua empresa da área do petróleo. Só que Eike é o dono da empresa e tem de segurar a onda.
Saí de São Paulo com medo do fantasma da bolha e encontrei em Goiás o fantasma da casa - a casa do governador Marconi Perillo, que teria sido comprada por Carlinhos Cachoeira. Nos quatro dias em que convivi com os goianos na bela cidade de Cora Coralina duvidei, de novo, dos meus olhos. É que levava de São Paulo a impressão que me passou um editor de jornais de TV: quando entra a CPI do Cachoeira, cai a audiência. Achava natural. A maioria da CPI joga como um time que não quer jogar, dando chutões para cima e muita bola para a lateral. São aqueles jogadores que parecem nos dizer: "Olha, o jogo já acabou, é melhor ir saindo porque você não vai perder nada, não corre o risco de ouvir um grito de gol já no ponto do ônibus".
Em Goiás, quando entra a CPI do Cachoeira, quase todos se aproximam da TV. Isso diz respeito à vida de um dos Estados mais importantes do Brasil. Nas telas há um fantasma da casa, povoada de inúmeros fantasminhas vestidos de cheque bancário. Eles passam e voltam, mas os espectadores estão atentos. A casa e os cheques envolvem o governador do Estado.
O impacto do escândalo Cachoeira pegou Goiás em cheio. Quem conheceu o senador Demóstenes Torres ou votou nele ficou chocado, até mesmo com o tom subalterno com que tratava Cachoeira. Goiás merecia um bom trabalho do Congresso. Como merece o País, sobretudo após a divulgação de que sete empresas fantasmas receberam R$ 93 milhões da Delta.
Nesse mundo povoado de fantasmas a realidade vai penetrar, como o fez na economia. Num jogo de futebol é possível retardar a partida, truncá-la até o apito final. Mas na CPI do Cachoeira não haverá apito final. Uma parte da audiência pode ter-se perdido, porque o jogo é muito feio. Goiás, Tocantins, Brasília tendem a ficar de olho, mesmo se os congressistas continuarem jogando a bola para a lateral, mesmo que caia a audiência da CPI nos jornais noturnos.
É simples assim: muita gente no País sabe que está sendo roubada, gostaria de saber quanto roubaram, quem será punido e como devolver o dinheiro aos cofres públicos. Se isso for negado, viveremos numa bolha de outra natureza, que só um movimento popular pode estourar. O limite de endividamento foi atingido, por que não o seria o da paciência? A estrutura política, além de ostensivamente dispendiosa, recebe milhões de reais em propinas. E, ainda por cima, retorna muitos milhões de dinheiro público para retribuir a quem a suborna. Esse mecanismo perverso não pode durar. É uma ilusão esperar que seja um fato natural, aceito como a sucessão das estações do ano.
Talvez eu me tenha iludido com o que vejo ou mesmo sido levado a pensar assim por causa do percurso São Paulo-Brasil Central, do centro econômico às bases de operação de Cachoeira. Nuvens cinzentas ou apenas um relâmpago no céu azul? País fantástico ou fantasmagórico? Chega um momento em que é preciso contar com os próprios olhos: a decadência política e o aparente esgotamento de um modelo econômico são muito volumosos para passarem despercebidos. O enlace dos dois e os filhos que vão gerar são apenas a intuição da viagem.
Em 2014 o golpe militar fará meio século. Será o ano da sétima eleição direta para presidente. Melhorou muito a situação do nosso povo mais pobre. Mas a realidade eleitoral aprisionou o processo político e o levou a amplo descrédito. A maioria dos políticos seguirá vendo a história como uma eleição depois da outra. Um expoente como Lula, que conheço desde o meio da década de 1980, não elabora sobre os caminhos nacionais, dispõe-se a morder a canela dos adversários na eleição paulistana.
Às vezes, no exílio, julgava estar delirando. O amigo Francisco Nelson me confortava: "Você está lúcido". Chico Nelson, infelizmente, morreu há alguns anos. Será que estou vendo mesmo o homem reputado internacionalmente como um estadista mordendo canelas numa eleição municipal? Saudades do Chico Nelson. Chegamos juntos do exílio, em 1979. Nesses momentos aparece para mim, confirmando a frase de um escritor francês: não visitamos os mortos, eles é que nos visitam.
* JORNALISTA

O longo caminho até a 'economia verde'


Washington Novaes
Não surpreende que na Rio+20 se tenha decidido deixar para 2014 a fixação de metas para o desenvolvimento sustentável, a vigorarem a partir de 2015 - de modo parecido com o que se fez na Convenção do Clima, deixando para 2015 a definição de compromissos de redução de emissões poluentes para cada país, mas a serem cumpridos só a partir de 2020. Como o tema inclui também a chamada "economia verde", igualmente discutida no Rio de Janeiro, as definições são dificílimas, envolvem a produção e os seus caminhos em cada país e no mundo. E aí o carro pega.
Quem leu na última segunda-feira o relato do correspondente deste jornal em Genebra, Jamil Chade, sobre as mudanças no panorama mundial, com os organismos econômicos questionando "a fronteira entre nações ricas e emergentes", tem ideia da dificuldade das transformações propostas para cada país, considerados o seu nível de riqueza, tipos de exportação e importação, obrigações equivalentes. Quem é Primeiro Mundo hoje? E quem se inclui no campo da pobreza, entre as 194 nações, se um terço da humanidade ainda cozinha em fogões a lenha (Ladislau Dowbor, Eco 21, maio de 2012)? Se já se produzem no mundo 2 bilhões de toneladas anuais de grãos, suficientes para prover cada família de quatro pessoas com 800 gramas diários? Se o PIB mundial de US$ 63 trilhões anuais, distribuído igualitariamente, desse a cada uma dessas famílias US$ 5.400 mensais? Mas como vencer a resistência e mudar critérios para 737 grupos corporativos, 75% dos quais de intermediação financeira, que "controlam 80% do sistema corporativo mundial"?
A "economia verde", disse o secretário-geral da reunião, Sha Zukang, não trata apenas de "baixo carbono", tem de ser "discutida no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza". Mas a Cúpula dos Povos não gostou: a proposta não criticava o capitalismo, as "suas formas de dominação"; seria apenas um "disfarce para mais negócios e exploração dos ecossistemas", com a ajuda de "tecnologias transgênicas e da biologia sintética" (Agência Brasil, 14/5). Ao longo dos debates, muitas críticas se centraram nas políticas de países que subsidiam fertilizantes inorgânicos, combustíveis fósseis e energias insustentáveis; contribuem para a perda da biodiversidade, com subsídios a certas culturas; e para a redução de empregos no campo, com mecanização acelerada. As operações na agricultura - acentuou-se - contribuem, só elas (fora mudanças no uso da terra e desmatamentos), com 13% das emissões globais, fora as de óxido nitroso (58%) e de metano (47%).
Quem mudará ou quer mudar esse panorama, restaurar a fertilidade do solo com insumos naturais e nutrientes "sustentáveis"? Quem será capaz de "integrar lavoura, floresta e pecuária"? Reduzir insumos químicos e herbicidas? Implantar técnicas de manejo biológico? Reduzir desperdícios na área de alimentos (1,3 bilhão de toneladas anuais, segundo a ONU)? Transferir gratuitamente tecnologias para países mais carentes, de modo a poderem caminhar nessas direções? Determinar que compras governamentais (10% do PIB) tornem prioritários esses caminhos, inclusive na exportação? E como chegar a tudo sem impor penalidades ou barreiras comerciais?
Documentos da ONU (Boletim do Legislativo n.º 2/12, Senado Federal) chegam a dizer que a transformação resultará em "melhoria do bem-estar humano e da isonomia social", e ainda com "significante redução de riscos ambientais e de escassez ecológica". Por aí se chegaria ao "bem-estar intertemporal das futuras gerações", à eliminação de "efeitos da degradação ambiental na oferta agregada"; também a um processo que conduzirá a "uma nova estratégia" e aos financiamentos globais para a "economia verde". Mas - frisam - não podem ser criadas "barreiras ambientais". E será preciso reformar o "regime global do direito de propriedade". Tudo se completará com incentivos para a "economia verde" no valor de 2% do PIB mundial, ou US$ 1,3 trilhão por ano. Por esses caminhos se conseguirá - dizem os documentos - um ganho de 60% na eficiência energética (prédios, indústria, transporte). Entrará na economia o pagamento por serviços ambientais.
A simples enumeração dos objetivos e dos caminhos mostra o quanto é complexa, controvertida, delicada a questão. Mesmo sem entrar em questões decorrentes dessas estratégias. Como, por exemplo, saber onde atuar e de quem cobrar os custos. Na exportação de commodities de países "em desenvolvimento" para países industrializados, por exemplo, quem paga: quem exporta ou quem consome? É discussão semelhante à que ainda não tem solução no âmbito da Convenção do Clima, quando se trata de saber se a redução de emissões cabe aos países que exportam produtos industriais que implicam essas emissões (como os chineses) ou aos países que os importam (como os Estados Unidos, a Alemanha e outros). É o mesmo caso da taxação sobre emissões de empresas aéreas ou de navegação marítima (5% das emissões totais): onde fazê-lo, nos países de origem das viagens ou de destino? E os países no meio do caminho?
E quando se pensa em cobrar por serviços naturais - como na agricultura, por exemplo? Há estudos que mostram um valor de trilhões de dólares anuais para serviços prestados gratuitamente pela natureza - fertilidade do solo, regulação do clima e do regime hidrológico, etc. Vão ser incluídos nos preços de exportação? E nos internos? Países em desenvolvimento (inclusive o Brasil) temem que questões como essa acabem resultando na imposição de barreiras comerciais. Ou em restrições à soberania no uso de recursos naturais.
A tese da "economia verde" é atraente. Mas seus caminhos estão povoados de obstáculos de natureza variada. Mesmo em 2014 não será fácil avançar. As realidades de um mundo diversificado - e em crise - continuarão muito fortes.
* JORNALISTA E-MAIL: WLRNOVAES@UOL.COM.BR