sexta-feira, 30 de abril de 2021

Hélio Schwartsman- Viés de imunidade, FSP

Contra os vieses lutam os próprios deuses em vão. Uma das ilusões cognitivas mais danosas e esquisitas de que se tem notícia é a falácia do planejamento, que pode ser definida como a tendência de pessoas e instituições de subestimar o tempo e os recursos necessários para a realização de um projeto.

Ela é danosa porque leva governos, empresas e indivíduos a comprometer-se com orçamentos e cronogramas que não conseguirão cumprir, incorrendo em custos adicionais. E é esquisita porque, mesmo sabendo que o viés existe —qual governo ignora que orçamentos estouram e obras atrasam?—, temos enorme dificuldade para compensá-lo —e é por isso que orçamentos continuam estourando e obras atrasando.

Algo parecido ocorre em relação à Covid-19. Ao menos desde outubro, quando países europeus começaram a apresentar expressivos aumentos de casos, sabíamos que segundas ondas eram possíveis. Aqui no Brasil, mesmo cientes desse perigo, escolhemos ignorá-lo e relaxamos os cuidados assim que os números da primeira onda trouxeram um alívio.

Não somos só nós. Os indianos, mesmo tendo assistido ao que aconteceu na Europa, nos EUA e no Brasil, julgaram-se imunes ao problema e decretaram a volta à normalidade antes da hora. O resultado é a tragédia numa escala que ainda não havíamos visto.

A falácia do planejamento foi identificada pela dupla de psicólogos Daniel Kahneman e Amos Tversky e é uma das modalidades do viés de otimismo que afeta nossa espécie quando julgamos nossas próprias capacidades. Mesmo sabendo que não há razões objetivas para tal, nos comportamos como se operássemos sempre acima da média e não precisássemos nos preocupar com os cenários mais negativos.

O melhor modo de escapar ao excesso de otimismo é incorporar o princípio da mediocridade. Não temos nada de especial. Se em algum lugar do mundo houve terceira onda, temos de estar prontos para ela.

 

quinta-feira, 29 de abril de 2021

Viva a Embrapa, a Ciência e o Agro, por Arnaldo Jardim

 Ao longo da existência humana, a Ciência tem sido realmente nossa grande aliada e não faltam exemplos de descobertas e invenções que corroboram essa afirmação. O fogo, a escrita e a roda, tão triviais hoje, trouxeram benefícios extraordinários para os povos antigos. A pólvora, a bússola e a prensa remodelaram geopoliticamente o mundo. Sem falar na eletricidade e no automóvel, que trouxeram, no final do século XVIII, comodidade e bem-estar às sociedades em processo de urbanização.

Na área da saúde, a produção científica sempre esteve a nosso serviço, seja no desenvolvimento da "pasteurização", por exemplo, que trouxe segurança para a alimentação em geral, seja na descoberta dos antibióticos, que nos ajudam, até hoje, no enfrentamento das infecções bacterianas.

Imaginem se não contássemos com a inovação para enfrentarmos o Covid-19. Até o surgimento do imunizante contra o novo coronavírus, produzido em inacreditáveis 10 meses, a vacina mais rápida da história foi a da Caxumba, desenvolvida ao longo de 4 anos.

As invenções, entretanto, são resultado de muita observação, de muito estudo e, no mundo complexo em que vivemos, de crescente investimento em pesquisa científica. Infelizmente, o Brasil investiu, em 2017, apenas 1,26% do PIB em pesquisa e desenvolvimento (P&D), em contraposição à Coreia do Sul (4,55%), à Alemanha (3%) e aos Estados Unidos (2,79%). Mas nem sempre foi assim.

No início da década de 1970, soubemos investir inteligentemente na nossa agricultura e os frutos colhemos até hoje - o país se transformou em uma das maiores potências agrícolas e exportadoras de alimentos do mundo. O marco para essa transformação foi a criação, em 1973, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa.

Foram dos seus laboratórios que saíram as tecnologias que deram origem a Agricultura Tropical, que permitiu o aproveitamento de extensas áreas do Cerrado Brasileiro, considerado, até então, impróprio para a agricultura. Desde sua criação, a empresa assumiu o desafio de desenvolver um modelo agropecuário genuinamente brasileiro, superando as barreiras tecnológicas que limitavam a produção em solos de elevada acidez. O cultivo da soja no Brasil é um exemplo dessa expertise.

Com o programa de melhoramento genético da leguminosa, foi possível desenvolver cultivares melhores, adaptadas aos diferentes ecossistemas brasileiros, e os estudos sobre nutrição vegetal permitiram a seleção de bactérias mais adequadas à inoculação, substituindo totalmente a adubação nitrogenada. Resultado: a soja, de origem asiática, está totalmente adaptada às condições brasileiras e produz 30 vezes mais do que há 3 décadas.

A criação da Embrapa deu corpo a uma rede, a uma cultura de inovação agropecuária. Um sistema que reúne instituições centenárias de ensino e pesquisa, como a nossa gloriosa Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz - Esalq, empresas e institutos estaduais de pesquisa, em especial os Institutos Paulistas de Pesquisa Agropecuária, fundamentais para o incremento da nossa produtividade agrícola.

A Embrapa tem sido fundamental para inovação da agricultura brasileira e será mais importante agora, no enfrentamento de outro grande desafio: o Brasil, em função das mudanças climáticas, precisará promover a transição de toda a sua agricultura para bases mais sustentáveis.

A agricultura é uma importante fonte de degradação ambiental e para ser sustentável, será preciso que o agricultor adote práticas que protejam o solo, a água, a fauna e, principalmente, a vegetação nativa. O pontapé inicial por essa transição foi dado com a implantação do Plano ABC - Agricultura de Baixo Carbono, que objetiva levar ao campo tecnologias de remoção e incorporação do carbono atmosférico. Quem está liderando a transferência dessas tecnologias? Mais uma vez, a Embrapa.

Ao longo dos seus 48 anos de existência, a produção intelectual e a inovação tem sido a sua prioridade. Somente com tecnologia de ponta poderemos estar em condições de competitividade com o resto do mundo. Somente com a pesquisa poderemos alcançar a sustentabilidade ambiental e nos mantermos na vanguarda da produção mundial de alimentos.

Segundo Benjamin Franklin, "Não há invenção mais rentável que a do conhecimento" e o Agro Brasileiro é uma prova disso. Se hoje o setor é responsável por 26,6% do PIB nacional, não podemos esquecer, ao comemorar esse sucesso, da importância da Embrapa.

Parabéns Embrapa - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária do Brasil.

Brasil chega a 400 mil mortos por covid-19 com risco de terceira onda à vista, OESP

 Fabiana Cambricoli, O Estado de S.Paulo

29 de abril de 2021 | 12h56

O Brasil ultrapassou hoje a marca de 400 mil mortos pela covid-19 com um patamar ainda alto de óbitos diários e índices de mobilidade crescentes, o que, para especialistas, aumenta o risco de o País ter uma terceira onda da pandemia antes de atingir a imunidade de rebanho pela vacinação. Com o registro de 1.678 novos registros de óbitos desde ontem até as 13 horas desta quinta-feira, 29, o País já acumula 400.021 vítimas pela doença.

Para cientistas especializados em epidemiologia e virologia ouvidos pelo Estadão, a reabertura precipitada das atividades econômicas antes de uma queda sustentada de casos, internações e mortes favorece que as taxas de transmissão voltem a crescer, com risco maior do surgimento de novas variantes de preocupação. Com isso, o intervalo entre a segunda e uma eventual terceira onda seria menor do que o observado entre o primeiro e o segundo picos.

“Nos níveis em que o vírus circula hoje, esse período entre picos pode ser abreviado, sim. Já vimos esse efeito em algumas localidades na virada do ano. A circulação em níveis altos favorece isso”, diz o virologista Fernando Spilki, coordenador da Rede Coronaômica, força-tarefa de laboratórios faz o monitoramento genético de novas cepas.

Coronavírus no Brasil
Homem com suspeita de covid-19 é amparado por familiar em ambulância em São Jãao de Meriti, no Rio. Foto: Silvia Izquierdo/AP

Em 2020, o número de casos e mortes começou a cair entre julho e agosto para ter novo aumento a partir de novembro. O surgimento de uma nova cepa do vírus (P.1) em Manaus colapsou o sistema amazonense em janeiro e provocou a mesma catástrofe em quase todos os Estados do País entre fevereiro e março. 

Os últimos dois meses foram os piores da pandemia até aqui. No ano passado, o País demorou quase cinco meses para atingir os primeiros 100 mil mortos, outros cinco meses para chegar aos 200 mil e dois meses e meio para alcançar as 300 mil vítimas. A triste marca dos 400 mil óbitos veio apenas 36 dias depois. 

E os dados dos últimos dias indicam que a queda das internações e mortes iniciada há três semanas já estagnou. O mais provável agora é que os índices se estabilizem em níveis elevados, com 2 mil a 3 mil mortes diárias, ou voltem a crescer, projeta o estatístico e pesquisador em saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Leonardo Bastos.

“Agora era a hora de segurar mais, fazer uma reabertura mais lenta e planejada. Esse aumento de mobilidade e contato entre as pessoas pode levar a uma manutenção do número de hospitalizações em um patamar super alto, o que é péssimo, porque sobrecarrega o sistema de saúde. Do jeito que está, a questão não é se vai acontecer uma nova onda, mas quando”, diz o especialista.

Como exemplo de como uma nova variante pode provocar grandes surtos em um intervalo curto de tempo, o especialista da Fiocruz cita o caso do Rio. Ele considera que o Estado já viveu três ondas. Além da primeira, entre maio e junho de 2020, os municípios fluminenses sofreram um segundo pico em dezembro, com o surgimento da variante P.2, e uma nova alta em março deste ano, com a emergência da P.1. “Talvez a próxima onda não seja síncrona em todo o País, mas poderemos ter surtos em diferentes locais”, opina Bastos.

Para Spilki, o aumento nas taxas de mobilidade e relaxamento das medidas de proteção não só elevam as taxas de transmissão como facilitam o surgimento de variantes mais transmissíveis ou letais. “A variante P.1 e outras não são entes estáticos, podem evoluir e se adaptar a novos cenários com o espaço que vem sendo dado para novos casos”, diz ele. Desde novembro, relata o especialista, já foram identificadas oito novas variantes originadas no Brasil.

O epidemiologista Paulo Lotufo, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), também destaca que, mesmo com a queda de casos e mortes nas últimas três semanas, o Brasil está longe de vislumbrar um controle da pandemia.

"Houve arrefecimento do número de casos e mortes pelas medidas de distanciamento social realizadas às duras custas. No momento, o retorno às outras fases de distanciamento é preocupante, principalmente na próxima semana, com aumento da procura de lojas pelo Dia das Mães e, também pela frequência maior de encontros sem a proteção necessária, como já aconteceu no Natal", alerta.

Coronavírus no Brasil
Homenagem aos mortos pela covid-19 em frente ao Congresso Nacional, em Brasília. Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Os especialistas acham improvável que a imunização consiga contemplar a maioria da população antes de uma nova onda. “A vacinação segue lenta, com interrupções e falhas de esquema, como falta de doses para reforço, o que é mais um complicador no que tange a frear a disseminação e evolução de variantes”, comenta o virologista.

Para os cientistas, as medidas necessárias para minimizarmos o risco de um novo tsunami de casos e mortes são as mesmas preconizadas desde o início da pandemia: uso de máscara (de preferência PFF2), distanciamento social, preferência por ambientes ventilados, rastreamento e isolamento de pessoas infectadas, além da aceleração da campanha de vacinação, que esbarra na escassez de doses.