quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

NÃO É DINHEIRO, ESTÚPIDO

8 DE FEVEREIRO DE 2011

POR NIZAN GUANAES, FOLHA DE S. PAULO (08/02/11)

SOU, COM FREQUÊNCIA, chamado a fazer palestras para turmas de formandos. Orgulha-me poder orientar jovens em seus primeiros passos profissionais. 
Há uma palestra que alguns podem conhecer já pela web, mas queria compartilhar seus fundamentos com os leitores da coluna. 
Sempre digo que a atitude quente é muito mais importante do que o conhecimento frio. 
Acumular conhecimento é nobre e necessário, mas sem atitude, sem personalidade, você, no fundo, não será muito diferente daquele personagem de Charles Chaplin apertando parafusos numa planta industrial do século passado. 
É preciso, antes de tudo, se envolver com o trabalho, amar o seu ofício com todo o coração. 
Não paute sua vida nem sua carreira pelo dinheiro. Seja fascinado pelo realizar, que o dinheiro virá como consequência. 
Quem pensa só em dinheiro não consegue sequer ser um grande bandido ou um grande canalha. Napoleão não conquistou a Europa por dinheiro. Michelangelo não passou 16 anos pintando a Capela Sistina por dinheiro.
E, geralmente, os que só pensam nele não o ganham. Porque são incapazes de sonhar. Tudo o que fica pronto na vida foi antes construído na alma. 
A propósito, lembro-me de um diálogo extraordinário entre uma freira americana cuidando de leprosos no Pacífico e um milionário texano. O milionário, vendo-a tratar dos leprosos, diz: "Freira, eu não faria isso por dinheiro nenhum no mundo". E ela responde: "Eu também não, meu filho". 
Não estou fazendo com isso nenhuma apologia à pobreza, muito pelo contrário. Digo apenas que pensar e realizar têm trazido mais fortuna do que pensar em fortuna. 
Meu segundo conselho: pense no seu país. Porque, principalmente hoje, pensar em todos é a melhor maneira de pensar em si. 
Era muito difícil viver numa nação onde a maioria morria de fome e a minoria morria de medo. Hoje o país oferece oportunidades a todos. 
A estabilidade econômica e a democracia mostraram o óbvio: que ricos e pobres vão enriquecer juntos no Brasil. A inclusão é nosso único caminho. Meu terceiro conselho vem diretamente da Bíblia: seja quente ou seja frio, não seja morno que eu vomito. É exatamente isso que está escrito na carta de Laodiceia.
É preferível o erro à omissão; o fracasso ao tédio; o escândalo ao vazio. Porque já li livros e vi filmes sobre a tristeza, a tragédia, o fracasso. Mas ninguém narra o ócio, a acomodação, o não fazer, o remanso (ou narra e fica muito chato!).
Colabore com seu biógrafo: faça, erre, tente, falhe, lute. Mas, por favor, não jogue fora, se acomodando, a extraordinária oportunidade de ter vivido. 
Tenho consciência de que cada homem foi feito para fazer história.
Que todo homem é um milagre e traz em si uma evolução. Que é mais do que sexo ou dinheiro. Você foi criado para construir pirâmides e versos, descobrir continentes e mundos, caminhando sempre com um saco de interrogações numa mão e uma caixa de possibilidades na outra. Não dê férias para os seus pés. 
Não se sente e passe a ser analista da vida alheia, espectador do mundo, comentarista do cotidiano, dessas pessoas que vivem a dizer: "Eu não disse? Eu sabia!". 
Toda família tem um tio batalhador e bem de vida que, durante o almoço de domingo, tem de aguentar aquele outro tio muito inteligente e fracassado contar tudo o que faria, apenas se fizesse alguma coisa. 
Chega dos poetas não publicados, de empresários de mesa de bar, de pessoas que fazem coisas fantásticas toda sexta à noite, todo sábado e todo domingo, mas que na segunda-feira não sabem concretizar o que falam. Porque não sabem ansiar, não sabem perder a pose, não sabem recomeçar. Porque não sabem trabalhar. 
Só o trabalho lhe leva a conhecer pessoas e mundos que os acomodados não conhecerão. E isso se chama "sucesso". 
Seja sempre você mesmo, mas não seja sempre o mesmo. 
Tão importante quanto inventar-se é reinventar-se. Eu era gordo, fiquei magro. Era criativo, virei empreendedor. Era baiano, virei também carioca, paulista, nova-iorquino, global.
Mas o mundo só vai querer ouvir você se você falar alguma coisa para ele. O que você tem a dizer para o mundo? 


NIZAN GUANAES, publicitário e presidente do Grupo ABC, escreve às terças, a cada 15 dias, nesta coluna.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Mais economia, menos recursos ( artigo essencial/ definitivo)

07/01/2011 - 10h01
Mais economia, menos recursos
Por Lester Brown*

A produção, o processamento e a disposição dos materiais na nossa moderna economia de descarte desperdiça não apenas recursos, mas também energia. Na natureza, fluxos lineares descartáveis não sobrevivem por muito tempo. Nem podem sobreviver na economia global em expansão. Uma aberração, a economia do descartável, desenvolvida nos últimos 50 anos, caminha agora para erguer a maior pilha de entulho da História.

O primeiro país a identificar o potencial para redução do uso de materiais foi a Alemanha. Inicialmente com Friedrich Schmidt-Bleek, no início da década de 90, e depois com Ernst von Weizsäcker, líder ambiental, no parlamento alemão (o Bundestag). Para os dois, as modernas economias industriais poderiam funcionar sem problemas usando apenas um quarto das matérias-primas prevalentes na época.

Alguns anos mais tarde, Schmidt-Bleek, fundador do Instituto Fator Dez, na França, mostrou que era tecnologicamente possível aumentar – por um fator 10 – a produtividade dos recursos, dada a política de incentivos.

Além de reduzir o uso de materiais, a economia de energia gerada pela reciclagem dispensa maiores explicações. O aço feito de sucata consome apenas 26% de energia em relação ao feito com minério de ferro. Para o alumínio, esse número é de 4%. O plástico usa apenas 20% . E papel reciclado, 64%, com bem menos químicos durante o processo. Se as taxas mundiais de reciclagem desses recursos fossem equiparadas àquelas já adotadas pelas economias mais eficientes, as emissões de carbono cairiam rapidamente.
A indústria, incluindo a de plásticos, aço, cimento e papel, responde por 30% do consumo mundial de energia. A petroquímica, que reúne produtos como plásticos, fertilizantes e detergentes, é a maior consumidora de energia no setor manufatureiro, contando com cerca de um terço do uso industrial global. No mundo, as crescentes taxas de reciclagem e a transição para sistemas mais eficientes de manufatura podem facilmente reduzir em 32% o uso de energia nesse segmento industrial.

A indústria global de alumínio, com produção de mais de 1,3 bilhão de toneladas em 2008, corresponde a 19% do uso da energia industrial.  Medidas como a adoção de sistemas mais eficientes de altos-fornos e a completa recuperação do aço usado ajudam a diminuir em 23% o consumo energético na indústria de aço.
A redução do uso de materiais deve ver a reciclagem do aço como objetivo primeiro, já que a sua utilização é gigantesca quando comparada com a de todos os outros metais juntos.

O seu emprego é hoje dominado por três indústrias: automóveis, aparelhos domésticos e construção. Nos EUA, praticamente todos os carros são recicláveis. Deixá-los apodrecendo em ferros-velhos equivale a um ato incompreensível de desperdício. A taxa americana de reciclagem de aparelhos domésticos gira em torno de 90%; a de latas de alumínio, em 63%; a de vigas e trilhos, em 98% e as de vergalhões, em apenas 65%. Ainda assim, o aço descartado sob várias formas é suficiente para resolver as necessidades da indústria automobilística americana. A reciclagem de aço começou a subir mais há uma geração, com o advento do forno voltaico em arco, tecnologia que transforma sucata em aço, utilizando apenas um quarto da energia requerida para produzi-lo a partir do minério de ferro.

Esses fornos correspondem à metade ou mais da produção de aço em mais de 20 países. Algumas poucas nações, incluindo Venezuela e Arábia Saudita, usam exclusivamente arcos elétricos. Se três quartos da produção de aço mudassem para fornos voltaicos utilizando sucata, o uso de energia na indústria de aço poderia ser reduzido em quase 40%.

Outra grande consumidora de energia é a indústria de cimento, que, em 2008, produziu 2,9 bilhões de toneladas. Com metade da produção mundial, a China sozinha fabrica mais cimento do que um conjunto de 20 países. E ainda assim o faz com extraordinária ineficiência. Se utilizasse as mesmas tecnologias de fornalha do Japão, poderia baixar em 45% o consumo de energia para produção de cimento. Caso todos os produtores de cimento do mundo adotassem os processos mais eficientes de fornos secos, o uso de energia despencaria 42%.

A reestruturação do sistema de transportes também concentra um alto potencial na redução do uso de materiais. Melhorar o trânsito urbano, por exemplo, significa que um ônibus de 12 toneladas pode facilmente substituir 60 carros de 1,5 tonelada, ou um total de 90 toneladas, reduzindo o uso de material em 87%. A cada vez que alguém troca um carro por uma bicicleta, o uso de materiais diminui em 99%.

O grande desafio que se impõe às cidades, na economia de energia, é reciclar o máximo possível de componentes dos materiais urbanos descartáveis. Hoje, praticamente todos os produtos de papel podem ser reciclados, incluindo caixas de cereais, panfletos e embalagens de papel, além de jornais e revistas. O mesmo vale para latas de metal, vidro e boa parte dos plásticos. O lixo da cozinha e do quintal pode ser transformado em adubo fertilizante de plantas.

Economias industriais avançadas com populações estáveis, como a Europa e o Japão, podem recorrer ao estoque de materiais existentes na economia em vez de se socorrerem em matérias-primas virgens.     Outra indústria emergente é a de reciclagem de aeronaves. Daniel Michaels escreveu no Wall Street Journal que a Boeing e a Airbus, concorrentes há 40 anos no mercado de aviões comerciais a jato, disputam agora para ver quem pode desmontar aviões com mais eficiência.

O primeiro passo no processo é retirar os componentes vendáveis da aeronave, como motores, trem de pouso, forno de cozinha e centenas de itens. Para um jumbo a jato, essas peças podem ser vendidas conjuntamente por até US$ 4 milhões. Na etapa de desmontagem final, recicla-se cobre, plástico e alumínio: este último material servirá na fabricação de carros, bicicletas e até mesmo outra aeronave.

O objetivo é reciclar 90% do avião. Mas talvez um dia seja possível atingir 95%. Com mais de três mil aviões de carreira já aposentados e outros muitos por vir, essa frota representa uma mina de alumínio.

Uma medida cada dia mais atraente para reduzir emissões de carbono é retirar o incentivo de indústrias consideradas não essenciais que fazem uso intensivo de energia. Em resumo, a redução de materiais contribui significativamente para diminuir as emissões de carbono. Isso começa pelos principais metais – aço, alumínio e cobre – cuja reciclagem requer apenas uma pequena fração da energia necessária para produzi-los a partir de minério.

Segue com os projetos de carros, aparelhos domésticos e produtos eletrônicos, de modo que possam ser facilmente desmontados para reutilização ou reciclagem. E inclui evitar o uso de produtos desnecessários.

*Lester Brown é autor de Plano B 4.0 – Mobilização Para Salvar a Civilização (424 páginas, coedição brasileira de Ideia Sustentável e New Content, com patrocínio do Bradesco)

(Envolverde/Idéia Sustentável)


domingo, 6 de fevereiro de 2011

Você é bom, mau ou feio?

JOSÉ DE SOUZA MARTINS
Em 2005, o consulado americano em São Paulo adotou uma classificação moral dos postulantes a vistos temporários de trabalho nos EUA: bons, maus e feios. Essa informação está em documentos revelados pelo WikiLeaks e divulgados pela Folha de S. Paulo. "Bons" seriam os jovens de classe média, com bom nível de escolaridade, que vão para trabalhar em hotéis, cassinos, estações de esqui, para ganhar dinheiro e aprimorar o conhecimento da língua inglesa. Não raro, gente que aqui se recusaria a varrer a calçada da própria casa e lá se dispõe até mesmo a lavar privada.
"Maus" seriam os que maliciosamente já tem conexões nos EUA, parentes ou amigos que lá vivem ilegalmente, que para lá vão para se tornarem novos ilegais, vão para ficar. Não diz o cônsul, que vão para trabalhar em serviços que os próprios americanos recusam.
Tampouco diz o cônsul que inventou a classificação, com base no filme Três Homens em Conflito, que a ilegalidade laboral não é propriamente nociva à economia e à sociedade americanas: faz parte de um sistema de rebaixamento e barateamento da força de trabalho em certas ocupações. Sem os ilegais, muitas famílias ficariam sem a empregada doméstica barata.
"Feios" são os descuidados, pobres e desesperados. No fundo, o rejeito humano criado pelos desenraizamentos decorrentes da globalização da economia, pela extinção de empregos e profissões no país nativo, pelo desenvolvimento econômico socialmente excludente, pela morte social precoce dos que ficam sem alternativa de inserção na economia moderna. São os órfãos de um desenvolvimento econômico regulado pelo ritmo e pelas demandas dos países que polarizam a economia globalizada, que, continuamente, tornam obsoletos amplos setores da economia dos países de ritmo mais lento de desenvolvimento. Basta fazer uma excursão pela região metropolitana de São Paulo, sobretudo ao longo das ferrovias, para ver uma sucessão de ruínas de antigas indústrias, que há 60 anos fervilhavam de trabalhadores, no que era praticamente um regime de pleno emprego. Tudo vazio e em silêncio.
A classificação adotada pelo consulado é debochada e cruel. É verdade que se trata de uma classificação para uso interno, que não chega ao conhecimento de suas vítimas. Revela o parâmetro oculto de julgamento de pessoas avaliadas face a face no guichê de obtenção de vistos, que dali saem convencidas de que a rejeição assinala um defeito que é seu e não da sociedade para a qual pretendem ir.
Em duas ocasiões tive a oportunidade de presenciar o modo como, no consulado americano, é feita a triagem de quem pode ou não pode viajar para aquele país, até mesmo como simples turistas. Numa certa época, no preenchimento do formulário de pedido de visto, o interessado devia declarar cor e confissão política. Qualquer um sabia que os funcionários consulares queriam saber se o candidato à viagem era negro e/ou comunista.
Uma família de mulatos claros, de classe média, bem vestidos, pai, mãe e dois filhos adolescentes, empacou diante da pergunta da cor. Um dos adolescentes perguntou ao pai "de que cor nós somos, papai?". Como ainda não havia, no Brasil, a discriminação instituída pelas cotas raciais, aquela família não recebera o benefício do carimbo na testa para definição de sua raça. O pai vacilou, pensou um pouco e sentenciou: "Morenos! Escreve aí que você é moreno". Não sei se conseguiram o visto para viajar a um país em que quem escapa de branco é negro. Quando chegou a vez de uma jovem bem-vestida, mulata, o cônsul, negro retinto, fez-lhe várias perguntas sobre seu trabalho. Era artista, explicou ela. Rindo ostensivamente, disse-lhe ele, em inglês, que não ia dar-lhe o visto. E despachou-a.
Mas os brancos também têm a sua cota. Um pequeno grupo de moças que, pela conversa, eram amigas e trabalhavam na mesma empresa, havia feito severa economia durante um ano inteiro para comprar a passagem e visitar a Disney World. Ao saber qual era seu emprego e salário, recusou-lhes o cônsul o visto solicitado apenas para ir ver o Mickey Mouse, o Pato Donald e o Pateta. Até hoje não entendi por que a Disney World, montada na Flórida especificamente para atrair os latino-americanos que gostam de ouvir pato, rato e cachorro falarem inglês, não proclama a independência, não cria um Estado livre associado, como Porto Rico, e não estabelece o próprio sistema consular, emitindo seus próprios vistos. Sem contar que o sistema americano, pelo que se vê, é completamente falho: os terroristas envolvidos no ataque do 11 de Setembro, pela nomenclatura adotada em São Paulo, seriam classificados como "bons". Obtiveram facilmente o visto para ingressar nos Estados Unidos e fazer o que fizeram.
O problema não é exclusivamente americano. Outros países adotam cautelas mais ou menos cômicas para selecionar desejáveis e indesejáveis. Vivem uma contradição, pois são países que dependem e muito do dinheiro dos turistas, caso da Espanha. E dependem, também, do trabalho barato e ilegal de bons, maus e feios.
JOSÉ DE SOUZA MARTINS, PROFESSOR EMÉRITO DA USP, É AUTOR DE A SOCIABILIDADE DO HOMEM SIMPLES (CONTEXTO)