Uma planta que cresce do Brasil até o México e chega a até 20 metros de altura pode ir parar nos frascos de medicamentos das farmácias brasileiras. A Trema micrantha Blume, conhecida popularmente como periquiteira, candiúva ou pau-pólvora, contém canabidiol e pode substituir pelo menos parte dos usos da maconha medicinal e aliviar o bolso de pacientes que, hoje, gastam milhares de reais em medicamentos à base da Cannabis sativa. Os pesquisadores que acabam de fazer a descoberta são otimistas, mas pedem calma: até talvez a periquiteira substituir a maconha, pode demorar alguns anos.
Pesquisadores do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) acabam de descobrir que os frutos e flores da Trema micrantha Blume têm uma das principais substâncias terapêuticas também encontradas na maconha, o canabidiol (CBD). Em teoria, isso pode significar que pessoas que tratam epilepsia, doença de Parkinson e outras doenças com Cannabis medicinal poderiam trocá-la por um medicamento à base da periquiteira, cujo plantio, diferentemente do cultivo da maconha, não tem restrições legais no Brasil.
Por enquanto, porém, isso está somente no campo teórico. O uso do canabidiol da planta em medicamentos têm um longo caminho pela frente, descreve um dos autores da descoberta, o biólogo Rodrigo Moura Neto. “Estamos no começo. É necessário estabelecer um protocolo consistente de preparação do óleo, porque não tem nada sobre isso para essa planta. Depois, fazer testes químicos e moleculares, então fazer análise in vitro para testar se o canabidiol dela age da mesma forma como o da Cannabis. Estamos falando de um processo de anos. Se eu for muito otimista, diria que, em até cinco anos, começaremos os testes em seres vivos”.
A maconha guarda centenas substâncias químicas e parte delas têm benefícios comprovados para tratar diversas doenças. Gradualmente, o Brasil abre as portas para o mercado da Cannabis medicinal, mas pacientes ainda sofrem, muitas vezes, com preços elevados devido à proibição do cultivo no país. Ele é discutido há anos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e algumas associações e pacientes têm autorização na Justiça para plantar maconha para uso medicinal. A maioria dos produtores nacionais, contudo, depende de importar a substância. É o caso de uma fábrica de produtos à base de Cannabis sediada em Belo Horizonte, que domina todos os processos de fabricação, exceto o plantio da matéria-prima.
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Para o psicólogo e membro da organização da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal (Ama+me), Anderson Matos, a descoberta de uma planta nativa do Brasil com CBD é promissora. Mas ele pondera que é urgente regulamentar o plantio de maconha no Brasil e não somente depender de uma nova descoberta científica que pode levar anos para se concretizar.
“Hoje, continuamos com o problema do preço dos medicamentos, que ainda é elevado. Não faz sentido importarmos a matéria-prima, sendo que poderíamos fazer uma reserva de mercado, termos soberania nacional, gerar emprego e renda no país e termos preços mais acessíveis”, diz. Ele também reforça que outra substância da maconha, o THC, é utilizado em alguns tratamentos, apesar do estigma de que é o elemento que “dá barato” ao se utilizar a planta recreativamente. Já a Trema micrantha Blume não tem THC.
O biólogo Rodrigo Moura Neto avalia que isso pode ser uma vantagem, por outro lado, pois permitirá avaliar melhor os efeitos do CBD isoladamente em tratamentos e determinar com precisão em quais o THC continua sendo importante. “É uma trajetória longa, mas que pode dar resultados para a sociedade”, conclui.