A direita defende a ordem. Isso não é muito compatível com as cenas de destruição em Brasília. Grupos de bolsonaristas tentam resolver essa contradição, que na psicologia leva o nome de dissonância cognitiva, atribuindo a baderna a petistas infiltrados. Há um limite para o autoengano? Talvez haja, mas ele tende ao infinito.
Quem desbravou os mecanismos psicológicos da dissonância cognitiva foi Leon Festinger, e a história de como o fez é deliciosa. Eram os anos 1950. Festinger e seus colaboradores estavam interessados no efeito de profecias que dão errado. A sorte lhes sorriu. Eles viram num jornal de Chicago uma nota sobre uma seita, The Seekers, que afirmava que o fim estava próximo. Infiltraram-se no movimento para acompanhar tudo de camarote.
A líder do grupo, Dorothy Martin, dizia receber mensagens do planeta Clarion. Ela assegurava que uma tempestade descomunal destruiria a Terra. Isso aconteceria antes do alvorecer do dia 21 de dezembro.
Mas os Seekers seriam poupados, pois seriam resgatados por discos voadores. Os membros mais entusiasmados da seita largaram seus empregos e se desfizeram de bens.
O mundo, como sabemos, não acabou. Embora a fria lógica popperiana exija que renunciemos às teorias cujas previsões sejam falseadas, Festinger suspeitava que não era isso o que ocorreria. Com base em relatos de seitas milenaristas do passado, achava que ao menos parte do grupo inventaria racionalizações para explicar desencontros fáticos e reforçaria sua crença na ideia-mestra. Foi o que se verificou. Para justificar o fracasso de uma ideia maluca, recorre-se a ideias mais malucas.
Hoje, com as redes sociais, interessados em estudar o fenômeno nem precisam se infiltrar. Os próprios fiéis fornecem todas as evidências que pesquisadores possam desejar. E também produzem as provas de que as autoridades possam precisar para processá-los. É o admirável mundo novo.
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