Tabelamento de juros do especial vem a calhar para governo que teme povo nas ruas
Paira artificialismo na decisão do governo liberal de Jair Bolsonaro de tabelar os juros cobrados no cheque especial. O Banco Central esforça-se em demonstrar que o assunto vinha sendo discutido há meses na esfera técnica e que se trata de deliberação do Conselho Monetário Nacional (CMN). Dos três assentos do órgão, um é ocupado pelo BC. Os outros dois, pelo Ministério da Economia --e, por lá, sabe-se que a medida era rechaçada por seu caráter intervencionista e radical.
Há empenho em deixar claro que o Palácio do Planalto só tomou conhecimento da iniciativa após a reunião do conselho na quarta-feira (27). "Foi bom o anúncio dos juros do cheque especial. Pedido do Banco Central. (...) Não é um canetaço, foi decidido pelo CMN", justifica o próprio presidente da República ao celebrar o feito nesta sexta (29).
Num reflexo de autodefesa, o BC afirma que até uma gestão liberal precisa atuar onde a competição não deu conta do recado e prevalecem ineficiências, apesar das tentativas de autorregulação do setor. Os bancos reagem: cobram do governo redução de custos e burocracia em vez de atos que ampliem distorções.
No rol de efeitos colaterais, enumeram-se redução na oferta de crédito e maior dificuldade de acesso dos consumidores ao mercado. Estima-se também aumento no lucro dos bancos dada a tarifa compensatória criada para recair sobre uma parcela expressiva de usuários do cheque especial --mesmo sem fazer uso do limite emergencial.
Ainda que não seja fruto do voluntarismo presidencial, a medida vem bem a calhar para uma administração que passou a segurar reformas econômicas impopulares por medo de povo nas ruas. Cai como uma luva quando se sabe que um grupo de senadores não alinhados ao bolsonarismo preparava um conjunto de propostas no mesmo sentido.
É inescapável a leitura de gesto político populista com vistas a efeitos imediatistas e alta probabilidade de danos à competitividade no setor num prazo mais dilatado.
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