A Câmara dos Deputados aprovou, em caráter conclusivo, após deliberação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), no último dia 20 de março, o projeto 364/2019, de autoria do deputado Alceu Moreira (MDB-RS). Trata-se de mais um duro golpe dos vários desferidos nos últimos anos pela maioria do Congresso Nacional contra o meio ambiente —desta vez, reduzindo a proteção legal aos biomas brasileiros como a mata atlântica, o cerrado e o Pantanal.
O projeto modifica artigos da Lei da Mata Atlântica, mas na prática coloca em risco cerca de 48 milhões de hectares de campos nativos em todo o país, além de quase 15 milhões de hectares na Amazônia. Foi originalmente protocolado para resolver uma situação envolvendo produtores gaúchos, que pretendiam retirar áreas denominadas de campos de altitude, típicos da região, do que é considerado território de mata atlântica. Contudo, extrapolou o escopo original e se tornou um aterrador projeto contra os biomas brasileiros.
É necessário reconhecer que a intenção inicial do projeto tinha seus méritos e estava sendo resolvida pelas primeiras versões de pareceres do relator da matéria na CCJC, o deputado Lucas Redecker (PSDB-RS). Nesse sentido, foi acordado de pedirmos conjuntamente a análise de mérito do PL nessa comissão, uma vez que o relatório aprovado na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável deturpava a ideia original do projeto e desfigurava completamente a Lei da Mata Atlântica.
A grande polêmica, que gera preocupação da bancada ambientalista da Câmara dos Deputados, foi a mudança de última hora, atendendo a pressões das organizações financiadoras da Frente Parlamentar da Agropecuária e seus parlamentares, resultando num texto novo e que vai muito além do razoável ao transformar imensas porções do Pantanal, cerrado, mata atlântica e Amazônia em áreas agricultáveis, abrindo as portas para ocupação desenfreada, desmatamento e danos irreparáveis para a biodiversidade destes ambientes.
São compreensíveis as mudanças legislativas em tramitação de relatórios de projetos de lei e o peso da correlação de forças no dia a dia da atividade parlamentar. O que é questionável, no caso, foi a manobra utilizada na CCJC, comissão cujo papel é avaliar a constitucionalidade de projetos e promover mudanças apenas para adequá-los. Para alterar o mérito na comissão, foi realizado um acordo a partir de um texto que recuperasse a ideia original do PL e não colocasse em risco a Lei da Mata Atlântica e o Código Florestal. Tendo autorização para mudar o mérito na CCJ, o relator rompeu o acordo e apresentou relatório que representa um dos maiores retrocessos na legislação ambiental dos últimos anos.
Tal atitude abre um precedente perigoso. A análise de mérito na CCJ foi com base em um texto acordado entre ambientalistas, produtores locais, prefeituras, vereadores e parlamentares das bancadas da agropecuária e ambientalistas.
Com o rompimento do acordo, para atender exclusivamente a um determinado setor econômico (reflorestamento de eucaliptos e pinus) e colocando em risco toda a biodiversidade dos campos nativos de todo o país, tomamos a decisão de encaminhar recurso ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para anular a tramitação original, de caráter terminativo na CCJC, e assim passar antes pelo plenário e só depois seguir para a análise do Senado.
Para além dos aspectos legais do projeto, fica mais uma vez a importância da reflexão de qual país queremos construir em meio à urgência do combate às mudanças climáticas e à retomada do processo de reconstrução ambiental em curso no país: até quando o Parlamento será porta-voz do interesse de poucos e do "jeitinho" e do "compadrio" para afrouxar leis de proteção, facilitar crimes ambientais e o desenvolvimento a qualquer custo?
Um Brasil justo e sustentável que queremos, às vésperas de sediar a COP30, não pode ser refém de interesses alheios aos da sociedade nem pode prescindir de sua mata atlântica ou de qualquer outro bioma.
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