Ao cortar um braço, outro surge; ao cortá-la ao meio, surgem duas estrelas
O liberalismo iniciou a década largamente ignorado. Hoje, a poucos dias de 2020, está influente. A que deve essa ascensão?
Diferencio o liberalismo humanista daquele neoliberalismo tecnocrata que alcançou algum espaço por aqui nos anos 1980 e 1990. Este último usualmente se restringia à economia e pressupunha que o comportamento humano pode ser modelado por equações econométricas e pelo massacre de dados.
Já o liberalismo contemporâneo brasileiro é humanista, herdeiro de John Locke e David Hume, de Adam Smith, de Edmund Burke, e por aqui de Joaquim Nabuco, de Hipólito da Costa, de Luiz Gama e outros. É multidisciplinar e propõe uma forma de pensar a sociedade focando as pessoas comuns e a sua busca por felicidade. Defende consistentemente vida, liberdade e propriedade privada como pressupostos fundamentais da vida social.
Entre os liberais, há unanimidade de que tem sido uma obra construída de baixo para cima há 15 anos. Não há, no entanto, consenso sobre as causas fundamentais da ascensão. Alguns mencionam as redes sociais. Não há dúvida de que houve vitórias importantes por meio do debate aberto. Ocorre que a internet é uma tecnologia, uma plataforma amoral. Qualquer um pode usá-la para vender suas ideias, boas ou ruins. Ademais, há redes sociais em todo o mundo, e não houve acolá avanço liberal como aqui.
Outros mencionam o desastre completo das políticas econômicas do governo Dilma. De fato, os liberais bem poderiam construir uma estátua para homenagear a mandioca, por Dilma haver convertido o maior contingente de brasileiros à causa liberal. Porém, houve e há governos péssimos na Argentina, em Cuba, na Venezuela, na Grécia, e inexiste primavera liberal lá fora. Falta algo.
Há dez anos, proferi uma palestra nos Estados Unidos sugerindo que os liberais liderariam o debate de ideias. O segredo? A descentralização.
No livro de negócios “Quem Está no Comando: A Estrela-do-Mar e a Aranha”, os autores diferenciam as organizações descentralizadas recentes das tradicionais e hierarquizadas. A analogia é biológica. A aranha possui um corpo central e oito pernas. A estrela-do-mar possui um corpo central e cinco braços. Internamente, entretanto, a biologia de ambas é bem distinta.
Ao cortar uma perna da aranha, sobrevive uma aranha aleijada de sete pernas. Mas, ao cortar a cabeça, a aranha morrerá; a aranha não vive sem seu centro de comando. Somos familiarizados com “organizações-aranha”: empresas, governos e organizações que possuem conselhos de administração, matrizes, presidentes, hierarquias etc.
Vejamos a estrela-do-mar. Ao cortar um braço, outro braço surge. Ao cortá-la ao meio, algo incrível ocorre: surgem duas estrelas-do-mar, dois organismos iguais.
O cérebro, a internet, a “gig economy” são organismos descentralizados. A memória não tem localização fixa em nosso cérebro, um certo neurônio da memória da vovó. A internet não tem diretoria nem matriz, e sua governança é fluida.
Nos longínquos de implementação da internet, em meados dos anos 1990, executivos de um provedor startup foram à França levantar recursos. Os investidores perguntaram: quem é o presidente da internet? O papo foi cômico.
O movimento socialista brasileiro tem sido gerido centralmente figuras como Lula e José Dirceu, financiado por verbas governamentais e até supranacionais, e induzido por muito pão com mortadela.
Os liberais não fazem uso de nada disso. São várias dezenas de organizações, centenas de grupos de estudo que surgiram espontaneamente, sem chefe, sem hierarquia, sem fundos centrais. Por isso, prevalecerão.
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