Talvez o Brasil ganhasse mais com uma homenagem na Flip a Cecília Meirelles
Quem me falou primeiro de Elizabeth Bishop foi Paulo Francis, em 1968, na Redação da revista Diners, que ele dirigia e onde eu escrevia. Três anos antes, Francis subira até Petrópolis a fim de conhecer Bishop e sua companheira, Lotta de Macedo Soares, criadora do parque do Flamengo e com quem a poeta americana morava na serra. O encontro não rendeu muito. "As duas estavam quase em coma alcoólico", ele contou, rindo.
Beber demais ainda era praticamente obrigatório entre os escritores dos anos 60, e o porre não alterou a admiração de Francis por Bishop. Ao declamar alguns de seus versos na Redação, ele acendeu minha curiosidade por ela. Não posso jurar, mas acho que era aquele poema sobre os amantes que dormem abraçados, "como duas páginas de um livro/ que se leem uma à outra no escuro". É difícil não ser fisgado por quem escreveu isso.
A escolha de Elizabeth Bishop como homenageada da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) em 2020 está gerando dissensões. A mim, as principais acusações que lhe imputam --ter "apoiado" o golpe militar em 1964 e esnobar a poesia brasileira-- não dizem nada. Lotta, seu canal com o Brasil e com quem viveu por 14 anos, era íntima de Carlos Lacerda, principal artífice do golpe. Queriam que Bishop torcesse por Leonel Brizola, arqui-inimigo de Lacerda? E seu domínio da língua portuguesa lhe permitiria avaliar nossa poesia? Seja como for, em que isso altera sua grandeza como poeta --como grande poeta americana?
Minha objeção é a de que teríamos mais a ganhar homenageando, digamos, Cecília Meirelles. Não duvido que Bishop fosse mais poeta. Mas Cecilia, além de poeta, foi também fundamental nos nossos anos 20 e 30 por sua independência como mulher e seu trabalho como educadora e folclorista. O Brasil lhe deve muito e está passando da hora de pagar.
E, ah, sim, ela também deve ter apoiado o golpe em 64.
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